o ano de 2002 vai ser lembrado, provavelmente, como o ano em que produzimos muitos filmes bacanas. senão vejamos: "o invasor" é um dos melhores filmes da tal retomada, e seria responsável, caso não houvesse o fenômeno "cidade de deus", de apresentar para o brasil classe-média a periferia em que moramos ao lado. o filme do brant foi o primeiro, e representou os paulistas nessa onda. "cdd" foi o carioca e escolhido para ser o brasileiro dessa estética, talvez pela qualidade técnica nunca outrora alcançada por brasileiros... "uma onda no ar" é o mineiro da lista de filmes-perifeira, e é, talvez, o pior na produção (no sentido de grana mais curta), mas nem de longe chega a ser ruim. muito pelo contrário, a produção pobre é compensada com uma força, uma vontade muito explícita em filmar. ele opta em retratar de uma maneira menos violenta, e menos video-clipe, o que acontece nas favelas da terra brasilis. na lista das surpresas de 2002 ainda há o paulista "o príncipe" que fala de uma geração de intelectuais que chegou aos 40, 50 anos e se decepcionou completamente com a produção cultural atual. é excelente tb. e os ainda inéditos no rio, o carioca "dois perdidos numa noite suja" e o gaúcho, "houve uma vez dois verões", que mesmo não tendo os vistos, não me parecem que vão me surpreender negativamente.
isso tudo para dizer que o cearense, radicado nos states, karin aïnouz, foi malandro o suficiente para segurar o lançamento do seu - excepcional - "madame satã" para depois do início novembro, um mês depois do limite para inclui-lo no ano "fiscal"de 2002 para a academia de cinema americana. aquela que julga quem deve levar a estatueta careca, vcs devem saber.
bem, o que falar desse filme? ontem pensava com os meus botões e tentava comparar o filme sobre A personagem malandro da lapa e os meninos da cidade de deus. as estéticas, às vezes, se parecem por tentarem fugir sempre do conservadorismo. o "madame", desde o trailer, havia me ganho pela fotografia. o responsável é um tal de walter carvalho. alguém já ouviu falar nele? ele usa uma bitola mais leve que a 35mm, pelo que me parece, e alguns filtros para transformar a imagem final numa coisa suja, velha, meio cara da lapa na década de 30.
o roteiro é do estilo sid field - o conhecido sidney campos - aquele que fala que temos que ter uma apresentação dos personagens, um "plot point", conflito, segundo "plot point" e desenlace. por isso, todo mundo, ao sair da sala de projeção, sai com toda a história entendida. o que é a melhor coisa que um roteirista pode desejar para um filme seu. roteiro este assinado pelo karin tb.
já a direção é um espetáculo por si só. ele abusa de imagens fortes para demonstrar o que é, e quem foi o joão franscisco dos santos. algumas cenas de briga são um espetáculo. uma cena, em especial, de homossexualismo é pesadíssima e sensacionalmente ousada. ele não tira a câmera dali por nada. e o que dizer da direção dos atores...
e o que dizer dos atores? ali eu percebi qual é a diferença de artistas para atores. um dia, há alguns dias atrás, tinha visto uma entrevista com toda a equipe do "madame" e vi os atores de conversa e agindo naturalmente. depois vi o filme. eram outras pessoas. nem sei como agia o joão francisco, mas o lázaro ramos é outra pessoa daquela que aparece na tela. outra coisa, já o vi no (talvez pior filme brasileiro do ano) "três marias" em que foi o único porto seguro do filme, mesmo aparecendo por pouco tempo.
o filme é ousado, e só por isso já valeria a pena. se "cdd" é um filme com vários personagens principais, protagonistas e antagonistas, e por isso talvez a sua facilidade em ser uma película dinâmica, o "madame" é um filme de umA personagem só, apenas ele e vc que olha para ele. ele tem até amigos e parceiros no filme, mas leva sozinho toda a uma hora e quase cinqüenta.
talvez essa seja a diferença entre o "cdd" e o "madame". o primeiro foi idealizado para ser uma grande produção, quase um épico, e atingiu todas as expectativas. já "madame" é o filme do joão francisco. um filme de um personagem, que algumas pessoas diriam ser "minimalistas". mas que suplantou tudo o que esperava...
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