segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

Porta

Uma fina porta de madeira nos separa. Não toquei a campainha nem tocarei; mesmo assim, ela sabe que eu estou aqui estancado. O máximo que me permito é massagear a maçaneta, ou alisar o comprimento da porta ou sentir o cheiro do verniz. Ela – acredito – faz semelhante.

Se me perguntarem como cheguei aqui, é improvável a certeza. Estou sem norte há três dias, posso jurar sobre bíblias. Desde exatamente quando ela me disse que não poderia vir comigo. O porquê não importa, se foi algo fora das nossas órbitas, algo que é impronunciável, ou que não respeita vontades ou desejos, o que isso vale a pena? A certeza é única e presente e tátil como essa porta aqui.

Desde então ela distanciou-se e em apenas alguns fragmentos de segundos que estivesse ao seu lado, fui grosseiro e egoísta. Não necessariamente por pretensão, apenas porque achava que era o certo ser como fui e agora acho que não era. Ela abriu a porta por instantes, para me ver, para que eu apoiasse sua cabeça e ela chorasse até secar suas águas e eu decidi ir ali na esquina, rapidinho, só vou comprar dois maços de cigarros e volto. Encontrei a porta fechada e eu estou aqui, do lado de fora e só.

Se fosse apenas isso, sei o certo que ela com o tempo entenderia que pequenas situações são passageiras e todo o qualquer que temos certeza um do outro é melhor, para não repetir o maior. Parece que consegui vê-la de relance, num momento de alta concentração, mas ela não mais quer saber que eu existo nesse exato instante. Quer dormir e acordar com uma lembrança.

Toda vez que sua imaginação trai seu raciocínio e fornece minha imagem para ocupar o tempo que temos para gastar até acabar nosso prazo de validade, ela desaba e não pára de desabar até que eu finja que já não existo há décadas e tudo o que ela sonhou nesse ínfimo espaço de tempo anterior faz parte de um lamaçal profundo que não deve ser revirado. Não agora.

Agora estou sentado no chão, jurava (poderia) que ela iria abrir a porta. A surpresa foi quando ela passou um papel por baixo da porta com delicadas três palavras escritas em sua letra infantil: “Espera por mim”.

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