LINgUAGEm CAnInA
A semana inteira fiquei pensando em que escrever. Uma coisa era certa na
minha cabeça: não queria fazer algo que já tinha feito. Queria que essa
semana fosse diferente. Mudasse um pouco. Nem que piorasse, o que acho
particularmente difícil.
Falar sobre o enecom e como ele foi importante para mim. Isso até passou
pela minha cabeça. Dizer que, como diria Aldous Huxley, as portas da minha
percepção foram realmente alteradas. Dizer que algumas coisas antigas que
não passavam pela minha cabeça há uns bons quatro anos deram seu ar da
graça. Mas acho que ainda não tenho um distanciamento histórico que me
permita entender realmente o que houve. Ou tenho e tenho medo do que ia
sair.
Nessa semana fui chamado de pessimista. Pela décima milésima sétima vez.
Pareceu um elogio no início. Depois, como é de costume, me analisei para
chegar no cerne da questão. Por que sou pessimista? Por que gosto tanto de
ser pessimista? Não quero falar sobre isso agora.
Pensei em ser falcatrua. Usar um trabalho da faculdade aqui. Colocar, com
algumas modificações, algo que tenha feito nas coxas para poder tirar 7 e o
professor me deu 9 ou 8 e meio, aqui. Mostrar como se aprende ser falcatrua
naquela faculdade. Isso eu aprendi no enecom. Como todas as faculdades de
comunicação do Brasil inteiro são falcatruas.
Meu humor muda a todo momento. Se alguém ficar perto de mim por mais de uma
hora perceberá que saí do animado para o completo depressivo sem esperança.
Não acredito em nada e no papai noel no momento seguinte. Devem ser os
hormônios.
Pensei em falar sobre minha mãe. Ou sobre meu pai. Ou sobre eles. Ou sobre
nós. Mas deixarei isso para o futuro. Algumas coisas diferentes realmente
estão acontecendo.
Por isso vou publicar uma coisa que acabei de fazer. Não tenho nenhuma idéia
do que é. Apenas tive vontade de escrever. E foi. Está aqui do meu lado.
Está em papel ainda.
Boa sorte. Para nós todos. Às vezes nós precisamos. Mas só ás vezes.
(antes de começar a ler, coloque para tocar
PLACEBO: WITHOUT YOU, I´M NOTHING)
O VALE DAS MULHERES QUE DIZEM NÃO
OU
AS MULHERES QUE DIZEM NÃO
Há um vale
No meio de dois morros
No final do bosque
Mais verde de dia
E escuro de noite
Um vale que todos
Temos acesso
Mas poucos reparam
Ou reparam de maneiras
Diferentes
Ou reparam em personagens
Diferentes
Onde tudo funciona em desacordo com
o que imagino
tomam o desjejum a tarde
comem só a forma
jogam o recheio fora
calam quando deviam falar
andam quando estariam paradas
e são apenas mulheres
só mulheres moram no
vilarejo
mulheres comuns
que podem até se conhecer
mas é raro e não importa
o que chama a atenção
é que fazem exatamente
aquilo que peço para não fazerem
se mando pular, voam
se é para correr, estacam
se ririam, gargalham
as mulheres sempre extrapolam
surpreendentemente
surpreendem
fazem tudo diferente
deliciosamente
diferente
e sempre me apaixono por elas
uma de cada vez.
Ou,
O que é mais raro,
Todas juntas.
Ronaldo Pelli
APENAS
No final
Penso
Se apenas
Não quero
Apenas
Um mulher
Com rostos
Diferentes
Apenas
Podem ter todos
os sotaques
podem gostar de tudo
podem brincar
ou fugir
podem ser quem
quiserem
apenas
penso
que só procuro
um mulher
que se transveste
de outras para me enganar
como se corresse atrás
de ninfas em florestas
da antigüidade
que só existem
em imaginação e
em filmes ruins
e todas as vezes
que chegasse perto
dela,
ela sumiria e apareceria
no final do bosque
ou atrás daquela árvore
apenas
parece que escorre entre os dedos
parece que só posso provar
e cuspir
só posso degustar, como vinho
para fingir que me lembro
apenas
para montar lembranças
para me alegrar
apenas
talvez o gosto
seja muito doce
e enjoe
apenas talvez
ou apenas tenho que
ficar sozinho
apenas isso
apenas sozinho
sempre
e é melhor me acostumar com a idéia.
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