Todos os dias, um pouco antes das 5 da tarde, eu escuto uma buzina bem específica, não uma buzina de carro que é praticamente onipresente nessa rua que parece um aluvião de automóveis vindos de Copacabana, mas uma buzina como aquelas que os palhaços usam nos seus números em circos, aquelas bem tradicionais, com fole -- eu escuto a buzina e automaticamente me vejo com uns cinco anos -- mas pode ser mais tarde com dez, 12 até --, o céu avermelhado do fim do dia, provavelmente era a mesma hora, só que em Nova Iguaçu, eu, por algum acaso, não estava na natação, mas em casa, no pátio do prédio em que eu cresci, e escutava aquela buzina e sabia que o vendedor de biscoito doce enroladinho e chupeta de açúcar estava passando. As crianças todas da rua corriam para comprar com ele aquele biscoito que era só uma fina folha de farinha de trigo açucarada enrolada em formato de canudo e o pirulito sui generis e eu sentia algo como uma comunidade, e me dava um quentinho, me sentia pertencendo a algum lugar, e agora sinto quase a mesma coisa, embora nostalgicamente, quando escuto a buzina e sempre me lembro de quando eu era criança, mas sempre também me esqueço de me preparar para ver o vendedor, porque, né, quem vai estar ali naquela hora, parado -- até que um dia eu o vi, e não, ele não vende mais o biscoito e a chupeta artesanais, mas açaí, um açaí deveras industrializado, mas a buzina, ao menos a buzina, é a mesma. eu quase quero comprar o açaí por conta disso.
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