quarta-feira, 3 de abril de 2019

As respostas prontas do ideário olavista ou bolsominion

Se há uma "vantagem", acho, de estar profundamente perdido em relação ao futuro, ser um branco entediado e absolutamente privilegiado, é saber o que passa pela cabeça do, ou me identificar, mesmo, com o ideário olavista ou bolsominion, sem precisar participar dele [porque há limites para tudo]. Não quer dizer que eu concorde com eles, ao contrário, desaprovo profundamente a maneira como eles agem, mas é como se eu soubesse de onde sai toda essa raiva, qual é a origem de toda essa frustração.

Estou falando dessa figura classe média que sente um absurdo vazio e insegurança em relação ao que vai ser de si e do futuro - mas raramente diz isso em voz alta, mais raramente ainda para um homem -, esse personagem profundamente fragilizado, apesar da aparência de indestrutível. Esse personagem fálico, perdido,  mimado, leite-com-pera, que foi criado sob um arcabouço de desejo neurótico, com pais superprotetores, que se sente injustiçado com o seu entorno, perseguido paranoicamente, perdendo direitos, direitos quase divinos, e quer fazer alguma coisa para mudar tudo, voltar a ser como era, e, porque é bom, se considera bom, quer resolver todos os problemas, se filantropicamente, melhor, salvar os ursos polares, acabar com a injustiça social, destruir a violência, ter mais saúde, educação e outras generalidades, desde que não precise se mexer muito do sofá onde navega no celular da Apple pelo Twitter e, em alguns casos, pelos fóruns do 4chan.

É um sujeito raso, que patina sem sair do lugar, sem tesão pela vida, morno, que aprendeu que o desejo é apenas a subjugação do outro e da outra, ou é se tornar o centro do mundo, o ápice da Terra, que recebeu a informação, repetida até a náusea, de que era especial, único, primeiro colocado em tudo, e, se não fosse, o problema não era exatamente dele, mas de alguém que o invejava e atravancava o seu caminho. Um cara narcísico, ressentido, que ganhou como meta de vida a felicidade, esse termo genérico que veio substituir o paraíso cristão, e um pacote, como os de agências de turismo, com metas a prazos a completar para chegar "lá". E quando chega "lá", decepcionado porque não é exatamente como prometeram, é oferecido para ele comprar novas extensões, como jogos de videogame ou de tabuleiro, para que essa busca pela "felicidade" não tenha fim.

Esse sujeito que tem tantos rostos, tantas maneiras de experienciar esse modo de vida, que pode ser menos ou mais sensível ao seu entorno, que pode estar mais ou menos afundado, sem conseguir enxergar um horizonte diferente, que é urbano, mesmo que more em cidade pequena, que é branco, mesmo que seja filho de pardos, que é heterossexual, mesmo que não consiga esconder a atração por outros homens, que é homem-garoto-jovem, mesmo que mulher, coroa, velho, esse sujeito-maioria, que repete fragilmente frases de efeito para si, na tentativa de se manter convencido, tem alguma coisa em comum: está, ou esteve recentemente, sem qualquer perspectiva.

Ao mesmo tempo, esse sujeito estava também com raiva, com energia represada, juvenilmente querendo quebrar, destruir, ser do contra, acabar com a narração principal, descobrir uma verdade subterrânea, escondida, que só ele saberia encontrar, porque ele é único, especial, buscando ansiosamente se descobrir, saber qual é a sua assinatura, sua identidade, sair da posição de desconforto em que não se enxerga, uma posição que ele não está acostumado a permanecer durante muito tempo.

Da combinação desse vazio com o excesso de energia, buscou-se respostas para as perguntas mais genéricas: o que vou fazer na vida adulta? Qual será a minha profissão? O que é desejo? Onde está a minha felicidade? Ele sabia que o formato de vida dos pais e avós não funcionava mais - mesmo que ele não saiba exatamente o que é esse formato. Ele queria sentir o arrepio da descoberta, a surpresa da novidade, queria se sentir de novo especial, como ele se sentia com os pais, quando ele era o centro do mundo - deles. Mas não: agora ele não tem direito a mais nada. Perdeu tudo o que ele tinha, ou achava que tinha.

As respostas prontas começam a aparecer e a se multiplicar. Nada complexo, ao contrário: quanto mais simples for entender e reforçar a ideia de como ele é uma vítima do mundo, de como ele é um perseguido, melhor.

As cotas, por exemplo.
Não é justo que algumas pessoas tenham vantagens sobre as outras, Enzo pensa. Todos são iguais perante a Justiça, todos deveriam ter os mesmos direitos. Por que algumas pessoas têm mais direitos que outras? Não é praticando o "racismo inverso" que vai se consertar uma desigualdade antiga. Claro, a escravidão foi errada, mas já faz muito tempo, os negros poderiam superar esse passado, em vez de carregar o problema até hoje, com mimimi. Por isso que não "evoluem". Eu não tenho culpa se os africanos foram escravizados. Até os próprios africanos escravizavam outros africanos. O vestibular deveria ser baseado apenas exclusivamente no mérito, nada mais. Os melhores entram, os demais vão trabalhar em outro lugar. Assim que é a vida.
Enzo continua a raciocinar, tentando buscar respostas para as suas frustrações, colocando as culpas pelos seus fracassos nas costas de outras pessoas - porque ele é o centro, ele é especial.
O mesmo acontece com esse exagero de gays, ele pensa. Antigamente não era assim. Todo mundo sabe que a felicidade só existe entre homem e mulher. Nada contra dois homens juntos, mas não precisa mostrar para todo mundo. É nojento. Fica no canto, escondido, que nada vai acontecer. Os gays, antigamente, eram mais discretos. Precisa ser tão exagerado? 
Ele não saberia dizer quando seria esse "antigamente", muito menos quer abrir mão de ser o centro das atenções. O principal desgosto é outro, entretanto: como o simples fato de outras maneiras de existir, além da sua própria, afetam diretamente suas respostas-prontas, suas respostas-valise, e, consequentemente, balançam todo o edifício que está tentando construir para proteger sua própria vida. Ele ver um homem beijando outro homem o deixa em dúvida se ele deveria também beijar homens, se isso é o certo. Jamais acessando os próprios desejos, ele nega peremptoriamente, e de antemão, qualquer possibilidade outra que não aquelas que reforcem o lugar que ele escolheu e repete para si, como uma ladainha.

O mesmo tipo de perseguição acontece com mulheres, principalmente mulheres que não compartilham do seu credo. Ou com gente que pensa ligeira ou brutalmente diferente. Ou com gente que defende mais dúvidas em relação ao seu modo de viver do que apenas seguir em frente, como um animal de rebanho. Enzo coloca tudo dentro do mesmo guarda-chuva e os ataca com um único petardo: comunistas! Uma palavra apenas que junta todos os problemas do mundo, bem simplificadoramente. Basta apenas eliminá-la que a felicidade, esse novo paraíso terrestre, chegará, ele parece pensar. Se consegue admitir um pouco mais de complexidade, diria que não ainda, não tão facilmente, porque a eliminação do ideal comunista vai demorar ainda anos, já que estamos contaminados até nossas almas. Devemos resgatar os valores, devemos relembrar o passado, devemos salvar a civilização Ocidental dos ataques do relativismo, do tanto-faz, da pós-modernidade. Ninguém é igual a ninguém, ele grita da janela da sua casa, tentando reforçar suas diferença e superioridade em relação aos demais mortais.

Diante do buraco, se começarmos a nos perguntar demais sobre para onde ir, talvez fiquemos paralisados pela incerteza, pela insegurança em relação ao movimento. Nada parece nos garantir que um ou outro caminho vai nos tirar dessa incerteza lancinante. Se temos apenas uma relação de tentativa e erro, qual critério usar? Enzo sabe bem qual - um que o mantenha no topo da pirâmide social, sem qualquer movimentação. Ele quer a estabilidade para poder se enxergar no espelho e ajeitar o cabelo.

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