terça-feira, 25 de setembro de 2012

Let it Beatles

Não sou um beatlemaníaco. Moro a cinco minutos da Abbey Road e acho mó chato todos os turistas que atrapalham o trânsito da rua. Também não fui a Liverpool - por falta de tempo, deixemos claro. Além disso, não sei todas as informações secretas, nem mesmo escutei todos os discos - acho aquela primeira fase meio-bastante chata. No mais, acho idolatrias um pouco ultrapassadas. Feito todas essas ressalvas, posso elogiar despreocupadamente os quatro ex-garotos, fabulosos, de Liverpool.

Não sou, igualmente, um analfabeto no assunto, e sei reconhecer o que eles fizeram. Dizem que somos muito sortudos por ter uma geração com Chico, Caetano e Gil [só para ficar nos mais famosos]. Todos são músicos-artistas-poeta que figurariam em qualquer cápsula a se enviar para o espaço com o fim de registrar o que foi o planeta Terra no século XX, e o Brasil, na História. Agora, über sortudo seríamos mesmo se eles tocassem na mesma banda. Consigo até fazer paralelos mais próximos: Caetano é John, o artista-mais-que-músico. Chico, Paul, o gente-boa, com um talento absurdo para canções [aquelas melodias assobiáveis, empolgantes, que remexem sem que você nem perceba]. Gil, George, o músico-músico, que tem uma relação com a música que começa pelo instrumento.

Ringo, bem, Ringo é um ótimo baterista, um dos melhores do mundo de todos os tempos, apesar daquela famosa anedota que se conta*. Mas a diferença entre ele e os demais é visível. Ele é apenas um ótimo bateristas, os demais, em escalas, foram excepcionais.

Deu para ver bastante disso em "Let it be". O musical que estreou ontem e passa por todas as fases dos ex-garotos de Liverpool. O show não tem dramaturgia, apenas uma produção de alta qualidade para tentar dar um pouco da sensação de como seria assistir a um show deles. Às vezes fica a impressão de que é apenas mais um dos muitos covers dos Beatles que surgem onde há ar. Mas nenhum deles teve tanta preocupação com os detalhes da produção, como esse. Também senti falta de algum tipo de dramaturgia, que desse mais informações sobre a "biografia" da banda, ou ao menos das músicas. Poderiam ser pílulas, rápidas, brincadeiras, conversas, qualquer coisa. Apenas as músicas é... ótimo. Mas dá vontade de quero mais.

De toda forma, principalmente após a passagem da primeira - e longa - fase do "yeah, yeah, yeah", o show decola. As músicas preenchem todos os espaços vazios, de dentro do seu corpo, e você pode se pegar arrepiado com "While my guitar weeps", ou com os olhos marejados com "Eleanor rigby", além de ter a certeza de que "A day in the life" é a música mais bonita dos Beatles, para depois ficar na dúvida ao ouvir "In my life" e perceber, ao fim, que talvez seja "Hey, Jude".

O show mostrou que não precisamos "aprender" nada com a arte, que ela não precisa ter esse componente pedagógico, educativo, para nos completar. A arte é aquilo que nos toma, nos desliga, nos deixa em estado de êxtase. E os Beatles conseguem isso, mesmo na sua versão cover.

* Após viverem em Rishikesh [uma cidade supertranquila do norte da Índia, próximo de onde o Ganges, ainda puro, entra em seu primeiro vale] com o Maharishi Mahesh Yogi, eles voltam para a Inglaterra para gravar o famoso "álbum branco". Foi o início das disputas internas entre os componentes. Ringo abandona o grupo por um curto tempo, deixando a bateria de algumas músicas para Paul. Após o lançamento do disco, John é perguntado por um jornalista se Ringo era o melhor baterista do mundo, no que John responde que ele não era o melhor baterista nem dos Beatles.

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