domingo, 29 de agosto de 2004

O pergaminho

Talvez esta história demonstre que os homens confluem para o mesmo destino. Já foi dito por verdadeiros autores que a Humanidade é a História de um homem só e a repetição faz-se necessária apenas por alegoria.

Por isso, a origem e toda a trajetória da personagem principal dessa ficção – porque tudo o que foi e é escrito será um dia, mesmo contra a sua própria intenção, inverdade –, um pergaminho de nacionalidade vacilante ou até inexistente, até seu antagonista, Horácio Castro, dono de um sebo de livros usados localizado num bairro central, transversal de uma rua larga, num beco quieto e sempre vazio, funciona apenas como um exemplo dessas coincidências inexplicáveis que florescem por toda a existência, transformando–a num intrincado jogo onde não há rigidez quanto às razões.

O portador do inusitado papel era um sujeito com forte sotaque árabe, apesar do português razoável para um estrangeiro; nariz redondo, bigode fino, boina cinza e cabelos já prateados pela idade; bastante alto, até um pouco encurvado, quase corcunda. Pareceu a Horácio, quando adentrou a loja, que o homem tinha a intenção de se camuflar, como se quisesse se esconder de alguém. Era uma impressão de difícil comprovação, mesmo tácita, porque nada nos gestos do homem demonstrava isso. Não possuía nenhum dos cacoetes que o cinema e a literatura nos acostumou. Apenas era soturno demais: desaparecia quando não observado diretamente. Aproximou-se do balcão sem que Castro o percebesse, foi extremamente polido, porém não se identificou de imediato. Contou-lhe apenas que detinha um precioso tesouro oriundo de sua região de origem. Horácio não demonstrou empolgação neste momento, porém sobre o homem que lhe era exótico em demasia, não conseguia desviar os olhos. As outras pessoas, então, inexistiam porque pareciam pertencer a alguma outra dimensão. O homem pediu reserva, pois nem todos poderiam avistar o que ele trazia, não entenderiam e, o pior, poderiam ficar aprisionadas ao livro de maneira irreversível. Horácio teve ânsia de rir, mas conteve-se antes do sorriso. Nunca presenciara tamanho zelo, ou mesmo formalidade quanto a um livro. Achou absurdo, exótico, quase religioso. No entanto, mesmo que não percebesse, esta atitude combinava com a figura daquele homem. Pediu-lhe para mostrar-lhe o que era, qual sagrado livro ele possuía. O homem ficou um instante imóvel com o semblante ainda mais rígido mirando diretamente os olhos de Horácio; este fica um pouco constrangido por essa eternidade de silêncio. O estrangeiro quebra o vazio falando: "a minha escolha não foi sem motivo". Horácio acompanha as palavras com um balançar afirmativo e lento da cabeça quase boquiaberto, o outro continua: "se foste o escolhido, foste porque havia uma razão, mesmo distante de nossas percepções terrenas". O livreiro tenta falar algo: "sim, mas...", e é interrompido: "Contudo, creio ter cometido um engano". Vira-se e caminha apressadamente para fora da loja. Horácio ainda grita para que o outro o aguarde, já que, para alcançá-lo deve rodear o balcão que os separava. Somente o atingiu quando está com os dois pés fora da loja. "Espere", repete Horácio, "Entenda, por favor, que todo o nosso encontro fugiu um pouco do meu controle... Sou apenas um livreiro que atende aos leitores costumeiros há mais de quarenta anos. Compro os mesmo livros com os mesmos vendedores desde que esta loja abriu. Perdoe-me por minha indiscrição". Horácio não poderia perder tal personagem sem ao menos saber o que ele carregava. O homem novamente encarou vividamente o castanho dos olhos de Horácio que não titubeou. Não saberemos, mas a segurança nas atitudes de Horácio pode ter sido o que gerou o retorno do desconfiado homem. Antes que este repetisse o pedido por reserva, Horácio sugeriu que fossem para um lugar mais quieto, onde ele normalmente fazia a contabilidade do negócio.

Só neste momento o homem se apresentou: chamava-se Mohammed Ali Aziz e era natural da região entre o Tigre e o Eufrates, como disse no momento. Sua história havia sido guiada para e pelo pergaminho que agora estava em seu poder. Vivera para encontrá-lo, pois cria que nele estava o todo e o completo sentido da existência, e quando esteve de posse do sagrado escrito, não mais pôde construir um só pensamento que não detinha a imagem daquele pedaço de couro antiqüíssimo com escritas indecifráveis. Se agora o passava adiante era porque havia cumprido sua missão. Ele constituíra seu pedaço dentro da História, não mais necessitava ficar com o pergaminho, além de motivos individuais, do gosto pessoal ou do egoísmo.
Horácio escutava a tudo bastante incrédulo; por outro lado, sentia uma curiosidade tomando formas cada vez mais nítidas dentro de si. Por fim, pediu para observar tal pergaminho. Mohammed respondeu-lhe que antes era necessário explicar-lhe sua biografia pregressa, para que ele soubesse o possível sobre o mistério e pudesse acrescentar, um suspiro que fosse, em sua completitude.

O oriental continua: "Não se conhece como apareceu sobre a Terra. Sabe-se apenas que está em poder dos homens há várias e várias gerações. Como o consegui é de pouca importância. Somente lhe direi que este também é o motivo de ter emigrado para este país tão estranho". Neste momento deu uma pausa para avaliar como esta informação era recebida pelo interlocutor; percebendo a indiferença como resposta, logo continuou: "Muitos já tentaram traduzir suas palavras. Alguns afirmam que o máximo que atingiram foram suaves descrições. Outros argumentam que foi encontrado primeiramente perto dos Bálcãs, muito antes do nascimento daquele que vocês consideram como deus, e nós como um dos sete profetas. Há ainda os que o situam na Índia, muitos séculos antes. Proliferam indiscriminadamente argumentos que as tentativas de interpretação do pequeno texto criaram todos os livros santos, da Bíblia dos cristãos ao Torá dos hebraicos; do Alcorão do nosso povo ao Gita dos hindus; dos livros gregos aos mais religiosos". Horácio já não mais cria na razão. Estava de tal maneira estupefato pelas palavras do muçulmano que seu senso crítico as aceitava como a uma leitura prazerosa.

"Não há algo razoável, ou pelo menos que os cristãos chamam de racional para eu lhe entregar o pergaminho", o homem falava, "soube, por Alá, que era para fazer isto e aqui estou para cumprir minha missão". Deu uma pausa e mudou o argumento que desenvolvia, em tom cresente: "há ainda aqueles que dizem ter entendido completamente o texto, mas, então, já não eram mortais como nós. Eu talvez não consiga explicar porque em minha religião não há meios que exemplifiquem tal fato: era como se atingissem o paraíso ainda vivos".

Ao ouvir a última frase, foi como Horácio acordasse. Toda a narrativa era demasiadamente irreal para se prestar a atenção. Percebendo o desinteresse repentino do ouvinte, Mohammed decidiu encurtar-se um pouco: "Creio ter me alongado. Sugiro apenas uma última prova de confiança", Horácio assentiu com a cabeça para que o oriental prosseguisse, "Deixar-te-ei sozinho com a peça por alguns instantes para que possa saciar toda a sua curiosidade". Entregou-lhe um canudo aveludado parecido com um diploma universitário e levantou-se. "Nunca, em hipótese alguma, mostre a alguém, mesmo que lhe peçam, mesmo que pareça o correto", disse secretamente para em seguida concluir: "Quando estiver pronto, me procure, estarei do lado de fora da sala". Horácio, como se fosse estritamente necessário, esperou a saída por completo do estrangeiro e então reparou na peça que estava em suas mãos. Abriu o recipiente e retirou o pedaço em cor amarelo-escuro, até marrom em alguns detalhes. Era um pouco menor que uma folha comum de cadernos grandes e detinha apenas uma série de sinais que não fazia o menor sentido para o leitor e cobriam toda a sua superfície. Não pareciam pertencer ao sistema alfabético eslavo, ou o grego, ou o nórdico, o árabe, o japonês, o chinês, o latino, o coreano, o hindu, o malaio, o indonésio ou qualquer outro que ele tinha conhecimento da existência. Não lembrou-lhe os hieróglifos nem outro tipo de escrita onde os caracteres não obedecem a regras imóveis, podendo uma estrela ser interpretada como brilho, grandeza, a própria estrela e também todos os seus antônimos. Em nenhum momento pareceu para Horácio que tal pedaço de couro tinha uma origem tão nobre, que havia passado por entes tão poderosos. Para ele, eram somente rabiscos antigos, muito antigos. Só isto já lhe despertara alguma curiosidade, nada extraordinária. Olhou por último sem a tentativa de entender e sentiu um conforto indescritível e sorriu. Levantou os olhos assustados e não soube explicar a sua atitude. Em ato contínuo, enrolou cuidadosamente o pergaminho e devolveu à sua origem. Levantou-se e saiu do ambiente.

Do lado de fora, uma primeira surpresa: o homem não se encontrava mais. Perguntou para um dos balconistas, e depois outro, e as respostas foram unânimes: não haviam visto sujeito com tais características naquele dia, nem nunca anteriormente. Horácio ainda teve ânsia de pensar que poderia ser apenas algum tipo de brincadeira, insistiu com alguns compradores que se espalhavam pelo saguão entre as estantes, e nenhum deles apresentou diferenças quanto à explanação. O livreiro saiu da loja, andou até a rua movimentada e lá desistiu completamente de continuar a procura quando reparou na impossibilidade de achar alguém naquele turbilhão de gente andando apressadamente em ambos os sentidos. Ainda teve o impulso de duvidar da realidade, suspeitando que poderia estar sonhando, mesmo que não fosse dado a esses estratagemas, mas o canudo na mão desfazia qualquer esperança nesse sentido.



Nos primeiros dias que se passaram, o dono da livraria não deu nenhum valor ao pergaminho, que ficou dentro da gaveta no seu escritório. Sentia uma espécie de medo encoberto, que ele próprio não identificaria. Entretanto, não comentou com ninguém sobre tal fenômeno, com medo de suspeitas sobre sua razão. Viveu cotidianamente.

Contudo, se pegava, constantemente, pensando sobre aquele misterioso pedaço de couro. Era por demais absurdo logo ele estar em posse de algo tão incomum. No final da primeira semana, se trancou no cubículo e foi observar aquelas "letras" na tentativa vã de entendê-las. Alguns segundos passando os olhos de um lado para o outro, procurando alguma lógica de interpretação, algum tipo de sentido, direção ou até sistema organizacional e nada. Levantou-se e pediu a um dos atendentes que buscasse para ele todos os livros de lingüística que a loja tivesse. Voltou-se para analisar os traços que quase eram desenhos, e então o sujeito trouxe vários dentro de um carrinho pequeno. Carregou, ele mesmo, os livros um a um, para cima de sua mesa. No início, os abria na procura da identificação do sistema ou alfabeto, procurava uma origem em comum, algo que pudesse demonstrar uma evolução, um detalhe que sinalizasse um resultado, semelhanças, traços familiares... Nenhum resultado. Quando a mpulsividade foi dando lugar a uma decepção, preferiu estudar com mais cuidado o assunto. Foram dias, semanas, meses lendo sobre a transformação de alfabetos, teorias sobre as regras da evolução, as origens etimológicas em comum de palavras com sentidos opostos etc. Tudo sempre permeado de admirações diárias do pergaminho. Sua rotina se modificou de tal forma que quase não aparecia para o público. Ficava tanto de seu tempo enfurnado dentro do escritório, lendo e tentando achar alguma significação que até os menos atentos repararam na mudança de postura do livreiro. Seguia proposições, adotava comportamentos, achava que tinha alcançado algum resultado e, em algum momento, tudo desmoronava. Nada fazia sentido. "São apenas traços sem sentidos", repetia para si mesmo, nos momentos menos esperançosos, "não há o que concluir porque isso é impossível". Entretanto, apesar da desempolgação, não desistia de continuar na tentativa de entendimento.

Um dia, descobriu, num dos poucos momentos que ficou do lado de fora de sua caserna, que um dos freqüentadores de sua livraria era um senhor estudioso de línguas. Começaram a papear e Horácio rapidamente perguntou ao outro se conhecia as escritas mais distintas dos idiomas menos conhecidos; o outro, num gesto de humildade, disse que tentava estudar sobre, mas que nunca se pode afirmar com precisão sobre o saber infinito. Castro pediu um minuto para o lingüista e foi para dentro do seu escritório. Num papel ordinário, copiou alguma das frases e o trouxe de volta; mostrou-lhe, reservadamente, e pediu a opinião dele. O homem, poucos cabelos e brancos, também de bigodes, óculos de lentes grossas, pegou o papel comum nas mãos e afirmou peremptoriamente que nunca havia visto tal coisa. Juntou a isso, um pedido para que ele, o professor, observasse pessoalmente e sem intermediários a origem daqueles sinais, pois ficara interessadíssimo em algo tão sui generis. Horácio respondeu-lhe que não era possível, porque havia prometido nunca mostrar o pergaminho para ninguém. O senhor não insistiu; apenas solicitou o pedaço de papel comum para que pudesse levar para estudar um pouco mais sobre. Horácio não pestanejou e entregou-lhe.

O tempo corria novamente sem que fosse perceptível para o livreiro. Sua rotina, que tinha sido interrompida somente neste dia, voltou à mesma. Lia sobre o assunto, se martirizava porque não alcançava nenhum resultado, voltava a se inteirar, novamente sentia a impossibilidade. Sem perceber, um ano se acumulou. E logo outro. Aquele cotidiano já havia se incorporado por completo à sua vida. Nunca mais vira o muçulmano, nem o professor. Agora, anos de distância os separando deles, lembrava de ambos como antagônicos, porém que aparentavam uma complementaridade, como se um pudesse existir apenas na presença do outro.

Horácio já estudava automaticamente sobre línguas. Já sabia de cor todos os caracteres do pergaminho. Não era mais dolorosa a leitura, não mais sentia uma desesperança, um sentimento ruim ao não alcançar o infinito objetivo. Pelo contrário, era o oposto. Gostava de ficar imaginando alguma tradução possível para o pergaminho e se divertia com as tentativas. Era prazeroso passar horas somente perfilando cada caractere. Tinha compreendido, na última temporada, assuntos tão diversos e tão antagônicos que nem percebia.

A livraria seguia como sempre foi: quase vazia, com os mesmos compradores, as mesmas pessoas, como um retrato do passado que se repete, que sempre retorna. Castro havia incorporado essa sua nova função, o que não atrapalhava em nada suas funções normais de administrador do pequeno negócio. Apenas cumpria uma obrigação diária com o antigo pedaço de couro, sempre nos mesmos horários, como uma reza.

Sem muita explicação, num momento que tenderia a se confundir com outro qualquer, tamanha era a sua falta de originalidade, Horácio tinha em mãos o pergaminho e simplesmente o entendeu. Não havia o que traduzir porque aquelas palavras não eram palavras como estamos acostumados, quiçá conceitos abstratos que existem para a interpretação. Eram pedaços de uma grande figura, de um rosto, da imagem, de deus, de algo inominável. Castro sentiu-se perdido no espaço e no tempo, díspare completamente das descrições; não sentia a própria existência e duvidou que algo pudesse realmente existir. Uma plenitude o preencheu e tudo ganhou um sentido próximo a ele, entretanto inexplicável pela falta de porquês que podem existir. Não mais poderia existir o bem nem o mal, a felicidade ou simplesmente a beleza, não tinha nenhum propósito o ideal, o triste; o erro e o acerto se fundiam. Horácio se sentiu com uma superioridade humilde, com a chave para todos os conceitos, como se alcançasse o limite do ser humano, o máximo que se pode chegar, que se almeja durante toda a existência, um fim que se caminha para, a estabilidade perpétua, ele e o pergaminho eterno.

O livreiro levantou-se de sua mesa, nem com calma nem apressadamente, porque era unicamente o absoluto, não mais detinha qualificações, e caminhou no mesmo tom para fora da sala. Tudo possuía outra luz, outros coloridos, outros significados, mesmo sendo os mesmos. Ali estava um freqüentador assíduo de sua loja; ao mesmo tempo, este homem era o muçulmano e também o professor de lingüística e todos os homens do mundo. Ao seu lado, Castro diz frases pequenas, porém de clarezas inatacáveis. Conta-lhe que possuía um livro que ele ansiava encontrar, o outro, o homem que se transformara numa representação do arquétipo absoluto, ávido pela informação, pergunta-lhe qual seria o livro; Castro entrega-lhe o pergaminho, que para o homem não possui a mesma imagem, ele o entende diferentemente e se congela num instante que se torna perene. Havia cumprido a sua História. Era a vez do outro.

segunda-feira, 23 de agosto de 2004

Para não dizer que não falei da natação

Final da primeira semana em Atenas. Publico uma troca de e-mails com um amigo meu sobre a dita-cuja. Divido-a em dias (e em duas partes):

Seg. 16 de agosto

Maga:
e aí mano, o que tá achando da natação até o momento??

o phelps tá se fodendo hein..pra expectativa q geraram..

o thorpe é um monstro mesmo, mesmo nadando menos do que pode, ganhou aquela prova sábado, não lembro exatamente qual

achei foda a áfrica do sul no revezamento, a final da Joana e o japonês q nadou pra kct naquela prova..

abs!!

eu:
tô com dois monitores ligados na natação, mal conseguindo trabalhar... Acabei de ver o hoodgenband perdendo uma prova - que pensei seria o seu bicampeonato - para o thorpe...
ontem vi um cara da sportv dizendo algo certo sobre o phelps: o cara deve voltar para casa com uns três recordes mundiais e achar que foi uma merda. Olha que parada absurda: um cara vai ganhar mais medalhas que quase toda a delegação brasileira e vai se achar um fracasso...

thorpe ganhou os 400 m livre no sábado - prova que é a sua especialidade.

os sul-africanos são uns monstros. todos são fortes para caralho, de dar medo. Aposto no cara que abriu (não sei o nome dele) para ganhar o cem livre (ou pelo menos ser prata do hoodgenband)

agora o phelps cairá para o 200 m borboleta prova que é franco favorito, campeão mundial, recordista, e os caralho. esta ele ganha....

abraços

Maga:
imagino como vc deva estar agora hahaha

quando vai ser os 100 m livre??????


e outra parada, a joana nada outra prova entre hj e amanha né? alguma chance de final de novo?

ps.: um charme ela.. com aquele sotaquinho então...uuuuuiiii (!) delícia! :)


eu:
eu que nem gosto desse tipo de sotaque, vc pode imaginar... mas a melhor de todas as mulheres é a com o sobrenome mais horrível: mariana brochado. Carioca espetacular. há também a monique ferreira que também é gatinha (também do rio).

ela (a recifense joana maranhão) nada o 200 m medley com as mesma chances de final que os 400 m medley. Ou seja, na teoria, nenhuma, na prática, a menina é cabra da moléstia :)

Maga:
é verdade, nem me lembrava da sua relação com o sotaque de riba..

no meu caso isso tá mais no sangue mesmo heheheh, raízes...

A Fabíola Molina q virou comentarista também é linda..(!)

eu:
fabíola pulga molina, uma das meninas mais simpáticas e envergonhadas da natação da década de 90, além de gatinha... agora vejo se joana maranhão melo se classifica para a final (ela acaba de chegar em quinto na sua seletiva ganhando de sua arqui-rival sul-americana)

Maga:
e aí, dá pra ela chegar na final? ja tem essa info??

ela ficou na frente da argentina q foi bronze na outra prova, é isso ??

eu:
ela ficou em décimo primeiro... mas ganhou desta argentina a quem vc se refere... isso quer dizer que na próxima competição de 400, sou mais a joana...

terça, 17 de agosto:

Maga:
assunto: 100 m
mano q horas vai ser??

vi q o popov ficou em quarto na semifinal dele... ele entrou??

o sul africano fez o melhor tempo, ne..

e phelps, nada essa?

eu:
o sul africano só perde se o hoodgenband nadar muito bem, próximo ou abaixo do recorde mundial (que é dele mesmo e, de tão sinistro, tá há quatro anos intacto).

o phelps nadou o 200m borboleta (prova que detinha os quatro melhores tempos da história). Agora, só tem os dois melhores :)

vai ser maneira esses 100m livre... a mais sinistra da história, com certeza...

Maga:
qual o tempo do holandês que é recorde? de sidney?

qto vc fazia na prova nos aureos tempos pré-fcs?

..

porra queria muito ver essa prova amanha...

eu:
o hoodgenband foi o único ser humano que completou a distância abaixo dos 48 segundos. é 47.84 a sua monstruosidade.

acho que amanhã esse tempo cai.

agora tá rolando o revezamento masculino 4x200m livre. o phelps tá nadando de novo...

quarta, 18 de agosto

Maga:
fala mano!! mais finais a vista!!
óia as mina de novo hein!! auha

pelos tempos q vi agora, elas não tem chance de medalha né.. já abaixaram o recorde sul americano em 5 segundos mas tão 4 abaixo dos três melhores tempos.. mas beleza..

rogerio romero e thiago nas semifinais certo??

eu:
rapaz, acabo de ver a final dos 100m: SINISTRA. o sul-africano virou meio segundo abaixo da parcial do recorde mundial, tinha meio corpo de vantagem sobre todo mundo e eu fiquei alguns segundos achando que ele já era o eventual campeão. qual nada. o hoodgenband voltou que nem um monstro e veio catando o adversário metro a metro até que nas braçadas finais eles pareciam sincronizados até baterem na borda juntos: o cronômetro dá a vitória para o holandês por cinco centésimos! nesse momento já havia ignorado que na mesma prova estava o ian thorpe que, surpreendentemente, chegou em terceiro. o quarto foi outro sulafricano, o quinto um italiano desconhecido - todos nadando abaixo de 49. Ninguém nadou abaixo de 48

sobre os brasileiros: terão participações modestas, mas 'sinceras'. as garotas não devem baixar o tempo e já é um resultado sinistro. só por um milagre elas ganham medalha (mas, essas coisas acontecem em Olimpíadas).

o thiago nada ainda o 200 medley, creio que se classifica, mas só ganha se baixar muito o tempo, o que não creio.

Maga:
essas duas provas são hoje ainda?

a final das mina e a semi do cara?

vi seu e-mail dos 100m agora.. como queria ter visto a prova..pqp

eu:
as duas finais são amanhã:
o thiago acabou de bater o recorde sul-americano e se classificar com o QUARTO tempo para a final dos 200m medley. sinistro demais.... não dá para ganhar do phelps, tem outro americano foda e um húngaro... acho que será quarto colocado, se nadar PARA CARALHO como nunca na vida, e tiver sorte, ganha logo a prata (porque a diferença entre prata e bronze será mínima).

mas acho que ele vai amarelar... (porém, lembrar que sou um pessimista)

creio mais nas meninas que nele..

eu (de novo):

ih, cara, eu acho que o revezamento é agora (das meninas)....

eu (mais uma vez)

esqueça o que eu falei sobre as meninas: elas estão em oitavo!

Maga:
vamos ver a final do thiago né...

se a das muié for hj mesmo me dá o relato depois!!

ganhar do phelps não rola, mas to confiante numa medalhinha dele sim.

qdo temos um brasileiro forte numa prova o cara sempre encontra um fenômeno na mesma geração, puta que pariu....

lembra de borges X popov.. robson caetano X carl lewis..

ainda tivemos o próprio xuxa né
quem é o fodão dos 50m? o gary hall jr?

eu:
todos os quatro sul-africanos... as meninas estão em sexto....

eu (em outro e-mail):acabamos em sétimo, com recorde sul-americano... as americanas pulverizaram o recorde mundial - toda a prova foi forte, três outras equipes nadaram abaixo da antiga marca..
(continuação da conversa sobre atenas2004)

quinta, 19 de agosto

Maga:
po mano o thiago perdeu, q droga hein... liguei para casa e minha mãe pôs o telefone na televisão pra mim na hora da prova... pelo pouco q ouvi (praticamente os 50 metros finais) ele deixou escapar a medalha no finzinho né..

o negocio tá brabo..
tirando os bronzes do judô acho que só vem coisa no vôlei e iatismo mesmo..

to descrente da daiane e do jadel.

q merda.

eu:
eu sabia que não vinha nada da natação mesmo... tinha dito para o edu que ele (o thiago) seria quinto lugar, há dois meses atrás e achei sua performance dentro do esperado. ele é infinitamente mais fraco que os outros nadadores com quem ele competiu, acho que na próxima competição, ele vai estar mais forte - pronto para a prata :) - já que o phelps tem quase a idade dele....

eu não sei o que virá por aí... mas acho que sempre aparece alguma coisa que a gente não espera...

e agora aparece a cerimônia de premiação com o coaracy nunes, presidente da CBDA. ele tava contando com a medalha do thiago e tá com uma cara de muito puto.

eu (de novo):
MANGABEIRA TÁ NA FINAL!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Maga:
Eu vi a semifinal dele na madruga.....

q foda!!

qual a posição do tempo dele ???

eu:
acho que foi o quinto, ou sexto...

o primeiro foi um tal de michael phelps...

Maga:
esse phelps foi feito em laboratório?
pqp.

ah, ia te perguntar uma parada do popov..

ele ganhou algo em sidney? n lembro

eu:
o manga foi o quinto, ficando a um centésimo do quarto e meio segundo do terceiro...
o treinador dele é anthony nesty que ganhou a medalha de ouro em seul na mesma prova, ganhando do matt biondy, o michael phelps da época, por UM centésimo... o matt biondi ficou muito, mas muito puto...

o manga nadava comigo. ele começou no canto do rio, em niterói e nadávamos as competições do 'interior' (eu por nova iguaçu, ele por niterói).

o phelps não foi feito em laboratório, ele É feito em laboratório... o cara tem uma equipe para treiná-lo que nunca nem sonhamos em ter...

o popov (pelo que eu me lembro) ganhou algumas medalhas, nenhuma de ouro, em sidney.. Não acompanhei nada porque era de madrugada e porque não tinha tv a cabo...


Algumas respostas para as perguntas que ficaram em aberto acima:

1) 'o japonês q nadou pra kct naquela prova...', logo no início do texto, no post acima Kosume Kitajima, a prova a que Maga se refere, 100m peito, seu tempo, 1:00.08. Ele ainda ganhou o 200m do mesmo estilo. Detalhe que o americano, vice-campeão, havia batido o recorde do campeonato na semi-final. se repetisse o tempo, ganhava a prova.

2) a final do 100m livre foi 18 de agosto. popov, na sua semifinal ficou em quarto com 49'23'', DEZ CENTÉSIMOS atrás do primeiro em sua eliminatória. Mais ou menos o tempo de piscar os olhos.

3) meu melhor tempo foi de 57' na piscina curta (o que dá algo próximo de 58' na longa).

4) o cara dos 50m livre, como se viu, não foi nenhum sul-africano, mas o gary hall jr. o roland não sei das quantas (da áfrica do sul) não conseguiu mais nenhuma ouro, ficando em terceiro nesta prova

5) rogério romero com trinta e lá vai fumaça de anos, chegou na semi-final, mas parou ali mesmo, no 200m costas.

6) Mangabeira fez 52'34'' na final, que lhe deu o sexto tempo da competição. Só para comparar: o seu treinador ganhou a mesmíssima prova em 88, em Seul, com 53'00''.

segunda-feira, 16 de agosto de 2004

‘Soma’

Deixo por escrito estas linhas para que não haja nenhuma dúvida relativa ao procedimento que tomei e suas infalíveis conseqüências. Não quero ser entendido por conhecidos, ou pessoas que nunca pronunciaram meu nome, com sentimentos que na verdade não possuo. Para isso, também acredito ingenuamente que serei sincero aqui neste papel, não deixando ausente qualquer pormenor. Por mais que haja tentativas, a verdade total não sai por escrito, nem nunca é pronunciada em voz alta, e quando atinge seu ponto máximo, consideramos tal obra como um marco – detalhe que não figurará (creio eu) neste destino literário.

Claro está que tomei o ‘soma’. E antes que as conclusões se premeditem, afirmo que o meu intuito não é e nunca foi o do extermínio próprio. Pelo contrário, gostaria de continuar para ao menos ter a possibilidade de decodificar ao máximo possível todo o sentido de tal droga. O que eu vi, e arrisco-me a transmitir – mesmo que admita da impossibilidade de abarcar todo o complexo sentimento que vivenciei –, é o mais próximo que se pode alcançar da plenitude em felicidade. Uma hipótese: é por isso que alguns, nas suas últimas horas, descrevem uma aproximação com Deus. Não há termos de comparação viável no mundo conhecido e racional.

Acredito, também, que vem daí a inevitável pós-vida efêmera. Como se naquelas horas (quem me convencerá que foram instantes?) consumíssemos todo o resto de nossa energia. Como se houvesse uma cota em toda a vida e resolvêssemos utilizá-la de uma vez só. É uma tese mística demais para aparecer sob qualquer égide, eu sei, mas admito a crença para mim mesmo sem muitos pudores.

Quando o entorpecente era estudado, na época em que seu consumo ainda era permitido, e, principalmente, receitado para pacientes terminais, concluíram que o desgaste provocado no músculo cardíaco e no tecido pulmonar por ocasião do aumento extraordinário do metabolismo fazia com que o óbito fosse inevitável em pouco tempo. Sinto agora, por exemplo, alguns sintomas de uma doença que me era inexistente. Meu nariz sangra, há lenços de papel ao alcance de minhas mãos, a cabeça lateja e estou extraordinariamente zonzo.

Contudo, essas adversidades em nada diminuem a minha vontade de escrever esta narrativa. Pelo contrário, só aumenta a confiança nesta minha atitude. Não me arrependo e, provavelmente, nessas últimas horas não cambiarei de opinião quanto a isto.

O governo, num lapso de liberalismo (num contraponto à tradicional atitude conservadora), por alguns meses liberara o consumo de ‘soma’ para o fim da eutanásia. Era a única forma permitida para que um doente sem esperança pudesse dar fim ao horror que são os últimos dias. Muitos não resistiam não voltando da ‘ausência’ – como chamam o estado em que o consumidor fica durante o consumo da droga. O entrave, argumentado pelos comandantes deste Estado-nação, é que em pouco tempo tal costume não ficou apenas restrito aos doentes, mas se alastrou rapidamente pelas camadas juvenis da sociedade.

O incrível, me parece, é que tiveram a convicção de que, ao proibi-la, colocando como crime hediondo o porte e a venda da droga, o decreto faria com que houvesse uma diminuição em seu consumo. O óbvio aconteceu e é constante. A ingestão do entorpecente só aumenta por causa da áurea mística que envolve as pílulas, e não importa as mentirosas publicidades que se mostram em qualquer lugar. A campanha pessoal, de quem esteve presente, de quem já ouviu algum relato, de quem ler isto aqui, fez, faz e fará muito mais pelo ‘soma’.

Minha tontura aumenta. Demoro mais tempo para conseguir digitar poucas palavras, meu raciocínio fraqueja, tenho lapsos de ausência; mesmo assim, continuarei até cair, tenho que fazer isto. Não é possível haver tamanha inverdade sendo disseminada como única. Meu intuito é combater esta anomalia.

Não é debatido, por exemplo, a absurda interferência do Estado na existência privada dos cidadãos. Quem são os homens para decidirem sobre a vida e a morte de seus iguais? Se o indivíduo crê que ele próprio pode deliberar pelo seu fim, o que deve ser feito para impedi-lo? Inclusive: deve ser feito algo? Qual é o motivo para que queiram que continuemos vivos? Por quê? Somos condenados a um pena de vida, onde a privação é uma constante. Por que não optar por alguns momentos de felicidade completa, o máximo que alguém já chegou ou haverá e sem depois?

Há barreiras econômicas, claro, é fácil identificar. Num raciocínio raso: haverá menos mão-de-obra, os salários aumentariam, o exército de reserva decairá etc. Ainda, podemos considerar que, pelo crescimento na procura pela droga, seu preço será constantemente inflacionado. Em pouco tempo, pessoas deixarão todos os seus pertences para os vendedores dos pequenos comprimidos - do tamanho de um anticoncepcional. E, como acontece com todas as outras drogas ilegais, sem um controle da qualidade, haverá manipulações na fórmula original para diminuir o seu efeito e o que ocasionaria na provável criação de viciados, à mercê do tráfico.

Há, ao mesmo tempo, outras questões de cunho filosófico (como já foi sugerido por autores de verdade): quem é responsável por minha vida além de mim mesmo? Se sou totalmente apto a viver em sociedade, se tenho a necessidade de cumprir com meus deveres e a obrigação com meus direitos, quem, além da fatalidade, deve ter o poder de morte fora eu mesmo?

As respostas são infinitas e a discussão não é o meu tema, nem conseguiria ser claro quanto a isso nesse momento. Anseio, com meu resto de força, propagar os sintomas do ‘soma’ e a sensação que minha essência está se desprendendo do meu corpo e deixar as verdades absolutas para quem quiser alcançá-las.

Não importa a maneira como consegui meu comprimido, nem quanto paguei por ele (embora, admito, não foi pouco). Estava ontem em minha casa, com as luzes apagadas, em pé, perto da mesa de centro. Recomenda-se deitar logo após a ingestão porque não há como se manter de pé e o inevitável tombo causaria uma dor desnecessária, piorando a ‘ressaca’.

Obedeci ao protocolo e me acomodei no divã. Em pouco tempo, os efeitos começaram a aparecer de um jeito que suspeitei ser auto-sugestão. Tentei fugir um pouco o foco das projeções que apareciam na minha mente como reais. A minha luta durou alguns poucos segundos até que desapareceram por completo as noções de realidade e ‘viagem’. Logo estava num mundo onde as regras eram minhas. Eu decidia, eu escolhia, eu tinha o poder da eternidade e da rasura. Lembranças de assuntos há muito esquecidos, memórias que eram extremamente alegres, pequenos detalhes da minha vida que haviam sido guardados em local inacessível, situações tão pessoais que ninguém mais saberia entender, detalhes só meus que jaziam em algum lugar no fundo de meu inconsciente e que não visitava há vinte, trinta anos inteiros. Era tão confortável, tão seguro, envolvente, um calor me absorvia sem parecer em nada com opressão. Sentia novamente uma alegria infantil que se perde em algum momento da vida e a encarava brincando como se fosse tátil. Ao mesmo tempo era um observador de um ‘eu’ menino e o próprio garoto que corria num campo de areia sozinho. Era como se eu tivesse a possibilidade de voltar no período de minha existência que desejasse e fosse capaz de mudá-la completamente, como um ator que conhece o desfecho do enredo. Poderia viver novamente as melhores situações de minha biografia, aquelas onde tenho um orgulho mais intrínseco. E também de corrigir por completo as atitudes que me arrependia. Era uma chance de alterar por completo a memória, construindo da maneira como queria, tendo a visão final da história como parâmetro.

Eu era o futuro, o único que sabia como ia terminar, que possuía a chave final de todo o mistério, que havia decidido por tudo, e agora, também, a possibilidade de mexer no que ficara para trás. Não é algo pessoal, querer modificar as lembranças, fazemos porque nos sentimos impelidos a tentar. E se temos essa oportunidade de maneira prática, a mudaremos para a perfeição.

Agora que escrevo, me sentindo cansado, com uma dificuldade enorme de respirar, já não sei qual fora a realidade, o que realmente aconteceu ou o que é a verdade afinal. Se perguntasse às pessoas que compõem a minha memória, será que elas, em algum momento, teriam a lembrança igual a minha? Ou, pior, será que algum dia a tiveram, já que o passado é intransferível e, na certeza da palavra, mutante?

Não sei mais responder a perguntas. A única vontade que tenho agora é terminar de escrever e deitar. Apenas isso.

quarta-feira, 11 de agosto de 2004

Benesses da profissão

Recebi na semana passada um convite para a cabine de um filme que não reconheci; mas como era perto de casa, num dia e horário que não fazia nada, aproveitei e fui. Então pude conferir o filme da melhor maneira que há: sem expectativa.

Chama-se 'O Retorno' (tentem agora em russo: 'Vozvrashcheniye'), e é a estréia de Andrei Zvyagintsev na direção de longa-metragens. Quando vi a primeira cena, lembrei-me que assistira já o seu trailer e que este havia me passado uma péssima impressão. Logo, a partir daí, pude conferir o filme da segunda melhor maneira que há: com baixa expectativa.

Com fotografia escura (parece uma produção pb), 'O Retorno' revela pouquíssimo de sua história. Não sabemos até o final qual é o nome do pai, por exemplo. E descobrimos as nuances do roteiro a medida em que elas são apresentadas também para as personagens, fazendo com que tenhamos as mesmas reações que eles.

No início, parece que tal produção narra apenas um embate entre pai ausente e os filhos, um com temperamento forte, outro se sentindo agraciado porque aquele voltara. Mas percebemos que as interpretações começam a aumentar geometricamente.

O pai é de temperamento duro, bruto, resolve tudo com uma violência não-física, na imposição de sua vontade pela força de suas palavras. Mesmo assim, tendo que cumprir uma missão (não revelada até o final, mas esse detalhe em nenhum momento importa), se desvia para ficar com os filhos, demonstrando sua boa-vontade com os moleques, o que não é muito perceptível.

O moleque mais velho está tão cego de felicidade com a volta do pai que não percebe nenhum defeito dele. Fica pouco crítico e permanece boa parte do filme, propositalmente, à sombra do irmão - este sim, trava embates com o velho, porque não crê que ele os ama, sentimento este ocasionado pela longa ausência dele.

Essa é, basicamente, a sinopse. Só que não passa nem em dez por cento os climas noturnos do filme. É perceptível o cuidado que tiveram com cada cena, fotograma, enquadramento. Todos os atores estão bem, ao ponto de eu quase duvidar de outra personalidade diferente daquela mostrada nas telas. E a direção te leva em direção ao clímax de uma forma que vc não sente. Quando menos espera, está tão nervoso (novamente) como os personagens na tela.

Para quem quiser assistir ao trailer (eu não aconselho) está aqui.



segunda-feira, 9 de agosto de 2004

Email para uma grande amiga ou "Stomp é o caralho"

minha querida,

assisti ao meu primeiro show do Cordel do Fogo Encantado e lembrei bastante de vc.

Confesso que quando ouvi pela primeira vez o cd, lá em casa, não fiquei muito impressionado. Para mim, não passava de mais uma banda regional que seria esquecida logo em seguida. Criei esse preconceito e quando me disseram que eles tocariam depois do Mombojó (outra banda de Pernambuco, essa sim, gostei já ao ouvir pela primeira vez o som dos garotos - moleques mesmo, já que eles têm de 17 a 22 anos) perguntei porque não era o contrário, o Cordel abrindo para o Mombojó?

Essa minha idéia ainda ficou mais forte quando presenciei o show dos meninos, que foi bem legal, apesar deles terem ficado visivelmente intimidados com a platéia (foi no Circo Voador, estava lotado e as pessoas estavam muito empolgadas). Ao ponto de, ao final, na última música, os garotos terem tocado com tanta vontade, com tanto sangue que erraram algumas coisinhas, o que só serviu para eu ficar mais fã deles.

Virei para o lado e comentei que seria difícil, depois disso tudo, que o Cordel fizesse algo melhor. Ah, quanto errado estava eu... Houve um intervalo de mais ou menos 30 minutos e eu na platéia, meio cansado, achava que seria um showzinho morno, dentro dos planos, comum. hum...

Quando os dois negões se ajoelharam antes de subirem aos atabaques e se benzeram, eu comecei a suspeitar que eles não podiam ser coisa terrena.

E eu boquiabri-me para só conseguir fechar a boca depois de quarenta minutos de porradaria no som. Parecia show de rock pesado onde as pessoas pulam em roda, todas hipnotizadas, envolvidas pelo batuque, pelo grave dos tambores, pelo poder dos surdos, pelas ondulações, por todo o teatro, pelas luzes, pelas poesias de cordel, pelo cantor, ator e qualquer coisa não-terrena Lirinha. O cara tem algum tipo de pacto... não: todos têm ligação direta com alguma entidade superior (isso, claro, se eu acreditasse nisso). Não era música, não era dança, não era só arte, era religioso, era algo indescritível, superior a nós, algo impossível de se decifrar, que foge dos detalhes, fica longe do racional, que não pode ser colocado nunca em palavras (arte tão próxima do cerebral).

A cada música o povo todo respondia, ou cantando as músicas, ou pulando ao som da percussão, ou apenas deixando ser levado por toda a vibração. Parecia que eles haviam transformado o ar em um meio líquido e o bombardeavam com quilos de ondas sonoras que não nos permitiam a imobilidade (talvez só no meu caso que sou doente do pé. Uma boa imagem para representar-me: um gringo num terreno de macumba).

Sei que vi algo muito maior que eu. Me senti pequeno, me senti humilde, me senti maravilhado.

Ao final do show, todos da banda estavam muito felizes, o guitarrista bate no peito e no braço e olha para a platéia demonstrando que ele acreditava que a platéia tinha sangue, tinha raça, era uma demonstração de excepcionalidade; e eu percebi que meus olhos se molhavam, porque tinha feito parte daquele algo maior. Apesar de eu ser insignificante naquilo tudo, me sentia feliz por ter presenciado momento tão mágico. A minha memória não deve esquecer de nada disso.

Acho que vc iria gostar do show, por isso o email tão detalhado para quem, um dia, me apresentou a banda.

um beijo e saudades,

r.

sexta-feira, 6 de agosto de 2004

O outro Herbert Quain

Moisés é um homem de poucas e parcas paixões. Gosta de ficar em casa com a pequena família, tem o cuidado de se aprumar quando trabalha (numa repartição pública onde é respeitado) e sua predileção é descoberta fácil: livros. Já amanheceu e anoiteceu e entardeceu sentado em sua poltrona de couro curtido, marrom escuro, perto da janela do quarto aos fundos, a luz sempre fraca, a lâmpada pendurada por um fio esgarçado, ele, quase aterrado pelos velhos livros e entorpecido pelo cheiro de bolor que entope as narinas menos acostumadas.

É um homem quieto, de sorriso constante. Quando se defende das suas características, argumenta insegurança. Gosta de avistar o neto de dois anos brincando na porta do quarto. Nesses momentos o riso não é uma defesa, é uma resposta, é automático.

Se possuísse o hábito de se gabar, ouviríamos que faz o seu trabalho há trinta e cinco anos e nunca teve qualquer tipo de censura por ocasião de uma falha pessoal. É metódico do tipo disciplinado. Senta-se na mesma mesa do restaurante em que almoça, existente desde quando começou no laboro.

Possui uma coleção variada de literatura. Mas, se o pedissem para, dentre os vários, apontar um de prioridade, curiosamente não titubearia em pronunciar apenas uma curta sentença: Herbert Quain. Apesar do nome nitidamente anglo-saxão, diz-se que é do Europa oriental, sem muita exatidão quanto ao seu país, rosto redondo, barba grande e desordenada, cabelos cacheados pretos. Em sua única foto conhecida, aparenta pouca vaidade e rudeza. Como se fosse um selvagem insociável.

Tal autor gosta de temas pouco comuns, e é por isso a sua a posição de destaque para Moisés. Narra eventos inacreditáveis, que, em tese, se oporiam ao realismo; contudo, nessas fábulas, ele se preocupa em fazer crer ao eventual leitor da veracidade da mais completa invenção. Abusa de raciocínios intrincados, de uma lógica surpreendente e, quando se termina um de seus livros, sua fé cotidiana fica necessariamente abalada.

Moisés admite, com a vergonha pontuando as frases, que possui toda a obra desse homem desconhecido, quase que dentro de si, tantas são as vezes que já as releu por completo. Cita que Quain nunca escreveu um prólogo ou página que descrevesse a si mesmo, ou que fosse capaz de indicar alguma coisa sobre a personalidade do escritor, como exemplo, um livro de resenhas. Ele é um mistério até para aqueles que o lêem. Alguns chegam a duvidar de sua existência. Principalmente porque suas obras são todas impessoais. Tirando seu estilo, de fácil identificação, é complicado isolá-lo. Emprega frases rebuscadas que podem levar o incauto a imaginá-lo como um virtuose, o que é quase verdade. Como uma entidade que as pessoas visitariam por tempo específico, Moisés brinca que ele é a versão masculina da musa grega e sorri sozinho com o pensamento.

Agora que se aposentou, Moisés tem o tempo que sempre ansiou para se dedicar apenas aos seus livros. Não tem nenhuma pretensão literária, apenas gosta de revisitar as personagens e situações que lhe são tão familiares. Como se assim ele conseguisse fugir um pouco da solidão que abate os homens quando envelhecem em qualquer idade. Aos poucos, uma obsessão veio a tomar-lhe: embrenhar-se-ia para saber de Herbert Quain. Empenharia todo o seu tempo com isso, seria seu propósito, sua meta, seu fim.

Escolheu os caminhos mais óbvios: bibliotecas públicas, universidades abertas e as católicas, sebos desconhecidos, livrarias especializadas, críticos honestos, outros autores do submundo, feiras de livros, eventos literários, coquetéis com escritores, rodas de literatura, jornais específicos, publicações on-line, escolas de pensamento... e, unanimidade: os que o conheciam, não demonstravam maior conhecimento que o próprio Moisés. Alguns, nitidamente, criaram sobre a aura de mistério. Ouviu que Quain habitara durante anos uma cabana cheia de livros no meio de um deserto gelado, para o lado da Romênia, ou Hungria. Outros insistiram na tese, um tanto quanto óbvia, de que ele era um insociável. Havia os que narravam histórias malignas, assassinatos, fugas, esconderijos, reclusão. Moisés encontrou um trabalho na faculdade estadual sobre o estilo inconfundível de Quain, definindo-o como um ‘neobarroco com tendências simbolistas, mas cerebral’ e achou graça da frase; contudo, exatamente nada sobre sua vida particular. Fez amizade com o professor que redigiu a dissertação e usava algumas de suas tardes para a conversa. Moisés havia despertado o interesse novamente do mestre sobre o autor nebuloso. Chegaram ao ápice de programar uma viagem para o leste europeu, mas quando perceberam que seria improfícuo, já que não sabiam nem por qual país começar, desistiram.

Assim, com a mesma sem-cerimônia que a empolgação o dominou, tal ventania foi diminuindo, aguando, se misturando, até que o deixou só novamente. E os dias voltaram a ser o mesmo e eterno.

Uma noite, porém, ele, que não era dessas coisas, sonhou. Mas era de uma realidade tal que em nenhum momento se apercebeu do evento onírico. Principalmente por sua simplicidade, quase cotidiana. Era um ambiente que ele reconhecia: um quarto escuro, com uma infinita fileira de estantes com livros que se perdiam até o final do campo de visão, e duas poltronas, iguais à dele, no centro. Pareceu-lhe que era a única coisa a fazer e, por isso, sentou-se. Em instantes, estava ao seu lado o autor Quain. Parado, muito parecido em movimentos com ele próprio: quieto, calmo. Estavam tão confortáveis que, ao olhar de um leigo, era possível supor uma antiga amizade entre os dois. Não é imaginável apontar com exatidão como ou quem iniciou a conversa. O que realmente Moisés abalizou, entretanto, foi a voz de Quain. Suave, delicada, até um pouco infantil. Não imaginava uma voz tão doce para aquele corpanzil e se surpreendeu e ficou feliz com isso. Conversaram, se conversaram, pouco, e Moisés não seria capaz de se lembrar de nenhuma frase. Marcou-lhe apenas a voz que era terna em angular oposição ao homem abrutalhado que estava ao seu lado. Recorda com perfeição de suas mãos, dos dedos, das unhas enegrecidas que pareciam garras e os gestos vagarosos. O rosto era o mesmo rude de barba revolta e cabelo desgrenhado que sua única foto propagava. No entanto, nada foi tão marcante quanto sua voz. Vinha até ele em sussurros com poucas variações de tons, de volume, monocórdia, o pequeno som que desbancava qualquer conceito pré-estabelecido, que valia como uma demonstração de engano, de como todos estavam errados. Quain permanecia, Quain existiu, era evidente. E como podia ter imaginado ser ele um cruel?, com essa fala, ninguém pode ser maléfico. Sorriu de alegria por ter a possibilidade de conhecer essa verdade e acordou.

Acordou e buscou o conteúdo da conversação e só achou a voz, e o pensamento veio em seguida e repetiu alto, sozinho na cama: “Nunca havia imaginado tal voz”. O sonho trouxe-lhe um conforto, como se tivesse alcançado um objetivo impossível. Era a resposta que havia se proposto, o pedaço suficiente, o detalhe necessário. Podia voltar ao seu cotidiano sem sobressaltar-se, sem desesperança.

E assim, teve uma vontade quase subconsciente de se renovar, ler novos livros, entrar em contato com velhos autores, mas de obras inéditas, ou textos que nunca lera por escolha, destino, fatalismo ou qualquer outro pretexto. Numa manhã fria e ensolarada, se dirigiu para o sebo costumeiro, num beco transversal de uma rua movimentada, onde os livros não são organizados e que, para escolher qualquer coisa, perde-se horas. Moisés gosta de ser surpreendido pelas suas descobertas. O seu procedimento é o mesmo sempre: arrasta um dos bancos para perto dos amontoados e vai separando um a um, colocando em uma única pilha ao seu lado direito o que gosta, e no esquerdo o que não desperta curiosidade. É quase como um exercício físico para ele. O dono, um senhor grisalho, o cumprimenta: “Moisés, separei para você um livro que você não acreditaria se apenas lhe contasse”, traz nas mãos uma edição fininha e velha, com papel amarelado e orelhas gritantes nas páginas. Moisés levanta os olhos e questiona sem pronunciar uma única palavra, mas o senhor apenas o entrega para Moisés que vidra na capa. É um pequeno conto de Herbert Quain. Abre a página e começa a ler, fica ainda mais atarantado. O autor narra uma cena com duas personagens homens sentadas em poltronas velhas de couro, rodeados por estante infinitas de livros, e ambos conversam, mas não se entendem, pois falam em línguas diversas. Impressionantemente estão os dois familiares, mesmo que, nas aparências, não sejam amigos. São dois monólogos que não se entrecruzam, mas que se complementam. Moisés olha para o vazio e dá apenas um sorriso.

quarta-feira, 4 de agosto de 2004

Mordendo a língua

Arthur Dapieve escreve em sua coluna no Nomínimo sobre a aproximação do rock progressivo com o que é chamado pós-rock, uma tentativa de recriar o cinqüentenário com outras vertentes musicais, sem nenhum preconceito de origem ou cor.

Sua comparação faz bastante sentido, principalmente se considerarmos que ambas "vertentes" tem o mesmo princípio (modificar o and roll) e método (incluir cordas, eletrônica, criar climas etc).

Desta aproximação, apareceu um nó tático na minha cabeça caricata: Não gosto do progressivo e sou fã de todas as bandas que ele cita para exemplificar o pós-rock. Repito-as para que todos também se identifiquem (e dividamos esse peso): "O grande expoente (...) Radiohead. Além dele, eu nomearia o islandês Sigur Rós, o escocês Mogwai, o americano Tortoise, o canadense Goodspeed You Black Emperor! e o espanhol Migala".

Este último é o único provável desconhecido, e, bem por isso, objeto principal deste seu texto e de outros antigos no Segundo Caderno. Para confirmar sua tese, baixei dois cds dos moços e, sim, eles podem ser incluídos nessa galera.

Feita essa confissão de preconceito, peço algumas poucas linhas em minha defesa.

Talvez o que me incomodasse no progressivo seja a imensa pose, que é bem característica da década de sucesso, os 70. Muito por isso foram destronados pela anti-pose (mas que, a bem da verdade, não deixa de ser também fake): o punk.

O incontestável é que o roque en rou morreu num suicídio da década de 90 e o que tocam agora é apenas uma autofagia. Pelo menos esses aí de cima saem mais do lugar que os "concorrentes", fazendo algo mais (como fugir dessa palavra?) maduro, cerebral, próprio para um gênero de sua idade.

segunda-feira, 2 de agosto de 2004

Borgeanas

O velho argentino tinha um problema com o "seu tempo". Poderia ser algo até hereditário: há uma lenda (verdadeira) que seu pai, também Jorge, não informado sobre o que acontecia no mundo, levou a família para a Europa no meio da primeira guerra mundial. Por sorte, escolheram a Suiça para viver, e tiveram poucos problemas com o conflito mundial.

Também de origem familiar, é a sua doença degenerativa que o fez perder a visão. Dessa forma, as únicas imagens que obtinha eram, obviamente, as que ele lembrava. Logo, ficou de certa forma aprisionado ao passado.

Pode ser fruto de um arrependimento: Borges renega seus três primeiros livros de poesia porque (um de seus argumentos, ao menos) eram excessivamente preocupados em parecerem modernos.

"Por volta de 1905, Hermann Bahr decidiu: “O único dever, ser moderno”. Vinte e tantos anos depois, eu também me impus essa obrigação totalmente supérflua. Ser moderno é ser contemporâneo, ser atual; todos fatalmente o somos". (Prólogo da edição de 1969 de Lua Defronte original de 1925).

E em inúmeras oportunidades, afirma que não devemos ler nada que tenha menos de cinqüenta anos, repetindo um adágio de seu filósofo preferido, Schopenhauer. O seu argumento é simplista, porém certeiro: as obras mais antigas sobreviveram ao maior dos censores, o tempo. As recentes podem ser frutos apenas de uma moda, de algo passageiro e chato. Citando o pai, argumentava: "e não se deve ler livros chatos".

Fato é que ele não lia jornais e material que fosse perecível. Fica a pergunta: até quanto o escritor estava apenas sendo irônico, ou realmente não se importava com o cotidiano?

(Por outro lado sempre argumentou que o passado só existe em nossa memória, que a torna presente e que o transforma por isso)

E nós, devemos nos apoiar nesse pensamento, e ignorar o que acontece a nossa realidade?

Sei lá, não sei.