A
presidente da ABL, Ana Maria Machado, defendeu em evento na última
sexta-feira (8) da British Library sobre Jorge Amado, leia reportagem publicada no “Prosa Online”, que a nossa literatura tem dois
exemplos fundamentais de triângulos amoroso: “Dom Casmurro” e
“Dona Flor e seus dois maridos”.
“O
primeiro tem suspeitas, sofrimento e agonia, numa relação que faz
homenagem a 'Otelo', de Shakespeare, com os papeis de Otelo,
Desdemona e Iago sendo 'interpretados' por Bentinho, Capitu e
Escobar, demonstrando que esse caso só pode ser resolvido com um
tragédia; o segundo livro é calmo, feliz, estável, levantando
questões sobre a monogamia e sobre o público e o privado, tudo numa
linguagem falada pelo povo”, discursou Ana Maria para a plateia de
maioria brasileira, mas com a minoria britânica curiosa.
A
presidente da ABL falou ainda sobre como “Gabriela, cravo e canela”
foi importante para mostrar um ponto-de-vista feminino em que a
mulher conhece seu próprio corpo e desejo e escolhe se quer ou não
ter marido, além de como Jorge Amado sofreu por ser comunista e
popular.
Após a
sua palestra, em que participou de três mesas, ela falou com
exclusividade sobre os motivos pelo qual Jorge Amado é mal visto por
parte das universidades brasileiras, que repete um conceito sem revisitar a obra do escritor: “Eu quero que eles o leiam. Se depois achar que é um horror, que achem”. Confira os trechos:
Preconceito
do 'Sul':
“As
universidades do 'Sul' reagiram a certas frouxidões de estilo,
principalmente pelo fato de que os modernistas estavam com
dificuldades de chegar ao público, com o falar brasileiro, que o
Jorge estava fazendo na prática. E não era só o Jorge, o Jorge e o
Érico Veríssimo – [a reação] é em cima dos dois, de uma
maneira muito forte. Eles compacturam na proposta e sofreram o mesmo
destino.
Portugal
“Em
seguida, o Jorge caiu em desgraça nos meios lusófonos. Porque ele
era comunista e o Salazar estava no governo militar, porque amigos do
governo português começaram a se queixar da atitude antiportuguesa
dele e em seguida porque ele foi logo publicado em Paris e foi a
primeira vez na História que um livro veio escrito 'traduzido do
brasileiro'. Isso jogou toda a universidade e os meios institucionais
contra ele. Isso deixou uma má-vontade muito grande.
História
repetida
“Um
dos principais críticos do país nessa ocasião era o Álvaro Lins,
que escrevia no 'Correio da Manhã'. Ele foi embaixador em Portugal e
era amigo de setores oficiais da cultura portuguesa. E ele escreveu
muito forte contra Jorge na ocasião. Alguns anos depois, ele reuniu
esses artigos em livros e teve o cuidado de atualizar as impressões
da hora sobre outros autores, mas não atualizou sobre Jorge. Então
ficou como uma obra de referência que o aluno, que está estudando
na faculdade, tem acesso e repete. Então temos professores
respeitados que escreveram obras de referência depois de Álvaro
Lins, que não se deram ao trabalho de reler o Jorge nem fazer uma
revisão. Repete que é superficial, cheio de clichês. Ele vai sendo
desprezado porque um copia do outro. Isso está mudando ultimamente.”
“Eu quero que eles leiam. Se depois achar que é um horror, que achem”
Ostracismo
Tem sempre
uma temporada de ostracismo, de dez 15 anos, após a morte do
escritor, porque hoje o escritor precisa de entrevista para divulgar
o seu livro.
Sem
contexto literário
Esse
período coincidiu com um momento que a moda dos estudos literários
nas universidades americanas, que está chegando aqui. Primeiro houve
a moda do politicamente correto. E depois, antes de ela acabar, o que
acabou foram os estudos literários. Muitas fecharam cadeiras e se
passou para Cultural Studies ou post-colonial studies. Se aborda um
autor dentro de um contexto puramente histórico mas tirando o
contexto literário – e muitas vezes sem ler o autor. Se seleciona
trechos e aqueles trechos vão provar o que eles estão falando. E,
assim, para um contador de história, que é o Jorge, que fisga o
leitor, o leitor não chega a ser fisgado.”
Contador
de histórias
“Em
torno dos anos 1970, e eu fui formada nisso, quando as universidades
foram formadas pela primazia do texto literário, pela análise
estruturalista, então toda a abordagem passou a ser em cima de algo
muito sofisticado. A proposta do Jorge não é sofisticada. Ele não
tem meandros intertextuais como Clarice Lispector, como Sérgio
Sant'Anna. A Clarice foi descoberta pelos feministas e
estruturalistas franceses como exemplo máximo do tipo de texto bom
de abordar. E o Jorge é o anti-isso. Ele tem uma primazia do enredo,
não da intertextualidade. A universidade se desinteressou dele. O
pacto que ele estabelece com o leitor não é o de ficar procurando
entrelinhas, o pacto é: siga a minha história e abandone se for
capaz. E ninguém é.”
2 comentários:
Li Jorge Amado pela primeira vez aos 10 ou 11 anos, escondida. Minha avó tinha uma coleção antiga (capa dura, vermelha, letras douradas, confesso que não sei quem editou), e eu "roubava" "Tieta" de quando em quando e ia lendo. Gostava muito.
Fiquei muitos anos sem ler nada dele, até voltar a um livro do baiano, "Tocaia Grande", até hoje um dos meus preferidos.
Confesso que tive um pouco de preconceito também. A estética dele não é nada sofisticada mesmo, e pode parecer, à primeira vista, pobre. Mas é justamente o contrário. De tão simples, de tanto que ele conseguiu captar e reproduzir personagens complexos em suas vidas "comuns", acho Jorge genial.
E sua força -não sua fraqueza-, na minha opinião, é justamente ser popular: falar do povo e para o povo, gerar identificação e reconhecimento. E tudo isso com uma prosa deliciosa de ler, impossível de parar.
Enfim, ainda bem que está rolando algum reconhecimento.
Concordo com tudo isso, Natalie. Não vejo qualquer problema em ser o que os ingleses chamam de "storyteller". Ainda mais quando você é excepcional no que faz - como era o caso de Jorge Amado.
beijos - e volte sempre...
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