Nenhum direito reservado
Respostas de Ronaldo Lemos, o responsável por, entre outras coisas, o site do Creative Commons no Brasil.
1) Um artigo seu (CREATIVE COMMONS, MÍDIA E AS TRANSFORMAÇÕES - RECENTES DO DIREITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL) sugere como o músico pode ganhar dinheiro: "ringtones, DVDs, shows, vídeos, licenciamentos etc." Entretanto, o mesmo não pode se aplicar a todos os artistas. Como ficaria, por exemplo, a remuneração do escritor?
Cada tipo de obra possui uma dinâmica de remuneração diferente quando se pensa em projetos envolvendo modelos de negócios baseados em conteúdo aberto. A estratégica para escritores é diferente. Veja por exemplo o Cory Doctorow, escritor inglês cujos últimos 3 romances são licenciados por CC e disponibilizados online. Todos os livros dele esgotaram as respectivas tiragens impressas, demonstrando que quem iria comprar o livro, comprou de qualquer jeito. Além disso, um dos livros foi baixado 140 mil vezes pela Internet. Além disso, o blog dele (www.boingboing.net) tornou-se extremamente popular e agora já gera dinheiro com anúncios. Ou seja, o blog ajuda a vender os livros e gerar receitas e os livros ajudam a popularizar o blog. Há uma regra, nesse caso válida para qualquer tipo de produção cultural: a viabilidade econômica de qualquer artista reside na relação que ele constrói com o seu público. Se um artista iniciante não facilita o acesso do público à sua obra, vai ser muito mais difícil conseguir construir essa relação atualmente.
2) As gravadoras/ editoras/ os grandes estúdios sempre argumentam que não terão mais interesse em incentivar os novos talentos caso a livre circulação de informação cultural se torne algo ainda mais comum e, principalmente, incentivada e legal. Tal afirmação faz algum sentido? Se não, como convencê-los de que a livre circulação pela rede será benéfica para todos?
Esse argumento não faz sentido, há várias gravadoras aderindo a conteúdos abertos. Exemplos como a Loca Records, a Opsound, a Magnatunes são importantes. No Brasil, a Trama está dando os primeiros passos nesse sentido, a gravadora acabou de traduzir e publicar o livro do Lessig no Brasil. Outro modo de demonstrar que as coisas estão mudando é o projeto "OpenBusiness", que discute justamente modelos de negócio baseados em conteúdos abertos. O endereço é openbusiness.cc. Cada vez mais o conteúdo livre torna-se uma forma racional e eficiente de fazer negócios.
3) É comum ver alguns artistas virem a público gritar contra a pirataria. Na sua opinião, a livre circulação dos bens culturais não incentivaria essa ilegalidade?
De forma alguma. É o mesmo caso do software livre. Há uma frase que acho que sintetiza a idéia que diz o seguinte: "Não compre software pirata, use software livre". A palavra "pirataria" é um termo com grande carga emocional e que na verdade não significa nada em si: pirataria de remédio é diferente da pirataria de cd´s. Mas aqueles que querem se utilizar do direito autoral como ferramenta para excluir potenciais competidores, que se valem de novas mídias, acabam recorrendo à bandeira da "pirataria" para justificar mudanças na lei de direito autoral que beneficiam alguns pouquíssimos agentes, em detrimento de toda a sociedade.
4) Você acha que as gravadoras - o caso das músicas é o mais exemplar, atualmente - em algum momento vão dar o braço a torcer? Aceitar que "perderam a batalha" para a Internet?
De jeito nenhum.
5) Alguns textos defendem a tese de que o Brasil, através de políticas adotadas pelo Governo Federal com o software livre, entre outras tantas, está bem adiantado na implantação, ou pelo menos, assimilação do Creative Commons. Vc concorda com a afirmativa? E, principalmente, como / quando vc acha que isso se dará na prática - para o simples internauta?
Na verdade, a aceitação do software livre e do Creative Commons no Brasil é justificada por motivos complexos. Esses motivos incluem desde razões antropológicas (vide nosso caráter antropofágico e tropicalista), até mesmo pura necessidade. A ausência de canais para difusão da cultura nova, que emerge em todos os lugares do Brasil é tão grande, que um número enorme de criadores intelectuais sabe que se não aproveitar as novas tecnologias e facilitar o acesso às suas obras, não tem a menor chance de ser ouvido, visto ou lido por ninguém.
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