sexta-feira, 8 de julho de 2005

Reminiscências

Estou para escrever sobre isso há muito. Esperava, sem saber, sem nenhum motivo aparente, o dia de hoje. Queria tê-lo feito duas semanas atrás, no mínimo. Desde quando soube da doença da cachorrinha de minha irmã. Pode parecer despropositado, principalmente para quem nunca teve um animal de estimação, mas considero-me a pessoa certa para falar sobre isso, já que não me importo com bichos de todas as naturezas. O que vale aqui é o que a minha irmã sentiu e não o fato em si.

Ela ganhou a Dinnie assim que se casou pela primeira vez, em 1991, logo depois que meu pai morreu. Fora viver em Nova Odessa, uma daquelas cidades prósperas do interior de São Paulo, para acompanhar o marido. Depositara nessa relação todas as suas esperanças. E a pequena poodle fora dada para fazê-la companhia. Estavam certos.

Durante anos, ela foi a única fonte de carinho ou pelo menos o único destino das emoções da minha irmã. Com todos os problemas que minha irmã enfrentou, viver fora do país, sozinha, longe da família, distante dos conhecidos, num lugar frio, gelado, que as pessoas não saem às ruas com medo de, literalmente, congelar, a cachorrinha era a certeza de um afago, de poder brincar, ou simplesmente uma companhia.

Tenho uma crença que as pessoas precisam, além de se sentirem amadas, amarem para não se tornar amarga. A cachorrinha, durante todos esses anos, foi o bastião que manteve a docilidade da minha irmã. E minha irmã é uma pessoa extremamente doce, sem ser melada. Foi por causa da cachorrinha que fiquei certo, quando a minha mãe morreu, que ela agüentaria bem. Ela tinha a Dinnie para ser humana quando chegava em casa.

Hoje liguei para ela, tarde da noite, quando soube da notícia. Ela estava dormindo, mas mentiu-me que não. Não sabia como agir, nunca havia ligado para ela, Todas as nossas conversas são do tipo manter o contato. Ela me pergunta como estou, o que ando fazendo, como vai a minha namorada. Eu falo sobre algum filme que vi, ou questiono se alguém tira a neve depois que eu fui embora.

Hoje, não sabia o que perguntar, o que conversar, mas sabia que devia ligar. No início, foi estranho, falei mais que devia, me embaracei, e logo perguntei, sabendo a resposta, se estava tudo bem. Ela disse que mais ou menos e eu falei que a minha outra irmã já havia me contado. Ela começou a chorar e eu insisti que ela não devia ficar triste. Sei que é completamente desnecessário, que o choro, nesse caso, até é importante, que se deve viver as tristezas até que elas se tornem algo no passado, que você revisita apenas para lembrar e não mais ficar triste, ou apenas para se emocionar, ou que as tristezas são inevitáveis, mas queria apenas que ela não ficasse triste. Não sei os motivos, não gostaria de dizer que foi egoísmo meu, de não querer que ela ficasse triste para que eu não ficasse também ou que eu não poderia fazer nada de longe. Perguntei se o marido dela estava lá, ela respondeu entre soluços que sim, repeti para ela não ficar triste, ela me agradeceu por ter ligado, eu, já com a voz marejada, me segurando, disse que não era nada, que ela não precisava me agradecer e desliguei rapidamente para poder chorar sem problemas.

A verdade é que queria estar com ela lá, agora. Mesmo.

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