sexta-feira, 29 de julho de 2005
capítulo 3: o advogado controverso
Edvaldo nasceu numa família humilde. Classe média-baixa, se quisermos usar um padrão universal. Cresceu em um bairro do subúrbio, mas mantinha-se distante dos garotos de sua idade. Agia dessa maneira involuntariamente, não se sentia superior, diferente ou melhor. Na verdade, não pensava sobre isso. Apenas gostava de ficar em casa, brincando com seus próprios bonecos e nunca suspeitou que poderia abrir a porta e ter um mundo amplo lá fora.
Com esforço de todos os parentes, se formou na advocacia, profissão que sempre achou boa. Boa mais no sentido altruísta do termo que no egoísta. Edvaldo pensa assim: todos deve ter direito aos mesmos direitos; ninguém pode ser tratado diferentemente só porque nasceu em outro lugar, tem um nariz mais abrutalhado, ou porque é pobre.
Aprendeu essas idéias igualitárias na faculdade. Repetia esses preceitos para si mesmo como mantras. Entendeu-os como por osmose. Pensava que todo advogado deveria ser humanista, acreditar no seu semelhante, defender a espécie. Escutou os melhores professores, os profissionais mais reconhecidos pelo mercado, falando exatamente isso. De alguma maneira, associou a solidariedade com o sucesso.
Já participou de discussões porque não concordava com nenhuma proposta - que ele chamava de - radical. Não via como a pena de morte pode ser produtiva, por exemplo. Para ele, era quase um contra-senso em termos. Em primeiro lugar, sempre morreria mais gente inocente que os verdadeiramente culpados. Não adiantavam falar-lhe que há alguns criminosos que não se recuperariam na cadeia. Ele repetia a mesma ladainha: os homens devem pagar vivos pelos seus crimes.
Entretanto, por mais incrível que possa parecer, lá dentro, no seu íntimo mais profundo, Edvaldo não consegue confiar em ninguém. Acha a humanidade fadada ao fracasso. É um sentimento fatalista, ele sabe, mas não deixa de pensar que somos animais gananciosos, que não nos contentamos com o que temos e podemos fazer tudo para alcançar aquilo que queremos. Era por isso que nós nos movemos. Mas o caminho a que isso está levando a humanidade é totalmente catastrófico.
Para provar suas teses, Edvaldo decidiu defender um criminoso da pior estirpe. Um deputado que fez sua fortuna com o tráfico no Norte do país e que matava com requintes de terror quem dificultasse o seu caminho. Se por um lado, Edvaldo acha que todos têm o direito à defesa, por outro, ao auxiliar o que de pior há na humanidade, ele provaria também que o homem pode fazer tudo por poder, ambição ou dinheiro. Ou para simplesmente provar uma idéia.
Pela atitude improvável, chamou a atenção da mídia que o transformou no foco da discussão das elites. Trabalhou incansavelmente, virou noites em claro para achar falhas no processo e as encontrou. Por obra de Edvaldo, o tal criminoso ganhou as ruas como um sujeito inocente.
Contudo, Edvaldo não sobreviveu muito tempo para continuar sua catequese. Mas, se pudesse, ele agradeceria o seu assassino: este também comprovava sua tese.
quinta-feira, 28 de julho de 2005
> Hoje, no trabalho, só quis escutar música dos anos 80: The Killers, The Bravery e The Chameleons.
> Não parece uma escala de décadas? The Strokes, The Libertines, Franz Ferdinand, Bloc Party. (Repararem: há um gap temporal ali, entre os Escroques e os Libertinos).
> Por que diversas bandas novas optaram por ter o 'THE' na frente?
> Hot Fuss deveria ser o segundo CD do Interpol?
> Há alguma banda realmente original? Já houve? Isso importa?
terça-feira, 26 de julho de 2005
Durante toda a minha vida, tive uma certeza: o pior filme publicitário já produzido no Brasil era o das Perucas Lady, tá? (Reparem que o site também é HORRÍVEL). Mas, ultimamente, passa no horário do Globo Esporte, uma propaganda que é de deixar qualquer um constrangido. Começa assim:
Algumas pessoas correm (fingindo pessimamente) como se disputassem uma competição. Quando o primeiro colocado passa pela corda e levanta os braços o off manda: "Aqui vc gasta a energia". A cena corta, pessoas comem um torrone, off: "Aqui vc repõe". E - assustadoramente - entra a música mais horrorosa da história: "torrone é, é, é Montevérgine / torrone é, é, é Montevérgine". Vergonha...
ps. Na saída do meu trabalho, diariamente, encaro um galhardete ridículo de uma loja de aluguel de roupas chamada Avec Elégance. Primeiro que o nome me remete àquela música do Lobão ("Decadence avec elegance"). Depois que o galhardete é mal plotado, com as figuras pouco nítidas. E, por último, os modelos são HORRÍVEIS, feios de dar dó.
Não deve ser muito difícil fazer uma publicidade mais ou menos né?
sexta-feira, 22 de julho de 2005
Série personagens fictícios
capítulo 2: a policial
Bianca, apesar do nome, tem a pele morena. Os cabelos negros, as feições abrutalhadas, o nariz adunco e as sobrancelhas espessas. O corpo é bem feito: seios fartos, cintura fina, bunda generosa. É impossível não percebê-la em qualquer ambiente, seja pela opulência ou pela impetuosidade.
Rouba qualquer cena. Fala alto, não se importa com olhares. Sente-se segura, confia em si, em alguma coisa dentro dela, ou no coldre dentro da bolsa, e não esmorece ante os críticos ou aqueles que prezam pela discrição.
Em certos momentos, atinge a grosseria. Conversar com ela é complicado porque entremeia as frases com insultos gratuitos. Parece um menino, no sentido mais masculinizado de tal comparação, sem ser lésbica. É abrutalhada no tratar com pessoas. Ao cumprimentar, dá tapas nos ombros. Não sorri, gargalha. Exagera nos atos, esbarra nas pessoas sem pedir desculpas. Não fala, grita.
O último namorado, arranjou na corporação. Já terminaram, ele acabou. Mas quando ainda estavam juntos, Bianca amolecia. Até hoje, ao avistá-lo, transforma-se num canário recém-nascido. Desprotegida, inocente, perdida. No relacionamento, ele mandava, ela obedecia. Sem discussão. Ela se transformava por completo. Não interagia com os amigos da faculdade noturna de direito, finda a aula, ia embora. Sem conversa, sem chopinho. Passou longos períodos sumida.
O pai era também policial. Bianca adorava ir ao jardim zoológico com ele nos fins de semana. Ou brincar no play do prédio. Ou ainda quando ele a levava no colégio. O pai, apesar de todos os contratempos, era extremamente dedicado às duas filhas. Trabalhava demais, mas sempre conseguia reunir forças para poder ir à praia com elas, por exemplo. E fazia questão de almoçar em casa, à mesa, com toda a família reunida, as vezes que podia.
Ao ficar um pouco maiorzinha, Bianca acostumou-se a esperar o pai na sala, deitada no sofá. Quando ele demorava a chegar, chorava. Sofria aos poucos. Primeiro era quase um mio imperceptível, baixinho, mas que aumentava de intensidade enquanto o pai não aparecesse. Todas as noites eram iguais: quando ela ouvia a maçaneta da porta, corria pela sala e, num pulo, se agarrava ao pescoço do pai.
Num dia longo, porém, ela não parou de chorar.
quinta-feira, 21 de julho de 2005
"Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam."
"Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca".
"Todo tímido é candidato a um crime sexual".
"Deus prefere os suicidas".
"A ficção, para ser purificadora, precisa ser atroz. O personagem é vil para que não o sejamos. Ela realiza a miséria inconfessa de cada um de nós".
"(...) Resta que a decisão nos parece ser o fruto de nosso capricho, o que é incômodo: preferiríamos não ter de invocar apenas nosso desejo como razão de nossa escolha. Portanto pedimos tempo para pensar (e justificar). O diabo é que, freqüentemente, quem quer encontrar argumentos que autorizem todas as suas escolhas transforma a vida numa série de extenuantes reflexões preliminares.
Resumo: parodiando Hamlet, o tempo para pensar nos torna, às vezes, um pouco covardes."
Contardo Calligaris - FolhaSP de hoje
quarta-feira, 20 de julho de 2005
Lembro de duas formas de castigo que minha mãe me dava involuntariamente. Uma delas era marcar horário no salão de beleza. Outra, quando íamos visitar meu vô, que mora na rua Teresa, em Petrópolis, lá no Alto da Serra, acompanhá-la na subida. Ela entrava em cada buraquinho disfarçado de loja perguntando sobre preços, tamanhos, estilos, cores, etc... Para percorrer um percurso de 1,5 km, no máximo, demorávamos três, quatro horas até.
Não sou freudiano ao ponto de achar que a minha aversão completa por compras de qualquer natureza venha daí. Mas, seria curioso colocar todo o meu comportamento num "trauma de infância".
O certo é que tenho verdadeiro HORROR às atitudes simpáticas de vendedores. São sempre os seus melhores amigos, mesmo que vc o tenha conhecido há poucos instantes. Sabem o que fica melhor em vc, ou o que é o melhor para vc.
É o arquétipo da falsidade. Eles pouco se importam com a sua opinião. Perguntam o seu nome simplesmente porque a conduta da loja acha que assim vc, comprador-otário, vai se sentir sendo atendido por um camarada. Então, o sujeito (ou a sujeita) estampa os seus dentes, faz caras e bocas, opina, puxa conversa, ri das suas piadas sem graça, enfim, tudo para vc se sentir tão à vontade que, por que não?, compra mais um pouquinho, gasta além daquilo que vc está disposto.
Trabalhei apenas uma vez sozinho nos EUA de garçom. Foi uma das experiências mais ridículas da minha vida. Talvez tenha sido um dia ruim, não tenho como fazer uma amostragem para saber que todo dia seria daquele jeito. E, também, como estava debutando, é claro que tudo era pior, ou pelo menos, superdimensionado por mim.
Houve diversas cenas vexaminosas, mas uma em específico funciona exemplarmente.
Um garoto extremamente mirrado entra no restaurante, roupas largas, boné para trás, malandro hip-hop americano. É acompanhado de um amigo e duas meninas e roda a chave do carro no dedo. É claro para mim que ele não tem 18 anos e fico na dúvida se ele tem os 16 necessários nos Estados Unidos para dirigir. Como havia aprendido, aproximo-me, entrego-lhes os talheres, igual ao manual, pergunto se querem beber alguma coisa e não entendo o que um deles responde. Inquiro novamente e logo ele percebe que não sou americano.
Pergunta-me: "vc é de onde?". "Brasileiro", respondo. E a partir daí qualquer das minhas falas é motivo para ele rir sem parar. Como se eu fosse um miquinho amestrado que ele mostra para as suas amigas. Viro a chacota. Tudo é razão para galhofas. Pede-me para falar um palavrão na minha língua e acha estranho quando não quero falar. Insiste tanto - e eu pensando no manual "o cliente sempre tem razão" - que pronuncio. Não me lembro o quê. Ele continua: quer a tradução. Para mim é humilhante demais. O meu sorriso sai, o meu maxilar fica imóvel. Ver um moleque completamente ignorante da minha situação querendo se exibir para suas meninas chafurdando em cima de mim é a minha completa desgraça.
Eu sei que qualquer um que ler o parágrafo acima pode achar minhas reações exageradas. Não quero que se comparem nem se coloquem no meu lugar. As palavras talvez não traduzam totalmente a situação por demais escrota. Provavelmente faltem detalhes para demonstrar por completo o ambiente em que tudo estava inserido. E, principalmente, considero que há diferenças de opiniões quanto às humilhações. Considero-me bastante suscetível a esse tipo de incidente.
A minha intenção, entretanto, é outra. Apenas demonstrar o meu total ASCO nas relações de venda de uma maneira ampla - tanto de um lado quanto de outro do balcão - e geral - nada contra um vendedor em específico. Assim como, por exemplo, tenho ABSURDAS restrições aos médicos, mesmo que considere alguns, em específico, de tamanha importância, vendedores se comportam de um modo (falso) que é o oposto daquilo que concebo como ideal para a minha vida. Por mim, morriam de fome.
segunda-feira, 18 de julho de 2005
Se todas as versões oficiais forem verdadeiras (o que é muito difícil), essa corrente de escândalos que alcança proporções inimagináveis, que ameaça a reeleição do Lula, se iniciou por uma picuinha pessoal. Senão, recapitulemos.
O estopim de tudo foi a gravação de um "petequeiro" (no linguajar de Roberto Jefferson) dos Correios recebendo três mil reais de propina para favorecer uma empresa numa licitação. Através da CPI dos Correios, descobrimos que foi um empresário de Brasília que fez a já lendária gravação. O intuito do empresário era desmoralizar o comprador da estatal e então conseguir também vender alguma coisa para ela. O problema é que o tal comprador (cujo nome, Maurício Marinho, é até difícil encontrar no google) sem querer falou o nome de Roberto Jefferson. Daí em diante, vc já sabe toda a história.
Aliás e a propósito. Só para constar: se a corrupção começou com denúncias de propinas dos supracitados R$ 3 mil, já se cogita a respeitosa cifra de R$ 2 bi. Nada mal para um país subdesenvolvido.
sexta-feira, 15 de julho de 2005
capítulo 1: o médico incompetente
Edgar sempre fora o principal aluno das suas turmas, desde o primário. Não fazia nenhum esforço para ser o melhor. As notas esbarravam no máximo. Os alunos, no início, o cobiçavam, depois, tenderam à inveja. Edgar mostrava-se superior (ou indiferente) a tudo. Para ele, todas as conversas sobre assuntos menores que aqueles que ele considerava importante, eram balelas. Reunidas num saco e jogadas fora antes mesmo de conferi-las.
Para falar a verdade, Edgar menosprezava os outros. Sentia-se tão acima da humanidade que não se importava com as declarações que lhe dirigiam. Seguia em frente. Era blasé, distante, de certa forma frio. Incomodava-se com nada.
Estudou medicina, mas poderia ter optado por qualquer outra profissão. Seria bem sucedido, estava escrito. Já na universidade, demonstrava a sua capacidade de assimilação de conteúdo de maneira enciclopédica. Fazia ligações entre o conteúdos explicados que eram incríveis, sabia diagnosticar doenças impensáveis, tinha interpretações surpreendentes, lembrava de detalhes dos textos, recitava-os despreocupadamente em voz alta para a humilhação do interlocutor. Os professores o adoravam. Os alunos, alguns o admiravam, outros, os menos afoitos ao estudo, não o suportavam.
Ao formar-se, encontrou a mulher da sua vida. E esse encontro logo surtiu efeito nele. Aline não fora sua primeira mulher, mas com ela, Edgar pensou em se casar. O incrível é que ela era extremamente diferente dele. Se ele era racional, ela era emotiva. Se ele era teórico, ela era prática. Se ele era um frio, ela era passional. Os mais chegados perceberam os efeitos, viram como ele se transformou num ser mais humano próximo dos outros.
Quando estava longe dela, entretanto, Edgar ainda era praticamente o mesmo. No hospital, arremessava diagnósticos sem nenhum tipo de contato com os pacientes. Não lhes dirigia a palavra, não conversava, não queria saber como se sentiam. E, surpreendentemente, sempre acertava. Por mais que não valesse da sua própria humanidade para saber como os outros se saíam, por mais que se mantivesse à distância, ele conhecia tão bem o corpo humano por estudos com cadáveres e em livros que ele processava todas as informações e desenvolvia uma receituário infalível quase instantaneamente.
As pessoas vinham lhe agradecer e ele sempre ficava constrangido. Não via nenhum motivo para isso. Queria ficar longe delas. Continuar fazendo aquilo que ele estuda e estudou tanto para fazer, ou seja, curar pessoas. Não era nada demais o que ele fazia. Quando ele consertava o carro, por exemplo, não ia dizer "obrigado" ao mecânico. Ele não fez mais que o seu trabalho. No máximo, dava uma gorjeta. O trabalho deve ser desempenhado à perfeição ou não deve ser feito.
Quando já beirando a idade que chamam de madura, sua mulher adoeceu. Ele, já um médico reconhecido internacionalmente, pediu para tratar do caso. E mesmo que não tivesse feito o pedido, seria indicado porque era realmente o melhor. No início, pensou que seria mais um de seus pacientes. Então, não conseguiu evitar a obviedade, e o pensamento assombrou à sua mente. Era a sua mulher, ali, deitada. Mesmo assim, não devia se envolver, repetiu para si mesmo. Receitou, como sempre, revisitando suas anotações mentais, uma série de procedimentos. E, pela primeira vez, não deram certo. Pelo contrário.
Aline queria falar com ele. Edgar não sabia como lidar com isso, a mulher queria falar-lhe. Deitada sobre a cama, coberta pelos lençóis brancos, usando aquela roupa ridícula, ela seria sua mulher ou mais uma paciente? E por qual motivo seus métodos não surtiram efeitos? Edgar se confundira. Nada era mais claro. Isolou-se, deixou-a sozinha, não deveria se envolver, tinha que curá-la. E isto não queria dizer envolvimento, nunca quis, não poderia deixar-se contaminar, ele sabe a resposta, é óbvio, qualquer um pode enxergar, está na sua frente, tem que estar. Nada o impede, ali na frente, é só abrir os olhos, mas por que agora não vê nada?
Mas nada deu certo dessa vez.
domingo, 10 de julho de 2005
- O romantismo é tão datado quanto a morte por pneumonia aos 27 anos.
- O que mais me marcou do "Memorial do Convento", considerado a obra-prima do Saramago, foi a não-romatização do relacionamento entre os protagonistas. Sem sentimentalismos exagerados, jogos sexuais, ou pré-concepções. Blimunda e Baltasar queriam ficar juntos e não havia o que os impedissem, nem passado, diferenças pessoais, quiçá destino.
- Em "Bendito Fruto", o longa de estréia do roteirista de TV Sérgio Goldemberg, há um diálogo final que a personagem de Zezeh Barbosa discute com a de Otávio Augusto porque eles nunca formariam uma família tradicional. Ele responde que eles poderiam ser uma família e só isso já era o suficiente.
- Por que idealiza-se o relacionamento perfeito? Acontece com todo mundo, algumas pessoas em menor outras em grau quase patológico. Generalizando, pode-se afirmar que as mulheres são mais românticas que os homens. A velha história do príncipe encantado. Ainda bem que isso está mudando. Mas nós também encaramos a vida como um roteiro pré-escrito cujo papel principal foi reservado para nós mesmos. Se não conseguirmos cumprir todas as nossas "tarefas" nos julgaremos infelizes.
- É praticamente impossível viver sem pensar no passado, naquilo que construímos ou que passamos anos pensando ser o melhor para nós mesmos. Não prego a racionalização dos relacionamentos, mas uma forma de diminuir a fantasia. Idealização só gera isolamento ou descontetamento. Experiência própria.
sexta-feira, 8 de julho de 2005
Estou para escrever sobre isso há muito. Esperava, sem saber, sem nenhum motivo aparente, o dia de hoje. Queria tê-lo feito duas semanas atrás, no mínimo. Desde quando soube da doença da cachorrinha de minha irmã. Pode parecer despropositado, principalmente para quem nunca teve um animal de estimação, mas considero-me a pessoa certa para falar sobre isso, já que não me importo com bichos de todas as naturezas. O que vale aqui é o que a minha irmã sentiu e não o fato em si.
Ela ganhou a Dinnie assim que se casou pela primeira vez, em 1991, logo depois que meu pai morreu. Fora viver em Nova Odessa, uma daquelas cidades prósperas do interior de São Paulo, para acompanhar o marido. Depositara nessa relação todas as suas esperanças. E a pequena poodle fora dada para fazê-la companhia. Estavam certos.
Durante anos, ela foi a única fonte de carinho ou pelo menos o único destino das emoções da minha irmã. Com todos os problemas que minha irmã enfrentou, viver fora do país, sozinha, longe da família, distante dos conhecidos, num lugar frio, gelado, que as pessoas não saem às ruas com medo de, literalmente, congelar, a cachorrinha era a certeza de um afago, de poder brincar, ou simplesmente uma companhia.
Tenho uma crença que as pessoas precisam, além de se sentirem amadas, amarem para não se tornar amarga. A cachorrinha, durante todos esses anos, foi o bastião que manteve a docilidade da minha irmã. E minha irmã é uma pessoa extremamente doce, sem ser melada. Foi por causa da cachorrinha que fiquei certo, quando a minha mãe morreu, que ela agüentaria bem. Ela tinha a Dinnie para ser humana quando chegava em casa.
Hoje liguei para ela, tarde da noite, quando soube da notícia. Ela estava dormindo, mas mentiu-me que não. Não sabia como agir, nunca havia ligado para ela, Todas as nossas conversas são do tipo manter o contato. Ela me pergunta como estou, o que ando fazendo, como vai a minha namorada. Eu falo sobre algum filme que vi, ou questiono se alguém tira a neve depois que eu fui embora.
Hoje, não sabia o que perguntar, o que conversar, mas sabia que devia ligar. No início, foi estranho, falei mais que devia, me embaracei, e logo perguntei, sabendo a resposta, se estava tudo bem. Ela disse que mais ou menos e eu falei que a minha outra irmã já havia me contado. Ela começou a chorar e eu insisti que ela não devia ficar triste. Sei que é completamente desnecessário, que o choro, nesse caso, até é importante, que se deve viver as tristezas até que elas se tornem algo no passado, que você revisita apenas para lembrar e não mais ficar triste, ou apenas para se emocionar, ou que as tristezas são inevitáveis, mas queria apenas que ela não ficasse triste. Não sei os motivos, não gostaria de dizer que foi egoísmo meu, de não querer que ela ficasse triste para que eu não ficasse também ou que eu não poderia fazer nada de longe. Perguntei se o marido dela estava lá, ela respondeu entre soluços que sim, repeti para ela não ficar triste, ela me agradeceu por ter ligado, eu, já com a voz marejada, me segurando, disse que não era nada, que ela não precisava me agradecer e desliguei rapidamente para poder chorar sem problemas.
A verdade é que queria estar com ela lá, agora. Mesmo.
quinta-feira, 7 de julho de 2005
É mais provável que o atentado em Londres tenha por motivos a reunião do G8 em Edimburgo (700 km do epicentro, ou a distância entre Curitiba e Porto Alegre) e com aliança Inglaterra-EUA nas Guerras do Iraque e do Afeganistão que com qualquer outro porquê. Mas é de se espantar a "sorte" dos terroristas ao terem escolhido logo a cidade que, um dia antes, fora nomeada a sede das Olimpíadas de 2012. Crime organizado é isso aí. Tenha medo.
segunda-feira, 4 de julho de 2005
Acabei de ver "Batman Begins" e achei um excelente blockbuster. Há perseguições de carros, lutas dentro de trens, mas há uma mensagem implícita na história. Filmes não precisam ter moral, ao final. A arte deve ser apenas bela, deixando a interpretação do que é belo para aquele que a enxerga/sente. Mas blockbusters são muito melhores quando possuem uma mensagem subliminar, que não infantil ou infantilóide.
O Batman de Chris Nolan me fez relembrar de quando eu era bem pequeno e um rato de locadoras. Alugava qualquer coisa que respingasse sangue (que nenhum psicanalista esteja lendo isso). Assistia a todo o filme ansiando pela morte do vilão ao final. De preferência, com requintes de crueldade. Quanto mais violento, mais eu apreciava a obra. E, depois do vídeo-cassete, imaginava em brincadeiras, formas ainda mais cruéis de assassinar os homens-maus. Queria exterminar a maldade, o erro e o medo. O meu senso de justiça era pautado por "Dirty" Harry Callahan.
Por isso, "Batman Begins" funciona. Por mais que possa parecer ingênuo ou mesmo óbvio Bruce Wayne falar que sua compaixão o diferencia dos assassinos e corruptos a quem ele deve combater, ou que justiça não é vingança, mas harmonia, ou que devemos tentar construir, não destruir, estes pequenos e simples conceitos tornam o longa melhor que se tivesse apenas 120 minutos de idéias vazias.
ps. Incrível como Gothan é familiar. Ou só eu achei isso?
sexta-feira, 1 de julho de 2005
Reviravoltas inesperadas. Atores canastrões. Suspense, investigações, nada de maniqueísmo - realidade, nua e crua. Diariamente, na Globonews, canal do Congresso, ou, mais tradicionalmente, no Jornal Nacional. Ontem, teve o olho roxo do "nobre deputado" Roberto Jefferson. Hoje, o chororô de Delúbio Soares, o PC de Lulla.
Aliás, hoje, Delúbio cometeu uma série de impropérios. Disse, com "lágrimas nos olhos", que o governo estava sendo perseguido pela direita (?!).
Com a palavra, ele, o tesoureiro: "Se deixarmos, a direita vai querer fazer o impeachment do presidente".
Em outro lugar: "Querem fazer coro para Antonio Carlos Magalhães, para Jorge Bornhausen, os responsáveis pela miséria deste País. Porque sempre estiveram no governo e agora estão fora. Eles não admitem acabar com a fome no Brasil. Isso é afronta à sociedade brasileira tradicional".
Se ele fosse razoável, pedia o boné e esperava escondido a hora da chamada.
H diz:
ronaldo, hoje não vou te amolar, não tô uma boa companhia
H diz:
desde ontem, na verdade
H diz:
ou desde sempre
H diz:
óóóóóó
H diz:
´hhhhhhhhhhhhhhhh
ronaldo diz:
eu gosto de letras repetidas
ronaldo diz:
principalmente o "h"
ronaldo diz:
porque dá uma sensação de falta de som
H diz:
haha
H diz:
hhhh
ronaldo diz:
vc não acha?
ronaldo diz:
qual som deveria sair de um "hhhhhhhhh"?
ronaldo diz:
pode ser uma onomatopéia para "ranger de dentes"
H diz:
É que nem reticências dentro do balãozinho de HQ
H diz:
seria rrrrrrrrrrrrrrrrrr
ronaldo diz:
tudo bem, tenho que admitir que rrrrrrr é melhor
ronaldo diz:
hhhhhhhhhh é o quê?
H diz:
reticências no balão é bacana, né, quer dizer mto
H diz:
o personagem tá sempre com aquela cara de quem tá falando reticências mesmo
ronaldo diz:
hum....
ronaldo diz:
é.
ronaldo diz:
acho que o msn tem uma parcela importante para saber o que funciona e o que não funciona ao escrever
ronaldo diz:
isso é engraçado
ronaldo diz:
dias desse, tava eu voltando para casa
ronaldo diz:
de noite, sozinho, muito tarde
ronaldo diz:
e acompanhava duas meninas
ronaldo diz:
que não haviam passado da roleta
ronaldo diz:
angustiadas que tinham que sinalizar para uma terceira,
ronaldo diz:
que subiria no ônibus
ronaldo diz:
descobri depois, na rocinha
ronaldo diz:
fiquei acompanhando como todo mundo no ônibus, creio eu
ronaldo diz:
quando chegaram à rocinha
ronaldo diz:
elas meteram o braço para o lado de fora e a pessoa viu
ronaldo diz:
quando o ônibus parou, entrou um traveco, semi-vestido para a guerra
ronaldo diz:
um cara enorme
H diz:
nossa
ronaldo diz:
um negão, todo pintado
ronaldo diz:
com cordão
ronaldo diz:
até o umbigo
ronaldo diz:
na hora, pensei
ronaldo diz:
CA-RA-LHO
ronaldo diz:
mas, o incrível
ronaldo diz:
é que pensei, exatamente assim, escrevendo separadamente
ronaldo diz:
CA-RA-LHO
H diz:
mas acho que se escreve assim pq se fala assim
ronaldo diz:
ainda dava mais distância
H diz:
separando as sílabas
H diz:
e não o contrário
ronaldo diz:
CA-----RA-----LHO
H diz:
pois é
H diz:
interessante
ronaldo diz:
achei isso curiosíssimo
ronaldo diz:
e dei um crédito maior ao msn e conversas eletrônicas
H diz:
é, interessante
ronaldo diz:
me deram uma forma de me expressar pela escrita
H diz:
funciona melhor que o email mesmo, o email dá mais confusão, mal-entendido
ronaldo diz:
próxima à linguagem oral
H diz:
é...
H diz:
pq é como conversa mesmo, né, tem a troca imediata
ronaldo diz:
por isso, temos que descobrir o significado de "hhhhhhhhhh"