Desde que eu moro no meu prédio, há mais de uma década, senti uma buena onda [como dizem os hispano-hablantes] em Jorge, o porteiro da manhã. É um sujeito de um coração enorme, sempre querendo ajudar quando eu preciso, muito além das suas funções. Quando voltei de Londres, por exemplo, após um ano fora, ele saiu do seu lugar para me dar um abraço. Claro que eu chorei.
Assim que me mudei, uma das primeiras perguntas dele foi: qual é o seu time? Essa foi a deixa para termos a mesma conversa, com pouquíssimas variações, todos os dias que eu passo na portaria: "e o seu Fluminense? Perdeu de novo!", ele me sacaneia. E eu respondo: "Mas o seu Flamengo está horrível também, hein!".
Eu, que não sei o nome nem do técnico tricolor direito, senti algumas vezes que deveria ler, um pouco que seja, a editoria de esportes para ter o que conversar com ele.
Como às vezes não consigo acompanhar o futebol [ainda mais em tempos de 7a1], eu já tentei mudar de assunto para diversos caminhos: política [silêncio], esportes em geral [nada], até a seleção brasileira, pré-hecatombe da Copa, mereceu apenas comentários sem qualquer empolgação.
A única vez que Jorge, nesses mais de dez anos morando no mesmo endereço, falou de outro assunto que não o Fla x Flu diário foi nesse desastre da Chapecoense. Além de mostrar sua tristeza, apontou a revolta contra os culpados pelas mortes de gente inocente: "Você viu que foi falta de combustível?!". Eu, que devo ter ido umas três vezes no Maracanã na vida, pude, na prática, entender finalmente o tamanho e a força dessa calamidade.
Que consigamos passar por essa tragédia como os gregos passavam pelas suas versões originais, como uma catarse [no sentido grego, de "kátharsis", "expurgo"]. Que esse seja o momento de virada para um país inteiro que está revoltado contra os culpados pelas mortes de tanta gente inocente.
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