sexta-feira, 17 de janeiro de 2003

o texto que segue é da coleção "personagens cariocas", e é sobre uma velhinha que mora no flamengo.

naquele domingo o sol foi de rachar, mas estávamos, os quatro, com uma ressaca absurda, que dificultou a nossa tradicional ida ao posto nove. apenas eu e jão conseguimos ir. na volta, encontramos cabeça e esteves na entrada do prédio que morávamos desde que éramos moleques. como sempre acontecia quando juntava os quatro, ríamos das piadas sucessivas de jão e das tiradas sarcásticas de esteves que pontuava toda as suas falas com um bordão novo que ele inventava a cada semana. o dessa era "ai que conflito", inspirado, diretamente, na música que o zeca pagodinho canta.

jão, o mais velho de todos e irmão do esteves, sugeriu, "já que não estamos fazendo nada nesse momento, vamos aproveitar e ir tomar uma cerveja no planalto, ali no final da rua". logo concordei, mas esteves e cabeça foram contra, o segundo sugeriu, "por que não aproveitamos a promoção que rola no clarroma?", e esteves interveio, "ó o conflito, o nome do estabelecimento é nova oklahoma. mas aceito a sugestão do pequeno grande cabeça, já que o chope custa a bagatela de 1,40", jão, lúcido, "módicos preços", e fomos os quatro para o bar, no final da rua em que morávamos, do lado do cinema paissandu.

a senador vergueiro nos propunha a dificuldade de escolher qual boteco ou bar beber. havia a possibilidade de tomar cerveja gelada em boteco de balcão, ou, quando rolava promoção, beber chope da mais alta qualidade, no ar condicionado do oklahoma.

quando entramos, cabeça já cutucou esteves que mexeu comigo e falei na orelha do jão, "olha a velhinha ali". foi quase uma explosão de alegria de todos nós, a simples presença de uma senhora de cabelos brancos, que parecia bastante simpática e cheia de vida, que pedia sempre o mesmo prato, macarrão ao molho bolonhesa, e conversava horas com os garçons.

ficávamos encucados com a presença da figura. por mais que o ambiente fosse bastante familiar, principalmente num domingo de tarde depois de praia, a velha destoava de todo mundo por sempre aparecer sozinha e repetir o mesmo ritual. nós nos identificávamos porque também éramos estranhos naquele meio. jão sempre gritava impropérios que deixava esteves um pouco envergonhado e me matava de rir. íamos num restaurante razoavelmente arrumadinho apenas para beber e beliscar comidas do buffet, como se fosse um bar de rua. fazíamos comemorações esporádicas que reuniam um grupo ainda maior de pessoas que sempre chamava bastante a atenção para nós.

entretanto, o mais incomum era a atitude da velhinha, que sorria sempre, todos os dias que a víamos, apesar de nunca mudar de atitude. talvez fosse por ter essa segurança nunca abalada, talvez porque se sentisse em casa, talvez porque já não tinha mais vigor para tentar mudanças no dia-a-dia. a velha bem provavelmente era sozinha, não tinha ninguém para quem dividir a vida, ninguém com quem comentar o último capítulo da novela ou falar sobre a última receita da ana maria. mas ela nunca parecia ser sozinha, quiça triste.

a velhinha foi palco de vários papos entre nós, na mesa do oklahoma, na lapa, na portaria do prédio, ou em qualquer lugar que nos juntávamos. foi assim, que um dia, esteves sugeriu que escrevêssemos sobre ela. e eu inventei uma história de um grupo de amigos, que se chamavam meio de troça meio de verdade, de otimistas, e coloquei a velhinha no meio. porém é uma história para outro dia.

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