segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Bolsonaro é fascista

Talvez esse texto-desabafo não sirva para mais da metade da minha timeline, mas como ainda há aquela minoria barulhenta que apoia o candidato fascistóide e não admite que ele seja fascista, pensei em ligar os pontos.

Claro que isso não garante absolutamente nada - nem que eles vão ler. O tipo de diálogo [se é que podemos chamar as brigas de facebook assim] que eu tenho visto recentemente é geralmente igual: de um lado, quem apoia o absurdo Bolsonero vociferando palavras de ordem e xingamentos, sem se importar com o que lhes é dito; do outro, eleitores dos mais diferentes espectros políticos pacientemente [e perdendo a paciência] tentando mostrar o óbvio: o quanto o ex-capitão é antidemocrático, tem apenas propostas contra o povo mais marginalizado e periférico, e só quer aumentar a violência num país já flagelado - além de ser um corrupto que recebe dinheiro da JBS em campanha e desvia verba de gabinete em benefício próprio.

Mas esse texto também é um desabafo, e serve para lembrar os partidários da democracia que, apesar de barulhentos, os apoiadores do Bolsonaro são comparativamente poucos e, claro, têm todo o direito de expor suas posições e, inclusive, votar nele. O texto não quer convencer ninguém a mudar de posição: apenas dar mais elementos para não dizer que foram enganados.

Se querem votar num candidato elitista (sim, Bolsonaro é elitista), que persegue a população mais pobre e carente, que disse em entrevista para o JN quer entrar com uma metralhadora .50 em favelas, sem se importar com a imensa maioria de moradores que vive lá por falta de opção, que quer aumentar ainda mais o número de homicídios num país que já é o campeão mundial nesse assunto, que entende ainda menos de economia, de gestão, de administração pública e terceiriza todas as suas decisões para economistas que querem repetir e aprofundar o plano do atual presidente Temer, ou para militares que querem manter seus privilégios, tudo bem. É direito de todo mundo fazer o que quiser com o voto.

Também não quero dizer que todas as pessoas que votam no Bolsonaro são fascistas todo o tempo [sim, algumas pessoas são]. Muita gente apenas está assustada com o caos institucional que o país mergulhou nos últimos anos, com a espiral de violência que parece grassar nos centros urbanos em todo o país, na esculhambação em geral da política, e querem apenas um nome que parece ser a exata antítese desse movimento. Ou seja, estão acreditando, esperançosos, numa solução rápida, instantânea, mágica. Mas não: já está bem claro, com as constantes declarações de sua incompetência, que Bolsonaro vai apenas afundar, ainda mais, o país. E uma das razões é simples: Bolsonaro é fascista.

O fascismo é um movimento político de extrema-direita nascido de início e meio do século XX, prioritariamente na Europa, que prezava pelo nacionalismo profundo, a militarização acima de outras formas de socialização e a perseguição a grupos periféricos e marginalizados [como judeus, gays, comunistas...]. Um grupo que se acreditava "superior", "puro", "limpo", "melhor" que os demais componentes das sociedades. Um tipo de comportamento que só valoriza o reflexo no espelho, e qualquer tipo diferente é rechaçado com violência - e até a morte, em escalas industriais, como foi o caso do Shoá (mais conhecido como Holocausto judeu). Duas das suas vertentes mais conhecidas dessa ideologia de extrema-direita foram o fascismo propriamente dito de Mussolini, na Itália, e o nazismo alemão, de Hitler.

Há diversos estudos de gente que passou a vida se debruçando sobre o assunto. Mas, pela praticidade, vamos pegar uma lista de características formulada pelo pensador, escritor, professor Umberto Eco. Ele citou, em um texto chamado Ur-fascismo ou o fascismo persistente, para a New York Review of Books, em 1995, 14 características que identificariam práticas fascistas. Mesmo que qualquer definição mais esquemática assim seja falha, porque não abarca todas as possibilidades de um ente ser na sua totalidade, é um ótimo passo de entrada na questão: as aproximações são bastante precisas. A elas:

1 - culto da tradição.
Bolsonaro e seus asseclas inventam um passado em que o Brasil era mais organizado na ditadura - e se apegam a ele. Não importa que os fatos contradigam e mostrem que a ditadura foi um dos períodos mais corruptos e violentos em que vivemos.

2 - rechaço do modernismo.
Uma consequência óbvia do ponto 1, Bolsonaro e seus asseclas pensam que as modificações que o mundo sofreu nos últimos anos só pioraram as coisas. São contra as novas formas de relacionamentos sociais-afetivos, os novos enlaces amorosos, os novos casais e casamentos. Enfim, são contra gays, lésbicas e qualquer maneira de se relacionar "diferente" (esse caso aqui é um prato cheio para psicanalistas).

3 - culto da ação pela ação.
Na batida metafísica entre ação e pensamento, o primeiro binômio despenca para um dos lados: não pensam, agem. Não conversam, gritam. Não debatem, lacram. Não escrevem, publicam memes.

4 - rechaço do pensamento crítico.
O circuito de raciocínio é curtíssimo e uma prova disso é a maneira como os seus apoiadores se comunicam apenas por slogans, gritando repetidamente palavras de ordem a favor do seu líder e contra quaisquer dos seus oponentes.

5 - medo ao diferente.
Qualquer outra forma de se comportar, de pensar, de ser é uma ameaça. O mundo deve ser um reflexo do que eu sou [do que penso e imagino que sou] e qualquer passo além disso é já um problema, que deve ser combatido.

6 - apelo às classes médias frustradas.
Os fascismos, apesar de atingir componentes de todas as classes e tipos de pessoas, são fenômenos prioritariamente de classes médias frustradas com a perda de privilégios [que são chamados de direitos] com a ascensão de outros grupos. No caso de Bolsonaro e cia., o que é a reclamação em direção aos grupos que defendem a população negra, como exemplo entre outros, como uma espécie de vitimismo exagerado?

7 - nacionalismo e xenofobia.
"Brasil acima de tudo...", diz o slogan de Bolsonaro. E o que dizer da reação contra os venezuelanos no norte do país? E contra os "estrangeiros" do nosso próprio país, aqueles que não participam do processo de consumo, como os pobres moradores de favelas?

8 - Inveja e medo do "inimigo".
É uma fixação extrema a luta contra o "comunismo", o "PT" e o perigo vermelho no país - sem considerar que o governo PT teve como diretor do Banco Central o banqueiro e candidato do [P]MDB, Henrique Meirelles.

9 - Princípio de guerra permanente.
As constantes declarações contra pobres e a defesa de um aumento do poder de fogo pelas forças de segurança são uma demonstração que Bolsonaro e cia. não querem acabar com a violência urbana, mas aumentar a violência. Ele quer mais tiroteios, as balas perdidas, os homicídios, não diminuí-los.

10 - Elitismo e desprezo pelos fracos
Bolsonaro já disse que teve quatro filhos mas na quinta vez "fraquejou" e veio uma mulher. E diz que direitos humanos - ou seja, os direitos que todos os humanos têm, ou deveriam ter, acesso - é "mimimi", esse neologismo para uma reclamação exagerada e sem fundamento.

11 - Heroísmo.
Para os apoiadores, Bolsonaro seria um "mito", um "messias", aquele que vai solucionar os problemas nacionais com o estalar dos dedos.

12 - Transferência da vontade de poder a questões sexuais.
O machismo, o ódio às mulheres é uma das maneiras de Bolsonaro e seus apoiadores praticarem o ódio e a violência cotidianamente.

13 - Populismo qualitativo.
O povo, para Bolsonaro, é visto como uma instituição monolítica: todos os brasileiros são [ou deveriam ser] iguais. Não importam as diferenças, de pensamento, de comportamento, de gostos e preferências. As arestas que ficarem de fora da fôrma serão cortadas, sem qualquer tipo de pena, que isso é mimimi.

14 - Novilíngua.
Você escreve um texto contra Bolsonaro e o seguidor dele grita de volta "mito". Você tenta perguntar por que o ex-militar é um mito e o fiel responde: "é melhor já ir se acostumando". Falta interpretação de texto, por preguiça ou cinismo - ou os dois.

Por fim, Umberto Eco [no texto que pode ser lido na íntegra em português aqui], explica que
Devemos ficar atentos para que o sentido dessas palavras [“liberdade”, “ditadura”] não seja esquecido de novo. O Ur-Fascismo ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis. Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer: “Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!”. Ai de mim, a vida não é fácil assim! O Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o indicador para cada uma de suas novas formas — a cada dia, em cada lugar do mundo.
Chegou a nossa vez de abrir os nossos olhos.

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