Não sou um grande frequentador de teatro, admito. Infelizmente temos que fazer algumas escolhas na vida - até inconscientemente - e a ribalta não se transformou em uma de minhas prioridades ao longo do tempo. Mas há elementos particulares ao teatro que o colocam em uma prateleira especial dentro da minha cabeça. São todas óbvias: a representação, ao vivo, de situações humanas, desde há muito foi considerada a mais fiel das artes. Mas, para mim, o melhor é a suspensão da realidade. Um fulano para representar que prega um quadro à parede precisa apenas mimetizar os gestos. Não precisa de martelo, de pregos, parede nem quadro. Isso é, para mim, o melhor do teatro.
Essa introdução toda é para dizer que ontem fui a uma peça em que uma amiga [Lola Borges] atua. "Segredos", montado pela companhia Teatro do Nada, não é uma típica encenação em que os atores repetem as palavras escritas por um dramaturgo. Se fosse só isso, não sei se estaria aqui escrevendo. Eles improvisam todo o espetáculo. Mas, antes que o pensamento de "stand up comedy" passe na cabeça de alguém, é melhor deixar claro que "Segredos" não segue esse caminho. É dramaturgia, cheio de técnica, com uma narrativa conflituosa e o tradicional início-meio-fim.
O elenco é variável, mas são sempre duplas que jogam [a expressão que eles usam é essa mesmo - como na capoeira, imaginei] juntas. Os pares se baseiam em segredos curtos escritos pela própria plateia para construir, por meio de improvisações, histórias paralelas que vão, ao fim, se entrelaçar e, surpreendentemente para um leigo como eu, fazer sentido. Pode surgir um drama, uma comédia deslavada, uma série de piadas amontoadas que, a princípio não faz sentido, mas que toma forma.
Por isso, só, a peça se torna única. Melhor: cada apresentação é única. Nunca há duas sessões iguais uma a outra. A que eu vi, ontem, tinha elementos de humor mais escrachado, mas nem por isso menos inteligente. De uma inteligência rápida, que você vê os atores criando, ao vivo, vívidos, se jogando. Um dos mais experientes atores, Luca de Castro, interpreta quase de maneira suicida: se atira diante do desconhecido e deixa que o fluxo de consciência venha atrás. Foi dele a primeira pedra arremessada. Ele entrou no meio do palco, se abaixou, colocou a orelha no chão, quando outro ator [Vini] se aproximou e perguntou: "tudo bem?". Luca responde: "vai chover". Vini: "Agora você deu para ouvir a chuva?" Luca: "Não, eu vi na internet". É surreal, no bom sentido da palavra. É nonsense, é engraçado. E abre um diálogo.
Além da história principal, há ainda outros elementos que enriquecem o espetáculo e dão fôlego, tanto para plateia como para os atores. São os "solos", em que as pessoas tem que interpretar um "segredo" independentemente do restante da história. Também atuam em uma outra esquete, pequena, quando os atores se transportam para um cenário aleatório. E ainda uma quarta possibilidade, em que outras duplas criam diálogos sobre outros "segredos" que, em questão de instantes, estão entrelaçadas.
O elenco é todo bastante entrosado, sempre se salvando de situações em que a cena já está perdendo fôlego, ou simplesmente se intrometendo para dar um caminho completamente novo ao rumo já traçado. Um exemplo ótimo foi a cena final em que Luca apareceu para "salvar" Lola e Ana Paula, mas que parecia logo vendido. Em seguida outro ator entra e anuncia onde eles estavam: no céu. Rapidamente, o tecladista - sim, ainda há um tecladista que pode interferir na apresentação a qualquer momento - anuncia badaladas e deus, ou pelo menos a sua voz, aparece para dizer que eles estavam no lugar errado [é bom poder contar o final da história...]. Mesmo que todos os atores estejam bem, um dos que mais se destaca é Cláudio Amado, que parece trazer a atenção para ele de uma maneira muito natural e segura, que me lembrou o Steve Buscemi.
Infelizmente só fui no último dia de apresentações e não vou poder ter a oportunidade de voltar e comparar as versões. Mas, eles me disseram que em breve estarão em outro endereço. Estarei lá.
Essa introdução toda é para dizer que ontem fui a uma peça em que uma amiga [Lola Borges] atua. "Segredos", montado pela companhia Teatro do Nada, não é uma típica encenação em que os atores repetem as palavras escritas por um dramaturgo. Se fosse só isso, não sei se estaria aqui escrevendo. Eles improvisam todo o espetáculo. Mas, antes que o pensamento de "stand up comedy" passe na cabeça de alguém, é melhor deixar claro que "Segredos" não segue esse caminho. É dramaturgia, cheio de técnica, com uma narrativa conflituosa e o tradicional início-meio-fim.
Elenco da peça [daqui]
O elenco é variável, mas são sempre duplas que jogam [a expressão que eles usam é essa mesmo - como na capoeira, imaginei] juntas. Os pares se baseiam em segredos curtos escritos pela própria plateia para construir, por meio de improvisações, histórias paralelas que vão, ao fim, se entrelaçar e, surpreendentemente para um leigo como eu, fazer sentido. Pode surgir um drama, uma comédia deslavada, uma série de piadas amontoadas que, a princípio não faz sentido, mas que toma forma.
Por isso, só, a peça se torna única. Melhor: cada apresentação é única. Nunca há duas sessões iguais uma a outra. A que eu vi, ontem, tinha elementos de humor mais escrachado, mas nem por isso menos inteligente. De uma inteligência rápida, que você vê os atores criando, ao vivo, vívidos, se jogando. Um dos mais experientes atores, Luca de Castro, interpreta quase de maneira suicida: se atira diante do desconhecido e deixa que o fluxo de consciência venha atrás. Foi dele a primeira pedra arremessada. Ele entrou no meio do palco, se abaixou, colocou a orelha no chão, quando outro ator [Vini] se aproximou e perguntou: "tudo bem?". Luca responde: "vai chover". Vini: "Agora você deu para ouvir a chuva?" Luca: "Não, eu vi na internet". É surreal, no bom sentido da palavra. É nonsense, é engraçado. E abre um diálogo.
Além da história principal, há ainda outros elementos que enriquecem o espetáculo e dão fôlego, tanto para plateia como para os atores. São os "solos", em que as pessoas tem que interpretar um "segredo" independentemente do restante da história. Também atuam em uma outra esquete, pequena, quando os atores se transportam para um cenário aleatório. E ainda uma quarta possibilidade, em que outras duplas criam diálogos sobre outros "segredos" que, em questão de instantes, estão entrelaçadas.
O elenco é todo bastante entrosado, sempre se salvando de situações em que a cena já está perdendo fôlego, ou simplesmente se intrometendo para dar um caminho completamente novo ao rumo já traçado. Um exemplo ótimo foi a cena final em que Luca apareceu para "salvar" Lola e Ana Paula, mas que parecia logo vendido. Em seguida outro ator entra e anuncia onde eles estavam: no céu. Rapidamente, o tecladista - sim, ainda há um tecladista que pode interferir na apresentação a qualquer momento - anuncia badaladas e deus, ou pelo menos a sua voz, aparece para dizer que eles estavam no lugar errado [é bom poder contar o final da história...]. Mesmo que todos os atores estejam bem, um dos que mais se destaca é Cláudio Amado, que parece trazer a atenção para ele de uma maneira muito natural e segura, que me lembrou o Steve Buscemi.
Infelizmente só fui no último dia de apresentações e não vou poder ter a oportunidade de voltar e comparar as versões. Mas, eles me disseram que em breve estarão em outro endereço. Estarei lá.
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