terça-feira, 21 de março de 2006

Andamentos antagônicos

No último fim de semana, vi dois filmes em cinemas (assisti a mais um, mas foi em casa). E, aparentemente (ou seja, em termos de temática), "Um herói de nosso tempo" e "O Veneno da Madrugada" não têm nada em comum. Se o primeiro é a saga de uma personagem que passa por eventos extremamente significativos, indo das grandes questões (como conflitos de guerra, discriminação racial) até as ditas pequenas coisas (relacionamentos humanos, problemas familiares), o segundo é a crônica de uma típica vila colombiana vista pela visão de García Marquez. Entretanto, há um elemento que faz uma ligação entre os dois longas: o tempo. Mas, destrinchemo-nos para chegar a alguma conclusão mais palpável.

A produção que seguiu "O trem da vida" no currículo do diretor romeno Radu Mihaileanu conta a história de um menino etíope e cristão que, para fugir dos horrores da guerra em seu país, se finge de falasha (o nome que os judeus da Etiópia, descendentes do rei Salomão com a rainha de Sabá, recebem) e consegue emigrar para Israel. Lá, é adotado por um família com ascendência francesa e fortes tendências liberais. Recebe todos os cuidados e o conforto de um menino israelense, mas cresce sob o signo da discriminação por ser negro e africano. Além disso, Schlomo (o nome da personagem) não se sente bem por ter mentido para poder chegar na "terra santa". Mihaileanu cuida bem de todos os conflitos da história, fazendo cenas belíssimas (como a que a mãe adotiva de Schlomo o lambe para provar que o menino não tem nenhuma doença), mas se perde no final. Motivo? O tempo. Com duas horas de projeção, o garoto já deixou de ser garoto e ele tem muita história para contar ainda. Então, ele corta todo e qualquer "supérfluo", criando uma agilidade incômoda. Pressiona um roteiro que deveria ser desenvolvido em mais algumas horas em meros 40 minutos. Ao final, você, espectador, torce para acabar porque não quer ver ele estragar ainda mais o filme. Mesmo assim, houve aplausos voluntários para "Herói..." na sessão em que estava. Logo, o fim corrido não deve ter desagradado a muitas pessoas.

Já "O veneno..." lida de duas maneiras com o tempo: uma mais incisiva, já que a mesma história é contada três vezes sob perspectivas diferentes e com desenlaces não necessariamente iguais; e a outra, que pode ser comparada com a de "Herói...". Ruy Guerra faz um filme que é a cópia exata do universo de Gabriel García Márquez. Paredes mofadas, pessoas constantemente suadas, uma chuva ininterrupta, sujeira para todo o lado, personagens quase de fábulas. Entretanto, há uma estranheza inicial que pode afastar um espectador mais acostumado ao feijão-com-arroz (ou simplesmente com sono). É necessário passar por uma prova para se conseguir o resultado proposto por Guerra. Há vários pontos-sem-nó que só vão achar os seu motivos uma hora depois de propostos. Entretanto, passando pelo teste, depois é só descida. É uma sucessão de acontecimentos que fazem os olhos abrirem mais a cada corte. A cena em que Rosário fala de sua relação de atração-repulsa pelo Alcaide é, no mínimo, impressionante. E, o óbvio, a fotografia de Walter Carvalho é perfeita.

Se pudéssemos juntar o início de um, com o fim do outro, chegaríamos perto da perfeição. Ou da esquizofrenia.

quinta-feira, 9 de março de 2006

Quem matou... Que vá preso!

Deve ser a água. O fato é que mais uma banda de Liverpool ultrapassou as barreiras geográficas para fazer sucesso no mundo da internet. Bem, eles não são tão conhecidos como o Arctic Monkeys, mas nem poderiam ser comparados. Sim, eles fazem o tradicional roquenrol, logo, não podem se igualar ao moço aí de baixo, que é quase inclassificável, mas é que as músicas deles são diferentes entre si, do início ao fim do álbum de estréia "Who Killed... The Zutons". Acho essa a principal divergência para essa galera britânica (Franz, Maxïmo Park, Futureheads...) que eu gosto (até). Em algumas faixas, parece que emulam Led Zeppelin ("Pressure point"), em outras, fazem um esquema canções-para-se-namorar ("Confusion"). Há aquelas ("Zuton Fever") em que brincam com o sax da banda (isso mesmo, eles têm um saxofonista). A minha preferida atualmente é "Nightmare Part II", uma espécie de cool rock - fazendo analogia com o cool jazz. Na seguinte ("Not a lot to do"), rolam até algumas cordas, bem tímidas, lá no fundo. A seguinte, "Remember me" tem parentesco distante com o country rock e por aí vai. Cada faixa, e essa é a grande sacada, é certeza de novidade.

Ah, qual é o nome da banda? The Zutons.

segunda-feira, 6 de março de 2006

Quando crescer, quero ser Sufjan

Se você tivesse dinheiro suficiente para comprar apenas um CD de música para o resto da vida, neste exato momento eu aconselharia um sujeito de nome estranho: Sufjan Stevens. Falar que ele faz "folk" é resumir muito o trabalho do moço, mas não se pode negar a paternidade de suas músicas. O issue é que ele usa tantos e tão variados instrumentos que em certas músicas parece até música clássica. Ou, como Ana Maria Bahiana precisamente escreveu na Bizz, "Pop de câmara".

Aliás, o texto dela é sensacional. Ela diz que "hoje, quando o ritmo, no tambor de transe da música eletrônica ou no stacatto de impropéios do rap, impera acima de todas as coisas, eu me vejo ansiando por melodia", juntando no mesmo texto Calexico ("sua sonoridade, tão perfumada de sálvia, mezcal e poeira do deserto encheu minha alma como os ventos de Santa Ana"), Hem ("o Hem não soa, flutua") e explicando toda a história desse sujeito que foi achado na porta dos pais, em 1975, em Michigan.

"Tinham me jurado que Sufjan Stevens era filho de Cat Stevens, e, com esse nome (tomado emprestado de um poeta/místico Sufi), eu até acreditei. Mas a história verdadeira era ainda mais bizarra: este nativo de Michigan vem de uma fam¡lia de hippies com uma passagem por uma radical seita muçulmana - daí o nome. De sua criação Sufjan guardou a inclinação m¡stica por tradições abrâmicas - a primeira parte de sua carreira foi com o grupo de gospel avant-garde Danielson Famile - mas há outra explicação para seu extraordinário talento como compositor, arranjador e multi-instrumentista, capaz de tocar 20 instrumentos diferentes com exatamente o mesmo brilho, todos tecidos impecavelmente em arranjos complexos que ecoam Steve Reich e Philip Glass. Como ourives de melodia, é difícil achar outro em sua geração. Como conceitualista, felizmente sua ambição‚ é igual ao seu talento - seu grande projeto ‚ criar um álbum para cada estado americano (algo que They Might Be Giants também anunciou mas jamais cumpriu). Entretanto, com canções sobre super-heróis, assassinos em série, amigas com câncer e Al Capone, seus flagrantes tem voado muito mais além da mera exploração geográfica."

Bem, como o sujeito fez sucesso em 2005, pode parecer velho para alguns. Para quem não se importa com a idade de música, aproveite. Ana Maria diz que é de fazer qualquer marmanjo chorar. É mesmo.

fotos: Allmusic.com