sexta-feira, 11 de novembro de 2005

Letras populares

Até o início dessa semana, Chico Buarque ainda continuava sendo "apenas" o melhor letrista de MPB a que eu tive acesso. Sua versão escritor, depois de ter lido as peças "Gota D'água", "Calabar", o romance "Estorvo" e ter assistido aos longas adaptados de suas obras "Ópera do Malandro", "Benjamim" e o próprio "Estorvo", era vista como boa. Em se tratando do filho de Sérgio Buarque de Hollanda, ser apenas "bom", é quase vergonhoso.

Seus textos - todos - possuíam uma riqueza técnica irrepreensível, como, aliás, acontece com as suas músicas em geral. O seu teatro, por exemplo, é todo rimado. Sobra capacidade. "Estorvo", em outro caso, está preso dentro de uma estrutura altamente literária, onde a trama em si é menos importante que a descrição daquilo que se passa. Quase não há concessão para o leitor. A idéia, o resumo, portanto, parece melhor que toda a narrativa - aliás, o mesmo acontece com todas as obras "grandes" do Veríssimo, filho, mas por outros motivos.

Foi então que, mais que por acaso, caiu-me nas mãos, a sua última incursão pelos literatura: "Budapeste". Devorei-o em menos de dois dias. Dessa vez, mesmo não tendo uma narração totalmente tradicional, a estrutura do romance respeita alguma estruturação. É como se, agora, ele tivesse se preocupado também com o "trabalho sujo". Lembrou-se do cimento, da argamassa, quando antes só tinha feito o acabamento - com tudo em ouro, deixemos claro.

Além disso, o assunto tratado é algo que está intimamente ligado ao meu universo. E, como já foi dito por Borges, gostar é se reconhecer. Aliás, a história é quase borgeana. Talvez por ser longa demais e conter os rípios que o argentino tanto evitava, os dois diferenciem. Chico também usa uma linguagem mais coloquial que o viejo brujo. Mas que há um parentesco entre os dois, não há dúvida.

Para quem não leu a orelha do livro do Buarque de Hollanda, "Budapeste" conta a história de José Costa, um ghostwriter e tudo o que isso implica. Ou seja, um sujeito que escreve artigos, pronunciamentos e até livros dos outros deve se orgulhar pelo sucesso alheio, sem ficar com ciúmes por não receber nenhum reconhecimento? O que vale é escrever ou ficar famoso? Ou, como numa discussão que houve em alguns blogs e sites, escrever não é preciso, receber os louros do livro pronto é preciso?

Claro que essa não é a única discussão do livro. Depois Costa se transforma em Kósta, quando aporta na cidade-título. Envolve-se com Kriska e decide aprender o idioma local, língua que até o diabo respeita (essa frase já se transformou em clichê). E, para aprendê-la, deveria esquecer por completo toda e qualquer forma de comunicação que não fosse o idioma magiar.

Mas, realmente, o principal mote é: a quem pertence a literatura? Àquele que escreve, àquele que diz que escreveu ou ao que simplesmente leu o livro? Chico não propõe uma solução final. E talvez a resposta não esteja implícita na questão acima. Talvez, esteja novamente em Borges que dizia que a literatura pertence tão e somente ao tempo. Cabe ao escritor canalizar a ânsia de seu momento, em qualquer arcabouço, e ao leitor, sorvê-la. Nesse caso, se propõe o óbvio: as diferenças entre aquele que escreve e o que lê diminuem, para não dizer que desaparecem. Chico, depois de me proporcionar tal raciocínio, faz parte da minha lista de escritores preferidos.

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