sexta-feira, 19 de abril de 2002

LINgUAGEm CAnInA

(som de telefone chamando)

- Alo?
- Alo, sabe quem está falando?
- Não acredito que tu ligaste. Estava sentindo saudades tuas...
- Você não está falando sério. O seu último e-mail foi totalmente lacônico.
- Mas é que eu estava com pressa na hora de responder.
- E por que não respondeu a última mensagem?
- Tu mandaste uma outra mensagem? Tu não trabalhas não?
- É que o meu trabalho está muito tranqüilo. Quase não tenho nada para
fazer. Assim, é pior e penso mais em você.
(silêncio)
- E percebo o quanto idiota eu sou. Eu sei que nós nunca daremos certo.
- Você e o seu tom pessimista...
- Mas é claro. Eu sei os seus defeitos e não ligo. Eu sei o quanto você não
me quer como eu sei o dia que você vai me deixar. Ou me trocar. Ou preferir
outro.
- Está ficando melodramático...
- Desculpa. Me exaltei. Aliás, quero pedir desculpas por ter te cobrado
coisas no e-mail. No segundo e-mail.
- Que coisas?
- Pedi que você falasse com todas as letras se queria que eu te visse ou
não. Te cobrei uma atitude de compromisso, de namoro, que nós nunca tivemos
e você deixou bem claro que não queria.
- Não foi bem assim...
- Não adianta melhorar as coisas. Acho que você vê em mim um porto seguro.
Enquanto não tiver com nada melhor, você me tolera, me agüenta.
- Pára.
- Desculpa. Você me faz sentir uma insegurança que não sentia há muito
tempo. Talvez isso é o que mais me fascina. Não, isso é, com certeza, o que
mais me fascina. Acho que só nos apaixonamos por pessoas que não gostam da
gente. É um sentimento meio masoquista.
- Não é bem assim. Eu, pelo menos, não sou assim.
- Como não? Você não gosta de mim do jeito que eu gosto.
- A gente não falou sobre a teoria do gira-mundo? Acho que um dia nós vamos
nos encontrar e ai teremos uma vida em conjunto. Mas agora não dá.
- Claro. Vamos então prorrogar tudo porque um dia, se as coincidências do
mundo deixarem, nos encontraremos novamente. Sabe o que isso me lembra?
- O quê?
- Um amigo meu. Ele saía com uma menina que era perfeita. Era uma moreninha
de olhos claros, linda, linda, linda. A menina era super inteligente,
gostava das mesmas que ele e, para melhorar a situação, amava o cara. E sabe
o que ele fez?
- Ãh?
- Largou a menina para ficar sozinho. Ele não gostava dela. Ela era perfeita
e ele não gostava dela. Um outro dia eles se encontraram. Ele, como sempre,
estava sozinho, tentou se aproximar. Mas a menina estava acompanhada.
- O que tu queres dizer com isso? Que tu és perfeito, e que eu estou
perdendo a oportunidade da minha vida não ficando contigo? Que quando
acordar, você vai estar longe e resolvido?
- Não. Quero dizer que queremos sempre as coisas mais complicadas. Não
gostamos das facilidades da vida. Eu não sou perfeito, como a menina também
não era, mas provavelmente não tinha ninguém, e dificilmente encontrarei
alguém, que gostará da forma que a menina gostava de mim.
- Então, quer dizer que o garoto era você?
- É. Eu acho que você veio na minha vida somente para me explicar os tipos
de relacionamentos que estava tendo. Olho para trás e enxergo o quanto
perdi. O quanto desperdicei.
- Mas será que vale a pena ficar com alguém que tu não gostas? Talvez tu
fostes somente verdadeiro. Contigo e com ela. Você não a enganou. Apenas não
queria ficar com uma menina que não gostavas.
- Como você está fazendo comigo.
- Mas como ficaríamos? Tu moras a 18 horas da minha casa.
- Queria que você tivesse se entregado de corpo e alma no relacionamento.
Que tivesse pulado de cabeça. Que caísse em queda livre e esquecesse de
puxar o pára-quedas.
- Mas...
- Todas os meus relacionamentos que não deram certo, eu é que fui o culpado.
Fui um covarde. Com medo de estatelar no chão, sempre pedia uma rede de
proteção. Com você, talvez por morar longe, e saber que não teria tempo de
parar de gostar de você, me joguei. Não queria, nem quero saber de nada. Não
me importava para os problemas. Só queria ter a oportunidade de estar com
você. Só agora estou racionalizando isso.
- Eu, quando me envolvo com alguém, não quero ser só metade. Por isso não
queria que a nossa vida acabasse em uma semana. Eu tenho que acreditar que
um dia nós vamos nos encontrar para diminuir o arrependimento por ter
passado a oportunidade. Por você ter passado.
- Acho que gostei disso...
- É isso. Eu quero você, mas não posso mais gostar de alguém que more longe.
Foi exatamente assim no ano passado. Tu não tens idéia de como é ruim gostar
de alguém que mora longe de você. Tu não sabes o que é saudade.
- Mas não me deixaram aprender.
- Quero te poupar disso...
- Mas eu não quero...
- Quero me poupar disso. Acho que já tive esse tipo de sofrimento por toda
uma vida. Repetir o mesmo erro seria burrice.
- Mas não seria igual.
- É fácil falar. Mas como você poderia mudar?
(silêncio)
- Gosto de você.
- Eu também.
- Você nunca falou isso para mim.
- Gosto de ti.
- Você é a minha catarinense preferida.
- (risos) E quem são as outras.
- Não tem outras. (pausa) Não sei se vou te visitar no próximo feriado. Não
sei se devo. Não sei se vai ser bom. Para mim.
- Não posso falar nada.
- Por isso que eu acho que não devo. Você não tem certeza.
- Tu começaste de novo. Você quer que eu diga, eu digo então: EU QUERO QUE
TU VENHAS. O que mais? Tenho que assinar um papel para te provar isso?
- Mas, você tinha falado...
- Falado o quê? Que não queria que tu viesses? Eu não disse isso em nenhum
momento...
- Não foi isso. Você disse que tinha medo de se apaixonar. Por uma pessoa
distante, pelo menos. Como você vai me tratar aí? Como posso ter certeza
disso?
- Eu não estou acreditando no que tu estás me pedindo. Tu queres que eu
garanta que eu te tratarei bem, é isso?
- Não, não é bem assim...
- Você está de sacanagem comigo. Não é possível. Isso é uma covardia enorme
de enfrentar as coisas como elas realmente são. Pode vir, meu amo, que o
tapete vermelho estará estendido.
(silêncio)
- Desculpa.
- Desculpa peço eu.
- Eu sou um covarde. Para mim tudo é novo e não é ao mesmo tempo. Eu já pas,
parece que tudo isso, parece que eu já passei por tudo isso antes. E não
quero passar mais uma vez. Mas ao mesmo tempo, tudo é tão novo. Você,
morando longe, você é linda menina.
- Não. Vamos tentar esquecer isso. Melhor, vamos tentar aprender com isso.
(silêncio)
(juntos)
- Mas...
- Eu...
- Diz você.
- Não, tu. Falas tu.
- Não é nada não. Diz você.
- Eu...gosto de você. E você sabe disso
- Todas as vezes que eu escuto isso me lembro de mim mesmo. Todas as vezes
que ficava sem assunto, falava isso com as minhas ex-namoradas. E tudo era
mentira. Gostava sim delas. Mas não era um cara apaixonado. Queria estar com
elas pouco tempo. Ah sei lá. Minha vida mudou tanto. Minhas lembranças estão
se confundindo. Elas estão se aglutinando em uma coisa só.
(silêncio)
- Vem para cá.
- Oi?
- Vem para cá.
- Como assim?
- Vem para cá. No feriado. No próximo feriado. Vamos nos encontrar.
- Vou pensar no seu caso...

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