quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Fases

Tudo começou com uma reclamação. Era bem pequeno, devia ter um pouco mais que dez anos, ou até mesmo menos. Gostava de pop-leve-radiofônico. Só fui começar a me interessar por rock com 12, 13 anos. Apesar de que, mesmo não sabendo que era rock, gostava dos Smiths, U2, da Legião... tudo por influência de minha irmã. Ela, aliás, tinha um LP do Hanói Hanói, um dos poucos que ela tinha, que escutávamos em demasia. Demais mesmo, até hoje me lembro de algumas letras desnecessariamente. Isso, inclusive, é uma curiosidade que algum médico pode explicar. A minha facilidade para guardar letras, quando bem mais novo, era muito maior que agora. Talvez pudesse sugerir algum motivo para isso, mas não é essa a intenção do que eu estou escrevendo.

Comecei a digitar porque, ontem, estava numa loja de eletrônicos e começou a tocar uma música do Nirvana e eu disse é do In Utero. O sujeito abriu o programa e me disse não, é do Nirvana. Bem, depois descobri que era do álbum Bleach, o primeiro da banda liderada por Kurt Cobain, mas que só saiu nas lojas depois do hipersucesso Nevermind.

Mas, como disse, tudo começou com uma frase. Como desde sempre acontece comigo, roubada de alguém. Não posso gostar de um grupo cuja música diz estuprem-me, estuprem-me, eu repetia com os meus dez, 11 anos. Tempos conservadores, aqueles. E, principalmente, tempos imaturos. Mal sabia eu que era - também - um pedido metafórico, como se Kurt e cia. se oferecessem ao mercado para ser estuprado e levassem toda a sua criatividade.

Claro que, com o tempo, o rock entrou na minha vida e fui levado por uma conseqüência de fatos ao marco grunge, a O álbum da década de 90, ao Nevermind. Comprei o CD, tenho-o até hoje. Admito que, no início, ainda achava que ele - o disco - era bem torto. Um senso anticomercial muito bem apurado. Músicas feitas para não fazerem sucesso. E muita, muita atitude. Intempestividade é uma ótima palavra a se aplicar nesse momento. O mercado, contudo, fareja à milhas de distância uma nova tendência e a capta. Muito esperto, esse mercado.

Depois, muito tempo depois, cheguei e aterrissei no In Utero. Até hoje, o meu favorito. A dobradinha Heart Shaped Box e Rape me é tão boa que é quase um desperdício estarem, assim, as duas melhores músicas do álbum, uma ao lado da outra. Lembro de mim mesmo, pulando sozinho que nem um louco, totalmente bêbado numa festa da faculdade ao som da outrora desgraçada Rape me. Com o rolar dos refrões, outros loucos me acompanharam e a catarse foi quase completa. Daquelas que, quando a música termina, você volta ao solo e se pergunta onde é que está. Se sente leve, como se o suor que escorre na testa em todo o corpo pudesse ter expurgado todas as agruras do mundo.

E assim, fiquei, anos pulando de álbum do momento em álbum do momento - às vezes o acústico entrava na roda, o In Utero, sempre, Nevermind, um pouco menos. A partir de ontem, e era isso que eu queria dizer desde o início, o meu álbum do momento é Bleach. Visceral é isso aí.

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