segunda-feira, 28 de julho de 2014

A esquerda, a direita e outros bichos

A esquerda quer mudar o mundo. A direita enxerga no mundo a sua verdadeira face. A extrema esquerda vê nessa verdadeira face do mundo, sua beleza. A extrema direita não acha nada belo, além do próprio espelho. O centro é talvez, depende, quem sabe.

A esquerda acredita que o homem pode mais. A direita vê a miséria dos outros e dá de ombros, c'est la vie, ou melhor, that's life. A extrema esquerda fica revoltada e quer mudar isso de qualquer jeito. A extrema direita fica revoltada e quer que os outros se explodam. O centro é contrário a ser do contra.

A esquerda pensa nos outros, no coletivo, no a-gente. A direita age, no máximo, pela própria categoria. A extrema esquerda quer que todos ajam no coletivo, pela gente. A extrema direita acha que ninguém é igual a ela. O centro escolhe não escolher.

A esquerda é um por todos e todos por um. A direita é farinha pouca meu pirão primeiro. A extrema esquerda é Chaos AD, Tanks on the streets. Confronting police. Bleeding the plebs, mas como crítica. A extrema direita é capitão Nascimento, primeiro filme. O centro é devagar, devagar, devagarinho.

A esquerda é movimento. A direita, estática. A extrema esquerda é espoleta, a extrema direita, explosão. O centro é em cima do muro.

A esquerda é para frente, a direita, para trás. A extrema esquerda é para um lado, a extrema direita, para o outro. O centro é ponto morto.

A esquerda quer mais diálogo, a direita, um líder, a extrema esquerda um líder forte que dialogue, a extrema direita, o filho de deus. O centro dos Beatles E dos Rolling Stones.

Aliás...
A esquerda é Beatles. A direita, Rolling Stones. A extrema esquerda, Clash. A extrema direita, Johnny Ramone, só ele. O centro pergunta do jogão de ontem.

A esquerda quer arte engajada. A direita acha que a arte deve mirar o sublime. A extrema esquerda não acredita em arte que não seja política. A extrema direita queima livros que não concordem com ela. O centro leu "O pêndulo de Foucault", mas prefere não opinar para não ferir suscetibilidades.

A esquerda muda, a direita fica, a extrema esquerda é a própria revolução, a extrema direita, a involução. O centro passa essa pergunta.

A esquerda é mais Estado, a direita é menos Estado, a extrema esquerda é sem Estado, por um lado, a extrema direita, por outro - ou muito Estado, o que for pior. O centro ainda está indeciso. Ou vota com a maioria.

A esquerda acredita no outro. A direita acredita em si. A extrema esquerda não acredita. A extrema direita acredita em Deus. O centro depende da plateia.

A esquerda é democrática, até ser contrariada. A direita é contrariada pela democracia. A extrema esquerda não é lá muito democrática, a extrema direita não é, definitivamente, democrática. O centro não é contra nem a favor - muito pelo contrário.

A esquerda ri, mas acha que não deveria. A direita não ri, mas acha que deveria. A extrema esquerda não ri, e acha que não deveria. A extrema direita não ri e tem raiva de quem o faz. O centro ri, adora um carnaval, uma mixórdia e uma folia.

A esquerda adora o povo. A direita enxerga no povo identidade. A extrema esquerda se acha o povo. A extrema direita quer acabar com o povo. O centro [se] frequenta, às vezes, o povo.

A esquerda é manifestantes. A direita, O Globo. A extrema esquerda é black bloc, a extrema direita, polícia. O centro quer saber se vai dar praia no fim de semana.

A esquerda é socialista, a direita, corporativista, a extrema esquerda é anarquista, a extrema direita é só imbecil, mesmo. O centro não gosta muito de política.

A esquerda acha que todos são iguais, até que se prove o contrário. A direita acha que todos são diferentes, e ninguém vai provar o contrário. A extrema esquerda prova que todos são iguais, e ai de quem acha o contrário. A extrema direita acha isso uma palhaçada. O centro pede mais calma.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Dispersão

[...] Nossa geração que não consegue manter-se focada em determinados assuntos por muito tempo? Ou seria melhor chamar de geração displicente? Não no sentido de ser negligente, mas no de ser relaxado, naquilo que os anglófilos chamam de “laid back”, e que os brasileiros e os fluminenses são muito conhecidos como produtores de. “Dispersa” é melhor, acredito. Vamos nos perdendo, trocando de assunto, clicando em link que gera outro link, e mais outro, e outro. Nos diluímos em nosso meio, nos misturando, perdendo as fronteiras. Fazemos tudo ao mesmo tempo-agora, ansiosos, nervosos, vidrados, super-homenamente, e nada exatamente completamente.

Um livro, esse objeto que requer bastante da concentração das pessoas, seria como uma espécie de obra de arte em si. É uma escultura, uma escultura interativa, em que as pessoas poderiam refletir sobre a questão da dispersão – mesmo que não lessem uma única linha. Bastava olhar para ele, tocá-lo, lembrar-se que é necessário passar horas com ele, dias até, se dedicar, entrar num mundo completamente diferente do seu, se retirar de onde você está, abdicar da visão única da vida. O livro é uma peça de resistência.  Uma maneira de se agarrar a tradição. Isso é ser conservador? 

Essa superficialidade – essa vontade consciente de se ater apenas às superfícies, que cada vez mais se aprofunda – cria uma outra forma de relação com o tempo, com a passagem de tempo. Antes, ser profundo era uma vantagem, era sinal de mais, de algo a mais. Ser profundo queria dizer mergulhar no passado, saber detalhes até, às vezes, insignificantes, do que se queria conhecer. Era um mergulho vertical, de encostar o nariz no fundo do mar. Agora, há uma horizontalidade. Não se é mais profundo, mas se enxerga além, ao longe, para o largo e avante, outros e mais assuntos, um pouco sobre tudo, tudo sobre o nada. Não dá para fazer uma hierarquia de saberes aqui. 

Estamos em boa companhia quando o assunto é déficit de atenção. Dizem que Einstein, Walt Disney, John Lennon também tinham. Leonardo da Vinci também. Começava um trabalho e logo era distraído para fazer outra coisa, e deixava inacabado o trabalho inicial. De seus quadros, quase todos não estão finalizados, em diferentes graus de acabamento. Há histórias de que ele teve que voltar quase uma década depois para acabar a segunda versão da “Virgem das rochas”, que iniciara e já tinha sido pago. Em outros casos, era comum que ele desenvolvesse um material para ser usado na pintura que se conservasse fresco por um tempo maior, para que ele pudesse produzir suas obras na velocidade que ele quisesse. Poderia dar uma pincelada hoje e ir para casa. Passar uma semana fora, voltar, e apenas observar o que já tinha sido feito, refletindo sobre o próximo passo a dar. Retornar no dia seguinte e passar quatro dias pintando, sem se alimentar de nada. Foi o caso da “Última ceia”, e, inclusive, o motivo da sua ruína: ter usado uma mistura de tinta a óleo com ovo que pereceu em poucos anos. 

Se por um lado Leonardo é visto como o grande nome do Renascimento, quase uma síntese desse movimento, um homem que trafegava por áreas de atuação das mais variadas possível, por outro, esquece-se que, até os 30 anos – já uma idade avançada, para a época, salvo em casos exemplares e exceções, como Michelangelo, que viveu mais de 90 anos – ele não tinha produzido nada realmente relevante no campo da pintura para ser considerado um gênio. Quando se oferece para o Sforza, o duque de Milão, se vende – no sentido de mostrar suas qualidades – como um engenheiro, como alguém que conseguia produzir equipamentos militares, armas que tornariam a cidade-estado mais poderosa. 

Sforza era um homem que não estava na lista da sucessão do trono, mas que dá um golpe no seu sobrinho, de 7 anos, filho do seu irmão mais velho, que acabara de falecer, e sobe ao poder. Era um homem educado nas artes militares, o que não era comum entre os príncipes distantes do verdadeiro comando. Eles geralmente estudavam apenas o clássico: artes, línguas, matemáticas. Por isso, talvez, ele aproveita o talento artístico de Leonardo para recriar, ou emular, a academia de Platão, com Da Vinci como chamariz principal e grande nome. Foi o primeiro a descobrir a força dessa “marca” – e a partir de então, o mundo o vem venerando. Uma marca dispersa.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Faculdade do juízo

A beleza é a categoria do que é belo. E o belo é algo praticamente inexplicável. Praticamente, mas, ainda, assim, tentável. Diz-se que o gosto é subjetivo, cada um tem um seu. Mas como justificar que, se o gosto é assim algo tão pessoal, tão verdadeiramente individual, como defender que temos a certeza inquebrantável de que as pessoas vão achar belo aquilo que nós achamos, como se fosse algo evidente? Quando vemos, ouvimos, temos acesso a algo belo, somos tomados de uma certeza tão profunda, tão verdadeira, tão plantada em nossas raízes que esquecemos dessa origem, olvidamos que somos pessoas isoladas umas das outras e não cogitamos a hipótese de esse sentimento tão arrebatador ser somente nosso. É como se a beleza tocasse em algum pedaço da nossa personalidade que estaria anterior à individualidade, fosse formada antes dessa separação, que atingisse uma área do nosso ser ainda mais seminal, em que não identificamos nossa própria personalidade, algo ainda mais original, quando não nos separamos dos demais, num panteísmo ateu. É como se houvesse uma visão, uma revelação e nos colocamos, nos vemos assim, como representante dos homens e mulheres do mundo, um representante representativo, que se foi emocionado, se foi tocado pela beleza, essa fada-madrinha, essa musa, todas as pessoas, por serem igualmente humanas, também seriam sensibilizadas.