terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

mais um dos textos "perfis do rio"... esse com uma pequena diferença...

Pau e bocetinha

Se alguém perguntasse para Alberto na rua qual era a sua profissão, ele responderia, meio jocosamente, que era economista. Cursou a faculdade durante longos quatro anos, entretanto nunca exerceu de fato a profissão, excetuando o cotidiano. Se precisasse de um tom de voz mais firme, mais sério, diria que era escritor, embora na verdade, o que Alberto sentia era que ele era experto em apenas duas coisas na vida; pau e bocetinha.

Não que tivesse sido uma escolha dele. Apenas percebia que, hoje, aos trinta e poucos anos, não tinha nada na vida que conhecesse melhor do que os instrumentos externos de ambos os sexos para a reprodução.

Trabalhava há quase vinte anos numa revista de pornografia escrevendo contos eróticos de todos os tipos e tamanhos. Começou quando ainda era um adolescente e, num dia de muita ociosidade e punheta, escreveu um conto pequeno sobre um menino de 15, 16 anos, que tinha sido abordado na rua por um carro lotado de meninas, todas aparentando a mesma idade dele, e com um pedido único; desvirginar a irmã mais nova de uma delas. Ele explicava no texto que o garoto, também virgem, ficava num dilema moral entre entregar-se a uma menina qualquer e perder a oportunidade de transar com uma garotinha linda. No final, depois de passagens bastante emotivas e demasiadamente açucaradas, os dois acabavam juntos, num happy end perfeito digno dos filmes americanos.

Enviou o texto para a redação de uma das revistas que publicavam o texto e recebeu uma resposta do editor que afirmava ter gostado do texto, porém, para a publicação sugeriria apenas “alguns ajustes”. Alberto, seduzido pela possibilidade de ver algo seu publicado numa revista, aceitou as modificações do texto, sem nem mesmo saber quais eram. No número seguinte, comprou a revista e ficou embasbacado com toda a mutilação que sofreu. Na versão final, o garoto não tem nenhum tipo de drama de consciência, e ao menor sinal de que uma menina queria dar para ele, aceitava na hora a aventura. No original, Alberto teve um cuidado para não usar expressões de baixo calão ou que fossem excessivamente grosseiras. Entretanto, o que saiu na revista não perdoava em utilizar “pau” e “bocetinha” 37 vezes cada uma em meras cinco páginas escritas.

Apesar de ter se sentido traído pelo editor, tentou algumas outras vezes publicar contos eróticos com temas que fugissem dos clichês das revistas do gênero. As respostas sempre eram as mesmas; as idéias eram boas, mas o desenrolar da história sempre caía para um lado um tanto quanto sentimentalóide que, segundo o editor da revista, não era apreciado pelos leitores.

Após inúmeras tentativas frustradas, logo antes de começar a faculdade de economia, veio a surpresa, o editor convidara Alberto para ser um dos redatores da revista. Bastava que ele enxugasse o seu lado menos “racional”, disse o editor. As cartas, apesar de serem uma das seções mais importante da revista, careciam de mão de obra especializada. As contribuições dos leitores, mesmo nunca tendo diminuído, tinham decaído de qualidade nos últimos anos. A tarefa de Alberto seria cuidar na redação da editoria e de todas as outras que requeressem tintas mais ou menos sensacionalistas e eróticas.

No início Alberto era um pudico daqueles que escrevem “pêlos pubianos” e “vulva” e era repreendido duramente pelo editor por isso. Houve várias discussões onde o editor dizia coisas como “Nós temos que mostrar até o útero, se possível”, ou “Vamos enfiar até o talo, só assim nos diferenciaremos”, e Alberto sempre se perdia nas suas explicações. Pensou várias vezes em largar o emprego, mas como era algo que fazia sem precisar de muito esforço e lhe rendia uma grana razoável que dava para pagar a faculdade e ainda sobrava alguma coisa, engolia todo o orgulho e escrevia da forma como o editor queria.

Numa das discussões, o editor sugeriu que fizessem uma pesquisa entre os leitores para que fosse eleita a maneira como eles chamavam, ou as parceiras apelidavam, os pênis. No número seguinte, perguntaram como eles chamavam, ou como elas gostavam que chamassem, a vagina. O resultado não teve nada de surpreendente, deu “pau” e “bocetinha”, entre os primeiros colocados de cada categoria. O editor, assim, esfregou mais uma vez na cara dele que a revista devia adequar a linguagem para a forma que os leitores mais gostassem. Alberto, mais uma vez, teve que engolir a sua opinião.

Ao final da faculdade, havia sido efetivado para sub-editor, mas continuava a trabalhar basicamente com a redação da revista inteira. Nessa época, mais ou menos, Alberto enfrentou uma forte crise de identidade. Ele não sabia ao certo o que era da vida. Ficou meses angustiado, na dúvida de que ele pudesse ser resumido a apenas um pornógrafo qualquer de quinta. Não queria admitir isso para si mesmo, não adiantava citarem exemplos de grandes autores, de grandes empreendedores, de grandes pessoas que viviam e viveram sob o signo da pornografia. Ele não cogitava dizer para a avó, uma senhora portuguesa católica de mais de 70 anos que o criou, onde trabalhava. No máximo admitia que escrevia para uma revista masculina, e, a isso, a avó ficava toda orgulhosa.

Para enfrentar essa insegurança, Alberto decidiu escrever alguma coisa grande, alguma coisa que tivesse bastante peso, que fosse significativa para toda a sociedade, que as pessoas soubessem quem ele era. Precisava de um assunto e teve um sobressalto quando percebeu que ele trabalha em uma ótima pauta, a pornografia como pano de fundo seria perfeita.

Ele contou a história de um garoto gordo de vinte e poucos anos, o quarto e último filho de uma família rica, que era considerado por todos como a ovelha negra, pois não queria nem gostava de trabalhar. Apenas comprava revistas de sacanagem, vivia indo a cinemas pornôs e boates de strip-tease. Na morte dos pais, os irmãos decidem dar um apartamento para ele, o menor de todos, e uma pensão por mês. Alex, o nome da personagem, aceita. Ele não tinha nenhuma pretensão na vida, não precisava lutar por nada, não conseguia almejar alguma coisa. Era apenas um pária que viveria toda a vida sem nunca representar algo para a sociedade ou para ele mesmo. Gastava todo o dinheiro que ganhava, e não era pouco, com prostitutas e só aparecia nas reuniões familiares as quais era intimado e, mesmo assim, completamente bêbado. Por ironia do destino, ou por vontade única e exclusiva de Alberto, Alex assiste a morte de todos os outros irmãos e fica com o controle majoritário das empresas da família. Como era de se esperar, com o tempo, as empresas falem e Alex vai viver nas ruas, depois de perder todo o patrimônio. O que não acarreta numa grande modificação de atitude do garoto. Em poucos meses, Alex morre numa briga entre mendigos por um lugar mais seco para dormir.

Com o livro debaixo do braço, Alberto correu em todas as editoras conhecidas para publicarem seu livro. Porém as respostas nunca variavam muito. Sempre diziam que, apesar de terem gostado, era difícil publicar um livro tão pessimista de um iniciante. Alberto perguntava o que o livro tinha de errado, e as respostas eram monocórdias, nada, apenas um excesso de sentimentalismo.

Ainda que só tenha recebido negativas quanto a publicação, Alberto se sentia satisfeito em relação ao livro. Ele o considerava de bom tom, e mesmo que isso não fosse importante, sentia-se bem mais leve após a feitura do livro. Como se tivesse exorcizado todo o trauma de trabalhar numa redação de revista erótica, como se provasse para ele que era capaz de produzir alguma coisa diferente, que só trabalhava lá por uma questão de combinação de fatores. Após terminar o primeiro livro, que ele chamou de “O pária”, ele se prometeu escrever sempre. Seria algum tipo de exorcismo particular.

Em seguida, uma série de acontecimentos movimentou a vida de Alberto. Primeiro foi conhecer Carol, uma menina linda, um pouco gordinha, completamente doce, que ele relutou um pouco por se apaixonar, mas que namora até hoje. Depois, foi sua avó que faleceu, após um infarto fulminante. E, por último, recebeu a notícia que iria ser promovido a editor. O anterior tinha saído para dirigir uma concorrente mais leve da revista. Uma onde não havia menção ao “pênis” ou a “vagina” fora das páginas de saúde, quiçá aos seus nomes correspondentes populares.

Alberto se sente seguro, estabilizado e tranqüilo atualmente. Não modificou em quase nada a linha editorial traçada pelo seu antecessor, por saber que o público era fiel àquilo que era apresentado, mas insistiu que deveriam incentivar novos talentos entre os leitores para ocupar as páginas de cartas. De tempos em tempos promove concursos concorridíssimos de contos de cunho pornográfico. É o único do gênero em todo Brasil e, se duvidar, em todo o mundo. Defende com unhas e dentes o erotismo como uma tendência da arte e ri quando lembra de como começou, ou como era imaturo no início de sua carreira como pornógrafo.

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