Encontrei com Dilma Rousseff apenas uma vez na vida. Por isso não é possível chegar a qualquer conclusão sobre sua
personalidade, nem mesmo seria prudente arriscar algum tipo de
interpretação de sua psiquê ou fazer paralelos entre o que aconteceu
aquele dia e o que acontece hoje em dia no país. Mas nem sempre somos
assim tão prudentes.
Era um debate presidencial, no Projac, entre Lula e, suspeito, Alckmin. Como jornalista de generalidades, estava responsável por cobrir o lado do PT, para o caso de algo sair do planejado. Já que raramente alguma coisa realmente sai do planejado nesse tipo de evento, minha participação se resumiu a ser um observador privilegiado de algumas figuras importantes do cenário político nacional de então e até hoje - o que já diz algo sobre nosso cenário político -, um espectador curioso do debate para que pudesse, quiçá, anos depois - hoje - deixar algumas notas irresponsáveis sobre seus bastidores.
Era um debate presidencial, no Projac, entre Lula e, suspeito, Alckmin. Como jornalista de generalidades, estava responsável por cobrir o lado do PT, para o caso de algo sair do planejado. Já que raramente alguma coisa realmente sai do planejado nesse tipo de evento, minha participação se resumiu a ser um observador privilegiado de algumas figuras importantes do cenário político nacional de então e até hoje - o que já diz algo sobre nosso cenário político -, um espectador curioso do debate para que pudesse, quiçá, anos depois - hoje - deixar algumas notas irresponsáveis sobre seus bastidores.
Apesar da proximidade com os
principais caciques da política brasileira, infelizmente poucas
coisas dignas de notas aconteceram. Lembro do atual prefeito do Rio,
Eduardo Paes, então mero deputado, apoiando Alckmin [o mesmo Paes que
depois de assumir o cargo de alcaide ia pedir bênção a Lula, como quem
vai ao seu pai-de-santo ou ao seu padrinho da máfia, e que hoje chama o
famigerado Eduardo Cunha de "meu
presidente" - coisa que não se deve fazer nem de brincadeira] e ardilosamente
gostando muito de aparecer. E lembro de uma cena
envolvendo Dilma.
Dilma era então uma ministra em ascensão, ligada fortemente à moralidade, após todos os escândalos do primeiro governo Lula [lembrar do mensalão]. Era um perfil técnico. A gerentona. Quem tinha feito a Petrobras [logo a Petrobras!] crescer como uma empresa privada. Começava a se consolidar com um nome de confiança, inatingível, exatamente porque não era uma política profissional [lembrar que a primeira eleição para um cargo executivo que ela concorreu foi a de 2010]. Isso tudo há, apenas, dez anos. Como as coisas mudam...
Dilma era então uma ministra em ascensão, ligada fortemente à moralidade, após todos os escândalos do primeiro governo Lula [lembrar do mensalão]. Era um perfil técnico. A gerentona. Quem tinha feito a Petrobras [logo a Petrobras!] crescer como uma empresa privada. Começava a se consolidar com um nome de confiança, inatingível, exatamente porque não era uma política profissional [lembrar que a primeira eleição para um cargo executivo que ela concorreu foi a de 2010]. Isso tudo há, apenas, dez anos. Como as coisas mudam...
Em um momento em que Alckmin deu uma
resposta considerada pelo seus pares como boa, a bancada do PSDB fez um
alvoroço. Um impaciente William Bonner chamou a atenção dos presentes
dizendo que essa participação exagerada era contra as regras do debate,
as quais todos tinham concordado em respeitar. Os tucanos se calaram.
Foi a vez de Lula, então, falar. Quando ele terminou sua participação, uma resposta quase protocolar de tão banal,
Dilma, inflamada, se levantou sozinha e começou a bater palmas empolgadamente, no que foi acompanhada quase que por inércia por dois
ou três petistas [não lembro quem]. Bonner repetiu a sua repreensão padrão com ainda mais
dureza e fez uma cara ríspida de "já não falei sobre isso?". Dilma se
sentou em seguida, não sem deixar de reclamar em um tom alto o
suficiente para que eu, que estava a uns dez metros de distância, escutasse
sem ruídos: "mas se eles podem, a gente também pode!"
Muitas
ideias aparecem com essa pequena anedota. Para a galera que é
petistofóbico, a primeira coisa deve ser: "tá vendo como ela justifica
suas ações? O passado a respalda. Logo ela é corrupta, claro!" Tal
conclusão chega fácil porque ela agiu imitando o comportamento anterior,
sem qualquer tipo de reflexão sobre o que seria certo ou errado, quase
como uma criança de 5 anos que só elogia o desenho do amiguinho caso o
amiguinho o tenha elogiado antes. A conclusão do petistofóbico é falha,
porém, ao se restringir a atual presidenta porque ignora o fato óbvio:
mesmo que sua atitude seja bastante infantil, não modificou o que
existia. Em outras palavras: ela não inventou o hábito de quebrar as regras, apenas o imitou.
Prefiro
uma outra interpretação, que, para mim, consegue mostrar melhor o
caráter errático do atual governo. Uma possibilidade de entender a
psicologia por trás de discursos violentos feitos pelo governo e o
partido da presidenta que soam, às vezes, indecodificáveis para sujeitos menos bélicos [como eu]. Em vez de baixar a guarda para fazer
uma mea culpa, expurgar o mal que contaminou áreas muito importantes da máquina,
tentar reconstruir suas bases abrindo a guarda e procurar reatar as
conexões com a militância histórica que sustentou seu partido na sua
gênese, enfim, ser de esquerda, ela continua atacando,
batendo, aumentando o tom de voz.
Dilma mostrou
nessa pequena cena relatada que não leva desaforo para casa. Ela não se
coloca numa posição de inferioridade e quase nunca pede desculpa. Ela
se sentiu agredida pela atitude do adversário, do inimigo, e queria dar o
troco. Achou que agir da mesma moeda era a única forma de se sentir
vingada. Que o PSDB era um protegido e que se ela não fizesse nada ali, o
seu partido, o partido que, na sua opinião, estava mudando o país,
tinha sido roubado. E ela tinha que defender os seus, não importando
como.
Exibiu-se como uma pessoa extremamente desconfiada,
quase paranoica, talvez com mania de perseguição, que só sabe retribuir
agressões do mesmo jeito. Apresentou um grau de insegurança assustador
para a sua posição, e uma cabeça-durice que nos tira a esperança de que
ela vai mudar o ritmo ou a direção das suas ações nos próximos anos. Vimos ali sua
completa inabilidade política em lidar com ataques e como ela parece perdida quando está, cada vez mais, isolada. Ou melhor,
ela se engana que sabe como agir nessas oportunidades: deve devolver no mesmo tom violento que é
atacada.
ps. Isso tudo, claro, não é qualquer motivo para
golpes, impeachment ou xingamentos de cunho simplesmente machistas direcionados à presidenta. Nem é,
para mim, razão para qualquer pessoa participar do ato de 16 de agosto,
agora. Viver em sociedade é aprender a viver com o diferente, o outro - desde que o outro não seja o Eduardo Cunha.