sábado, 9 de maio de 2015

Maracãnã

"Próxima estação: Maracãnã", diz a moça da gravação que anuncia as paradas do trem. "Cuidado com o espaço entre o trem e a plataforma", diz ela também. Hoje o trem parador não deve em quase nada para o metrô. O ar condicionado funciona regularmente, a lotação é máxima na hora do rush, o sistema tem defeitos com uma cotidianidade impressionante. Mas o "Maracãnã" é diferente.

É uma das poucas estações em que se pode fazer a troca entre o trem de superfície e aquele que passa uma boa parte da sua existência embaixo da terra. Mas a maneira como a anunciante do trem oficialmente ao ar livre cita a estação do estádio homônimo, da saudosa Uerj, do Boulevard 28 de setembro que me fez ver pela primeira vez uma calçada musical e pensar que o poder público também podia cuidar da cidade, é totalmente diferente da sua colega do metrô.

No trem, a moça com forte sotaque carioca, que quase chia ao dizer Deodoro, acrescenta um til sobre o penúltimo "a", que "anasalisa" a letra como se a palavra fosse cantada por um baiano de Feira de Santana recém chegado à Novo Rio. Curiosamente, ninguém parece reparar. Nenhuma outra estação recebe esse tratamento. Apenas aquela que nasceu a partir do estádio que nasceu do bairro que nasceu do rio que nasceu dos inúmeros papagaios que povoavam a região quando os europeus primeiramente chegaram ali, quando a água ainda era limpa, e a mata, abundante.

Como se a moça quisesse relembrar como era a pronúncia tupi (será que é assim?).

Como se diante do estádio morto e ressuscitado num corpo que não lhe pertence, ela quisesse lembrar uma época anterior ao cimento.

Como se em frente ao esqueleto cinzento da universidade criada sobre os escombros ainda fumegantes da favela, ele relembrasse um passado em que ninguém precisava se preocupar com moradia - porque a abóboda do céu era o teto - ou educação formal.

Em Quintino, Bento Ribeiro, até no Méier ou Madureira, esses nomes tão europeus, ela capricha no sotaque carioca descolado. Maracãnã é o momento de nos lembrarmos que havia algo aqui há muito mais tempo que meros 450 anos. Não adianta acinzentar o verde.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Lascas

Balança, balança e não sai do lançar
Planeja, planeja e nunca cai ao mar
Se joga, se joga sem qualquer descansar
Faz rima, faz rima, que sempre ficam no ar.

Movimentos em círculos concentrados
Rodam sem aviso prévio ou férias
Voando aos extremos desmeridionados
Sem passagem pelos trópicos maismolentes

Fixos no congelamento das certezas fundadoras
Se arrepiam ante o ponto de questão
Apregoam o cinema da década de 1930
Suas metáforas que sustentam a discussão.

Se desconfiassem que flutuamos sobre um abismo
O nada, único e somente, ancora
O fim, próprio, autêntico, compartilhável
Mas ninguém sabe onde fica o retorno!

Se a marca da dúvida fechasse as frases
O chão de geléia irreal nos assegura
O céu róseo de outono como desafio
Mas o horizonte com significados mutantes!

De quem faço esse retrato?
Enxergo o lago de Narciso
As lentes são caixa de lápis
Meu mundo / minha alma / meu mundo / minha alma

Carrossel sem circunferência exata
Plano de voo desconstruído às pressas
Movimentos pendulares foucaultianos
Sou a cada momento o momento que acaso sou

Transito sem responder a questão
Desdigo o que dois e dois são
Evito tentativas de afirmar o não
Construo com passos lentos um caminhão