sexta-feira, 19 de abril de 2002

LINgUAGEm CAnInA

O grande problema de fazer mudanças é o medo de deixar alguma coisa para
trás e não saber se vai ou não achá-la a tempo de usá-la quando necessário.

Você está fazendo opções. Escolhendo. Selecionando o que agora é mais útil.
Só sobreviverá quem trouxer maiores ganhos. O problema é errar. Ou perder
algo no caminho.

O ser humano nasceu para mudar. Ele tem que mudar. Acostumando-se a ordem
vigente ele se torna um parasita. A sua única necessidade é a fisiológica.

E as mudanças são para alçar maiores vôos (olha o clichê). Encarar um mundo
novo (mais lugar-comum). Enfrentar os desafios que, ao nascer, você sabe que
vai ter que enfrentar.

Não é determinismo. Não é destino. É apenas o traço de vida que você sabe
que vai ter que percorrer. Os muros que vai ter que atravessar. As mudanças
que vai ter que realizar. E mudar se resume a escolher.

Estou me mudando. Mudei o tipo de desodorante, o tipo de cueca e da minha
casa. Saindo da casa que sempre morei desde que nasci para ir morar sozinho.
Deixar de ter a companhia e o conforto que tinha com a minha mãe para
enfrentar tudo sozinho.

Ontem, ao fazer minhas malas, minha mãe saiu de casa. Ela não queria ficar
em casa enquanto eu estivesse saindo das saias dela. Ela é foda. Não quer
que eu saia por que não quer que eu fique longe dela. Mas é o meu patrocínio
na empreitada. Por enquanto ela paga metade das minhas contas. Só para eu
morar sozinho.

E até a minha garganta fechou em alguns momentos. Não sei, até agora se é a
coisa certa. Mas acho que fui muito pouco impulsivo quando criança. Acho a
impulsividade uma dádiva quando bem ministrada. E andar na corda bamba com
uma rede de proteção é bem mais fácil.

Empacotei ontem várias coisas minhas. Coisas que não via há milênios.
Lembrei de outras que queria ter esquecido. Joguei fora algumas que não
quero lembrar mais. E o meu quarto ficou vazio. Silencioso. Sem nada para me
acompanhar. Vou acabar essa crônica e desmontar o computador. Ele vai
comigo. Essa é a última crônica dele aqui. Depois só no Flamengo.

Coloquei tudo em sacos plásticos mal feitos. Amadores. E hoje de manhã
quando entrei no computador procurei meus óculos e não tenho a mínima idéia
de onde eles estão. Como eu estava dizendo, o grande problema de mudanças é
não saber aonde deixou as coisas.


Voltado da Barra para o meu novo apartamento na sexta-feira, peguei uma van
que estava escrito Zona sul - centro. Perguntei para o motorista se passava
no Flamengo, e subi. Muito chique essa vida.


Foram entrando várias pessoas com várias expressões de vários lugares. E eu
vi algo que não acreditava. Subiu uma senhora e perguntou se passava na
Atlântida. Quer dizer, então, que existem pessoas reais, que moram em frente
a praia mesmo? Não era só lenda?


Na mesma van subiu uma outra menina que queria saber se passava em
Copacabana. "E passa na praia". Ai eu não acreditei. Duas de uma vez só. O
pior foi quando pegamos um maluco que estava hospedado no Copacabana Palace.
Êta provincianismo.

Mas não era sobre isso que eu queria falar. A menina ficou do meu lado no
banco que fica de frente para todo mundo na van. De costas para o motorista.
Teve uma hora que ela esticou a perna de uma forma que eu fiquei mais
confortável. Me senti como ela estivesse incomodada comigo e me ajeitei para
que ela pudesse voltar a posição que estava acostumada. Eis que ela solta a
seguinte pérola inédita na minha vida: "esteja a vontade". Ah? Como assim?
Isso é muito para a minha cabeça.


Depois, mais de noite, saindo para encontrar o Iuri (ele esteve aqui no
Rio), marcamos na Lapa. Peguei um ônibus em frente de casa e em dez minutos
(repito 10 minutos) cheguei no destino. Na volta consegui uma carona com a
Ludmila que me deixou na esquina da minha casa. Assim vou ficar mal
acostumado.


Enfim.
É melhor parar porque tenho que mandar esse texto ridículo para o Caim,
desligar a máquina, desmontá-la e esperar a minha tia que tem uma kombi para
levar minhas coisas.

E para terminar, um conselho à Iuri, mudem.

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