Primeiro o fato: MCs são presos por cantarem funks com apologias ao tráfico de drogas. O argumento da polícia é que as músicas, falando de armas e dos traficantes, seduzem os adolescentes para entrar nas favelas. As imagens mostram eles se referindo a criminosos foragidos do Alemão, afirmando que eles foram para a Rocinha. O repórter mostra dois MCs [um inclusive, de cuecas] que, visivelmente nervosos, se contradizem. Mostra cordões de ouro como se perguntasse: um pé-rapado desse tem dinheiro para comprar cordão de ouro? Um terceiro, Smith, diz que só vai se pronunciar na presença do advogado e alega liberdade de expressão. A reportagem ainda mostra um quarto MC preso: numa batida, no Leblon, por tráfico de drogas [colocando toda a história num mesmo saco, questão de tempo, eu sei, mas é estranho].
Agora, duas considerações.
DoisPontoUm: Smith é o personagem de um documentário, dirigido, fotografado e com som de amigos. Ou seja, é um filme de amigos. O curta se chama "Grosso calibre" e foi financiado pela ONU exatamente para demonstrar como a violência influencia a cultura em países periféricos. Ele participa de uma competição, cujo vencedor vai ganhar equipamentos cinematográficos [Veja aqui e vote nele, se quiser, compartilhando nas redes sociais]. Portanto a prisão do Smith e dos outros me chamou a atenção mais que outros casos parecidos - mas devem existir às dezenas.
O MC faz apologia / elogio ao crime? Tanto quanto quem canta uma versão proibidona do clássico do Robertão: "É proibido fumar [maconha]". OK, talvez um pouco mais. OK, talvez MUITO mais. Mas, pergunto: e daí?
A polícia diz que jovens são seduzidos pela música desses MCs. Temos um problema aqui: por que alguns jovens são seduzidos e outros, não? E, de todos que gostam da música, quantos são realmente criminosos? Por mais que a policia não goste de pormenorizar, temos que admitir que há jovens que são seduzidos e outros que não. Qual é a diferença entre eles? Será que a música cumpre um papel realmente definitivo nessa opção? Será que não há outras carências e a música é apenas a parte de entretenimento dos jovens? Por fim, uma pergunta que é o inverso do argumento, mas que é totalmente sincera: será mesmo que alguém entra para o tráfico por conta dessas músicas?
Por fim, a alegação de MC Smith. Liberdade de expressão. Até onde vai a liberdade de expressão? Até o limite do crime, respondo. Até quando não comete algo ilegal, como fazer elogios ao crime, ou a criminosos. Mas esse limite não é muito tênue? Não parece que cantores pobres sofrem mais com esse tipo de perseguição que outros, mais ricos e bem sucedidos? Exemplo: a galera do Planet Hemp foi presa por fazer apologia [lembra?] às drogas. Logo a grita foi geral e hoje Marcelo D2 é o cara. Aparece duas vezes no horário nobre da TV Globo no mesmo dia.
OK, novamente estou fazendo comparações desmedidas, mas volto a perguntar: alguém vai defender esses MCs?
DoisPontoDois: Conversei recentemente com a historiadora Adriana Facina, que fez sua tese de doutora exatamente sobre o funk. Um de seus argumentos mostra como o estilo sofre o mesmo tratamento que o samba sofria no início do século passado. Era um som de preto, pobre, favelado. [Mas quando toca, ninguém fica parado. A música está certíssima.] Por isso, quem gosta de funk, que faz funk, quem frequenta os bailes, é discriminado. É criminalizado. É preso.
Adriana comentou um aspecto curioso, que ninguém leva em consideração, demonstrando o comportamento de todos para com o funk. “Quem critica o ‘proibidão’ o faz por causa de quem está falando isso, que é o morador da favela. Ignoram, também, a persona artística do cantor. Será que quando Chico Buarque interpreta uma música como mulher ele se torna gay?”, ela perguntou. E eu complementei: eles cantam as mesmas coisas que os rappers americanos, que exaltam a criminalidade, o tal de gangsta rap. Alguém nos EUA é preso por dizer que é o bonzão, porque dá tiro, mata os inimigos e pega geral? Isso não é apologia / elogio do crime? [Lembra que Smith falou de liberdade de expressão? Temos que aprender muito com os americanos, ainda, nesse aspecto...]
“O que cantam os chamados 'proibidões', não é diferente do que é narrado em ‘Tropa de elite’ ou pela imprensa sensacionalista”, diz a professora. “Funk fala sobre o aluguel do caveirão, que todo mundo sabe que acontece, mas não aparece na imprensa. Bezerra da Silva fazia isso [esse tipo de denúncia] também”, compara.
E é verdade. Eles cantam o que veem, o que presenciam, o cotidiano de cada um. Deveria ser uma vergonha para o Estado isso, mas, como sempre, o Estado tenta sumir com a "prova do crime", em vez de acabar com o crime.
Smith é um ídolo nas favelas e onde quer que ele ande as pessoas cantam suas músicas [o doc. mostra bem isso]. Smith é um artista e deveria ser tratado dessa maneira - e olha que eu acho a música dele chata pra dedéu. Essa história me parece, como sempre, uma forma de criminalizar o pobre.
2 comentários:
C.P. (LCP) Art. 42,65 Perturbação, Lei fed. 9.605/98 Art.25,54,72 Som é crime ambiental, aparelhos, veículos som devem ser apreendidos Código Transito art.254 IV,V, 228 via de trânsito não é área de laser, manda guinchar veículo; onde tem som tem drogas, álcool e menores.lei antidrogas 11.343 art.33,34,35 manda prender participantes. CDC art. 14,81,82,etc.; CF art. X,XI; C.C. art. 1.277; C.P.P. art. 6º,118, 301 manda apreender veículos e aparelhos de som C.P. Art.330,331 após advertir prender os infratores por desobediência e desacato. (Direito Penal, 1º vol., Saraiva, 1986, pág. 574), Dec. 6.514 multa de 5 mil a 50 milhões.Nem precisa o som estar ligado, basta a potência dele instalada. (TAMG – Ap 0195398-4 – 1ª C.Crim. – Rel. Juiz Gomes Lima – J. 27.09.1995), (Direito Penal, 1º vol., Saraiva, 1986, pág. 574). Ação pública incondicionada. Esses retardados de carro de som tocando funk são criminosos, as letras e áudio desses musicais pornôs incidem em crimes : Porno-grafia e pornô-áudio afetam as crianças do mesmo modo :C.P. Art. 218. Induzir alguém menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem; C.P. Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público (ato obsceno é como o sexfone,pelo som a pessoa tem orgasmos, pela letras e palavreado pornô do funk e similares a pessoa é induzida, condicionada); Escrito, falado ou sonado = Objeto Obsceno. C.P. Art. 234 Expor publicamente som pornô cujas letras pornográficas são cantadas apologicamente em áudio, C.P. art. 234 III – recitar em público ou acessível pelo rádio, audição, qq. forma, tipo, espécie de caráter obsceno. Ultraje Público ao Pudor, CF art.221 IV rádios não podem tocar musicais pornôs,ferem os princípios éticos, sociais e da família; CFart. 227 É dever de todos colocar as crianças a salvo de exploração sexual e exposição a áudios pornográficos que possam induzi-las a prostituição.
Seu Anônimo, acho que o senhor está comentando sobre outro texto, não sobre esse post.
Abraços
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