sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Uma questão técnica


O fato de o mundo se basear na técnica não nos obriga a segui-la, assim como, na História do ocidente, já houve momentos em que o mundo ocidental, de influência eurocêntrica, era basicamente cristão e isso não “obrigava” os homens e mulheres a serem cristãos – apesar de ser uma “obrigação” formal de todos serem cristãos, não era possível garantir essa ligação pela fé. A técnica é uma resposta que não-responde muito para as perguntas que os homens se fazem. É uma certeza, um dogma, algo que determina um modo de ser entre infinitos possíveis – mas ainda assim um modo de ser. “A técnica é, então, finalmente, o cunho da época na qual termina, plenamente cumprida, a metafísica ocidental imposta à escala planetária”[1]. Um modo de ser perigoso de nosso tempo. Que pode colocar o homem como um mero apertador de botão, que age irrefletidamente, de maneira automática, para cumprir as metas no prazo recorde, tal qual o personagem de Chaplin em Tempos modernos. Mas em vez de apenas o trabalhador de chão de fábrica se alienar do processo total, e ser mastigado pelas engrenagens da máquina em que trabalha, toda a humanidade seguiria nesse caminho único, rumo a ausência de pensamento. O homem age, já, então, maquinalmente, seguindo as regras estabelecidas pela com-posição, que o encaixa em determinado quadrado de sua estante existencial. A com-posição não “escuta” nem “enxerga” o ser dos entes; ao contrário, força de dentro dos entes a pro-dução de outros entes, que se tornam dis-poníveis – estoque para regular o humor dos mercados. Dis-pensáveis. “O destino enviado na dis-posição é, pois, o perigo extremo”, argumenta Heidegger. O problema não é a técnica, em si, não é o maquinário, o mundo dominado por máquinas – mas o homem abdicar de sua própria capacidade de pensamento em prol de um pensamento técnico, de ciência dura, matemática simples de causa-e-efeito, pouco meditativo ou imaginativo, em que só existe algo para que outro algo exista, numa relação que impede as possibilidades várias de ser. “O que há é o mistério de sua essência. Sendo um envio de desencobrimento, a essência a técnica é o perigo. Talvez a alteração de significado do termo ‘com-posição’ torne-se agora mais familiar, quando pensado no sentido de destino e perigo”[2]


[1] BORGES-DUARTE, Irene. Arte e técnica em Heidegger. Documenta (Lisboa): 2014, p. 172.
[2] HEIDEGGER, Martin. “A questão da técnica”, in: Ensaios e conferências. Ed. Vozes e ed. Universitária São Francisco: Petrópolis e Bragança Paulista (s.d), tradução de Emmanuel Carneiro Leão, p. 30-31.

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