Ao piscar os olhos uma segunda vez, eu estava ali, no meio de um oceano imenso de areia amarela esbranquiçada, com um horizonte infinito e absolutamente indistinto em todas as direções, o céu sem linha se confundindo com o chão, em tons opacos, uma visão translúcida – tudo era translúcido – o sol, inexistente, nuvens embaçadas, borradas, como pinceladas impressionistas. Sem conseguir me lembrar o que tinha acontecido antes, sem qualquer memória, história ou passado: era como se eu tivesse aparecido no meio de um deserto, automaticamente, como se isso fosse o que deveria acontecer. Não fazia sentido, mas o que faz sentido?
Não me preocupava em saber como eu chegara ali, apenas queria sair dali, numa angústia despropositada, sem origem. Eu buscava um rosto familiar, mas não sabia quais poderiam ser suas feições. Olhava ao meu redor e todo o ambiente era exatamente igual: areia. Grãos finos de silício – ou do que quer que fosse sua composição, não tinha certeza, não me importei. Abaixei, peguei um punhadinho e deixei escapulir entre os dedos. Era areia. Parecia areia. Acho que era areia. Tanto faz – não era isso, não era essa dúvida que me olhava de frente, no meio dos meus olhos. Quando me ergui, levantei a pesada gravidade da coluna de ar. Fiquei mareado. A pergunta me caiu sobre a cabeça como uma tormenta: para onde?
Olhei novamente ao redor para ter certeza. Nenhuma pegada, nenhuma sombra, nenhuma mudança de cor em determinado ângulo... Estava indiscriminadamente perdido. Minha caixa torácica ressoou a essa conclusão com uma síncope negativa, e depois acelerou, me incentivando a chegar a algum lugar que eu não sabia qual era. Meus foles inchavam e esvaziavam com a tentativa de queimar o carvão que abasteceria o medo indesejado, porém certo, para mim, como a morte. Uma insegurança pegajosa subia no corpo como múltiplas algas microscópicas, contaminando dos pés, canelas, joelhos, coxas, sexo, cintura, braços, barriga, tórax, pescoço, à cabeça.
Andei para o lado direito: quatro ansiosos passos, até ter certeza de que era para o outro lado que eu deveria ir, voltei os quatro e acrescentei mais alguns outros, mas não foi exatamente em linha reta, fiquei confuso, tentei regressar ao ponto inicial, mas as pegadas haviam sumido, como que absorvidas pela própria areia, decidi seguir em frente, para onde o meu nariz estava apontando, mas pensei que nada me garantiria chegar lá – onde quer que lá fosse. Imaginei que tinha visto um oásis, mas nem o calor estava forte o suficiente para se delirar. Não sentia nem frio – nada era exatamente desconfortável. Não sentia. Era-me tudo basicamente indiferente. Só queria chegar a um lugar menos árido, menos deserto. Para onde eu estava olhando quando abri os olhos pela primeira vez? Talvez essa fosse uma explicação, uma indicação. Ou seria o inverso? Essa informação estava ali apenas para me enganar? Estava me tornando supersticioso, querendo encontrar relações causais onde não há mais que aleatoriedade.
Para aumentar minha instabilidade, percebi meus pés afundarem quando ficava parado por qualquer tempo. Eu tinha que me movimentar, mesmo que contra a minha vontade. Minha tendência, nesse tipo de situação, é empacar, como um touro teimoso e pesado, que não sente o vento da pura vontade abertamente soprar nos ouvidos uma direção qualquer. O movimento me era obrigatório, como o mal e o medo e a insegurança, onipresentes, cheguei a pensar rapidamente. Lembrei, em seguida, do subtítulo da autobiografia de Nietzsche, “wie man wird, was man ist”, e lhe acrescentei uma interrogação ao fim. Ser alguém é um destino que nunca se completa, pensei. O tornar-se, sim, era um devir.
Pisquei os olhos rapidamente incontáveis vezes processando material bruto, dando formas para os caos que me rodeavam. Reparei no meu corpo feminino, passei as mãos pela minha cintura, meu quadril, meu cabelo. Minha respiração se acalmou: eu entrara em casa. Observei o cenário imóvel, com as mesmas cores, numa paleta pastel indiferente a mim e aos meus desejos. Não sabia das coisas da vida, mas percebi uma ligeira e sutil brisa passar por mim. Era um sopro difuso, que eu não tinha certeza de direção, menos de sentido, mas me deu um aconchego, como dormitar sob uma palmeira à beira do mar ameno. Minha vida começava e recomeçava, ao mesmo tempo, ali – percebi na hora. A aragem me tocava o rosto na direção contrária dos meus passos, era claro!, claro como o mundo à minha volta. Caminhar, mesmo enfrentando dunas e miragens, ainda me dava algum prazer. Segui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário