segunda-feira, 14 de março de 2011

Crítica jugular ao modus vivendis

Ontem revi "Wall-E" e retiro o que disse ano passado. É o melhor filme da Pixar. O filme inteiro é uma obra-prima. Do início, com aqueles 40 minutos de mudez, em umas das melhores peças de roteiro que já vi na vida, ao fim, com um humor, um romantismo, e uma mensagem leves, sem ser piegas, é tudo de uma excelência incomum. Aliás, já falei sobre o início?



Mas é um detalhe, nem tão pequeno, que me chamou mais a atenção, ontem. A caricatura dos hominídeos é a maior crítica ao nosso modo de viver que já presenciei. Principalmente porque apresentada e acessível para os maiores protagonistas do percurso que vislumbra um fim como apresentado: o americano médio. Seres obesamente preguiçosos prostrados em poltronas flutuantes com controles remotos, telas multifuncionais e copos gigantescos com canudos são, com a exceção do "flutuantes", o retrato de nossa geração [digo nossa, incluindo os EUA no bolo, claro].

Já disseram que a ficção científica mais fala do presente que vislumbra um futuro. Claro. Não se pode fugir do seu tempo, com raríssimas exceções de gente que está, inclusive e propositalmente no sentido de suas consequências, desconectada com o seu tempo. Penso no exemplo sempre citado: Van Gogh.

Mas voltando. "Wall-E" mostra uma sociedade que obedece a regras autoimpostas, sem nem perceber que está sendo manipulada, por uma espécie de inconsciente coletivo. Penso no caso, por exemplo, da alimentação, em que, seguindo uma série de regras escritas há séculos, o capitão ministra o que é para ser café-da-manhã, almoço e janta. Esses hominídeos seguem modas e formam fileiras de um pensamento único que assusta só de ver. Como quando descobrem, por meio de uma vozinha aveludada, que "blue is the new red", e, por meio de um botão, indiscriminadamente apertam um botão que muda a cor de seus trajes - todos, claro, exatamente iguais. Eles também ignoram o contato físico e se isolam em bolhas, mediadas por telas. A identificação é imediata. Bruuu.

Há uma cena, específica, que me faz levantar todos os pêlos da coluna: quando mostram a piscina. Parece um desses resorts em que as pessoas podem optar entre as 524 piscinas, o xadrez gigante, um buffet eternamente liberado, o arco-e-flecha, a canoagem, etc, etc, etc. Apesar de ter, aparentemente, uma variedade incrível de opções, um olhar mais, digamos, cuidadoso, ou mesmo vagaroso [evitemos outros adjetivos de qualidade], um transeunte desavisado, perdido ou isolado do mundo descobre, nesses lugares, que não há muita coisa para fazer, além de seguir a ordem, a organização, o que foi previamente traçado, o que estava escrito. É uma sucessão de emoções baratas repetidas, que retira todo e qualquer viço de frescor e retira todo o... cuidado em que as funções são apresentadas. Como se o importante fosse ter muito em vez de ter algo o bastante bem. [OK, me rendo.] Quantidade, em vez de qualidade. Horizontal x vertical. Um dos retratos mais fiéis de nossos tempos. E  mais assustador também.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Medos

"E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara." - Clarice Lispector: Restos do Carnaval

Eu tinha medo de me congelar, de me colar à cadeira e não poder me mexer. Não sabia como encarar o objeto do meu medo: todas as vezes que a ideia, simples, ligeira, passava pela minha cabeça, me encolhia dentro de mim, me acolhia com os meus braços grandes que envolviam as minhas curtas pernas, e eu esperava dormir, porque poderia não sonhar, não ter pesadelos com ele, com aquilo que eu tinha medo. Evitei o meu medo por anos, por todo o tempo que eu pude. Mas, como eu imaginava, era só postergação. Sabia, lá dentro de mim, num lugar que eu também tentava esconder, que um dia, uma hora, em algum momento, teria que - não encará-lo, mas - observá-lo, frente à frente. Tinha medo até da minha reação. Tinha medo e vergonha. Tinha vergonha de sentir medo. Por que eu não encarava o meu medo de frente? Por que eu não tinha coragem? Todo mundo tem coragem. Eu não tinha. Eu não tenho.

O dia chegou. Dividi a escolha do dia - sim, porque seria por minha escolha, não por obra do acaso, sabia que um dia eu iria escolher isso, não por coragem, mas por não poder fugir ao inevitável - em suaves prestações. Fui aos poucos. Tentei não pensar no assunto. Tentei apenas ir lá e fazer o que tinha que fazer. Tentei ser displicente. Confesso que às vezes até que conseguia. Outras, não. É a vida.

Depois, só muito tempo depois, percebi que o medo existe independentemente do espaço que reservamos para ele dentro de nós. Ele é uma parcela do nosso corpo, uma genética que passa pelas gerações. Uma forma de nos proteger, vão dizer os grandes estudiosos. Mas é nosso. E a maneira como o encaramos - não no sentido de enfrentar, mas no sentido de interpretar -, não se liga a ele diretamente. Há o medo e há a forma como vemos o medo. Podemos nos afugentar, recuar, como eu fazia, e podemos seguir adiante. O medo não é antônimo de coragem. O medo é, apesar da coragem. E coragem, descobri, não é não ter medo, mas partir para dentro do medo - não precisa nem lutar, não precisa nem mostrar os dentes, não precisa gritar. Só caminhar em direção a ele. Só dar a mão à figura mais sinistra que conhecer. Só esse estar dentro dele, se envolver nele, conhecer o desconhecido, viver sua vida, o transforma em lembrança. Em algo que passa, que é ultrapassado, que é ferramenta, que é material, que se transforma em experiência, que se anexa à carne, ao coração. O medo é da cabeça. Só agora eu percebi isso.

quarta-feira, 2 de março de 2011

O filme de Banksy

"Exit through the gift shop" ficou conhecido como o filme do Banksy. Mas o artista-famoso[também]por-não-mostrar-o-rosto não é o personagem principal desse... hum... documentário. É  o diretor. O próprio Banksy [ou quem se apresenta como Banksy, sabe-se-lá] fala, logo no início, que aquele era um filme sobre o homem que queria fazer um filme sobre ele: um francês morador de L.A. chamado Thierry Guetta, que grava tudo o que vê pela frente com suas câmeras de vídeo.

Por acaso, ou obra do destino, esse moço é primo do Space Invader, um outro artista, que também mantém seu nome de verdade em segredo, e que ficou famoso por colar adesivos e outros objetos no formato do famoso joguinho de Atari. Thierry começou a documentar o trabalho do primo e de outros artistas da chamada "street art".

Antes de progredir, acho interessante analisar - no sentido clássico - o que seria essa "street art". Com o fim dos museus como instrumentos de legitimização da arte, com a quebra da hierarquização do poder da arte, com a descoberta de outros sentidos e significados proporcionados pela própria arte, vítima - ou resultante - das vanguardas no início do século XX, alguns artistas decidiram escolher as paredes e os muros da cidade como suas telas para, utilizando de materiais como stencils, cartazes, grafites e outros elementos gráficos, estampar suas criações. Banksy é, provavelmente, o nome mais conhecido desse movimento. Suas obras desconstroem cenas clássicas do cotidiano, com uma crítica ácida e alta dose de ironia inglesa, e as retrabalham de maneira a, mesmo contra a vontade do espectador, criar novos mundos e novas formas de interpretação. Melhor que descrever, é ver.

Voltando ao doc. Thierry - sempre apresentado como um fulano no máximo esforçado - documenta todos os grandes expoentes dessa geração até chegar, por acaso, ou obra do destino, a Banksy. Em seguida - e resumindo toda a trama - ele é incentivado a, finalmente, montar um filme que mostre o que se está fazendo pelas ruas do mundo. Ele volta e, com um caminhão imenso de material, produz um filme que é classificado como horrível [admito que fiquei curioso]. O artista anônimo inglês incentiva, então, Thierry, a tentar outra coisa na vida, sabe-se lá. Ser artista de rua, por exemplo. Thierry, que estava perdido na vida, aceita. E se transforma em Mr. Brainwash.

E é nessa hora o melhor momento do filme. Essa nova persona sabe como todos os artistas se comportam, sabe o que tem que fazer, como chocar, quais obras, onde colocar, como se promover... Mas falta algo [talento? inteligência? malandragem?]. Ele contrata um grupo de designers para auxiliá-lo na feitura de suas obras, argumentando que se até Damien Hirst, o nome que mais se valoriza no cenário das artes atualmente, faz isso, por que ele não pode usar desse processo? Como não é de surpreender, Mr. Brainwash faz sucesso, apesar da expectativa em contrário, e hoje ilustra até CD da Madonna.

Como uma boa obra, o documentário deixa mais perguntas que repostas. Mr. Brainwash representa o que é feito na arte hoje em dia? O que falta a ele, que sobra nos outros? Para fazer uma obra de arte pode-se dispensar o trabalho manual do artista, deixando-o apenas como o responsável pela parte intelectual? Qualquer um pode produzir arte? Aliás, o que Mr. Brainwash produz... é arte?

Não sei responder nada com certeza. Apenas especularia. Talvez outro dia. Certo é que esse documentário é indispensável para se pensar o nosso momento histórico.

terça-feira, 1 de março de 2011

Eremildo, o idiota

"O Gaspari é um cara mau nesse sentido. Naquele tempo ele fazia coisa pior. As revistas publicavam inúmeros encartes anunciando enciclopédias, cursos pelo rádio, essas coisas. Você destacava e mandava. O Gaspari ficava colecionando esses anúncios em consultórios médicos, ou então pedia aos amigos. Preenchia com o nome e o endereço do Eremildo e colocava no correio. O número de enciclopédias que o Eremildo comprou por esse sistema deve ter sido imenso por causa dessa maldade do Gaspari..."

A entrevista com Francisco Carlos Teixeira da Silva, de 2008, fala sobre Eremildo, o idiota, a História do Tempo Presente, e muito mais coisa.

Fritada à Ana de Hollanda

"Ana de Hollanda nomeia advogada ligada a representante do Ecad para o MinC e indica que vai abandonar a reforma da lei de direito autoral".

"O Globo" veio com esse título e, no meio da matéria, do André Miranda [conhecido da casa, gente-fina], há um: "O nome de Marcia teria sido indicado para o MinC por Hildebrando Pontes Neto, ex-presidente do Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), órgão que regulou o setor entre 1973 e 1990, até ser extinto". Ou sejE, "teria sido".

De qualquer forma... Esse moço aí, o Hildebrando, me parece bem polêmico. Segundo um site de esquerda, ele é contra coisas tão básicas como domínio público. Bem, na entrevista citada ele realmente admite isso! Assustador!

ps. em outra matéria, "O Globo" afirma que o diretor Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), da ONU, defende a mudança nos direitos autorais para se adaptarem à nova realidade:
Em vez de resistirmos, precisamos aceitar a inevitável mudança tecnológica e buscar uma relação inteligente com a mesma. Não há, de qualquer forma, outra escolha - ou o sistema de direitos autorais se adapta ao natural avanço que ocorreu ou irá se extinguir.
Atualização:
Parece que 16 ligadas ao ex-diretor que foi afastado para entrar a tal advogada que seria ligada ao Ecad querem pedir demissão. Detalhe, vi a matéria primeiro no próprio site do MinC.