"Próxima estação: Maracãnã", diz a moça da gravação que anuncia as paradas do trem. "Cuidado com o espaço entre o trem e a plataforma", diz ela também. Hoje o trem parador não deve em quase nada para o metrô. O ar condicionado funciona regularmente, a lotação é máxima na hora do rush, o sistema tem defeitos com uma cotidianidade impressionante. Mas o "Maracãnã" é diferente.
É uma das poucas estações em que se pode fazer a troca entre o trem de superfície e aquele que passa uma boa parte da sua existência embaixo da terra. Mas a maneira como a anunciante do trem oficialmente ao ar livre cita a estação do estádio homônimo, da saudosa Uerj, do Boulevard 28 de setembro que me fez ver pela primeira vez uma calçada musical e pensar que o poder público também podia cuidar da cidade, é totalmente diferente da sua colega do metrô.
No trem, a moça com forte sotaque carioca, que quase chia ao dizer Deodoro, acrescenta um til sobre o penúltimo "a", que "anasalisa" a letra como se a palavra fosse cantada por um baiano de Feira de Santana recém chegado à Novo Rio. Curiosamente, ninguém parece reparar. Nenhuma outra estação recebe esse tratamento. Apenas aquela que nasceu a partir do estádio que nasceu do bairro que nasceu do rio que nasceu dos inúmeros papagaios que povoavam a região quando os europeus primeiramente chegaram ali, quando a água ainda era limpa, e a mata, abundante.
Como se a moça quisesse relembrar como era a pronúncia tupi (será que é assim?).
Como se diante do estádio morto e ressuscitado num corpo que não lhe pertence, ela quisesse lembrar uma época anterior ao cimento.
Como se em frente ao esqueleto cinzento da universidade criada sobre os escombros ainda fumegantes da favela, ele relembrasse um passado em que ninguém precisava se preocupar com moradia - porque a abóboda do céu era o teto - ou educação formal.
Em Quintino, Bento Ribeiro, até no Méier ou Madureira, esses nomes tão europeus, ela capricha no sotaque carioca descolado. Maracãnã é o momento de nos lembrarmos que havia algo aqui há muito mais tempo que meros 450 anos. Não adianta acinzentar o verde.