terça-feira, 28 de junho de 2011

Links musicais

Caí na página do Globão sobre vídeos que as pessoas estão vendo na internet, via link de um amigo do Facebook, porque falava sobre os instrumentos desmembrados - pensei que tinha a ver com quebrados - de uma música do Clash - que nem gosto tanto assim. Daí, conferi, logo abaixo, o vídeo do Cee-Lo Green, de quem sou fã, em Glanstonbury, cantando "Crazy", uma de minhas músicas favoritas, e reparei que ele faz uma citação, na segunda parte da música, a uma canção que reconheci, mas não sabia de onde. Me esforcei um pouquinho e lembrei que era do Moby. Mas o mais famoso parente careca do Melville, como se sabe, sampleia tudo o que lhe passa nas mãos. Fui conferir e descobri que a música de Moby era "Natural blues", que provém de um blues originalmente gravado por Vera Hall Ward, chamado "Trouble so hard" - aliás o refrão repetido ad aeternum. Gostei tanto da versão original, a cappella, que tentei ouvir mais da tal Vera Hall Ward. Fui no Last.fm e vi que ela era "parecida" com uma outra cantora sulista de blues, gospel e folk chamada Bessie Jones. E qual não foi a minha surpresa ao descobrir que "Sometime", de Jones, foi remixada por - quem mais? - Moby, em "Honey". Aliás, pesquisando descobri um sujeito que une todas essas pessoas: John Avery Lomax, um etnógrafo musical que gravou a música tradicional do Sul dos EUA, do Alabama, Mississipi e adjacências, e é um dos ídolos de gente como Hermano Vianna, que, por sua vez, fez algo parecido no Brasil. Aliás, um dos filhos de Lomax, Alan, seguiu a tradição do pai e gravou diversos discos segmentados, sendo um o próximo que vou escutar, sobre a música da Carolina do Sul. Isso tudo, descobri na última em meia hora. Salvem a internet, por favor.

domingo, 19 de junho de 2011

Visionário

Mais milhares de anos pelo caminho que segue o último século! - E em tudo o que o homem fizer, a mais alta sabedoria será visível: mas justamente por isso a sabedoria terá perdido toda a sua dignidade. Será então certamente necessário ser sábio, mais será coisa tão comum, tão vulgar, que um espírito com um gosto um pouco acima da média poderá considerar essa necessidade uma grosseria. Do mesmo modo que uma tirania da verdade e da ciência seria capaz de conferir valor à mentira, da mesma forma que uma tirania da sabedoria poderia fazer germinar um novo gênero de nobreza de alma. Ser nobre - seria talvez então ser louco. - Nietzsche, em "A gaia ciência".

Entre as muitas formas de interpretar esse aforismo nietzschiano, eu gosto de ressaltar um trecho que me pareceu o mais visionário, em que ele afirma, no futuro, que ser sábio "será coisa tão comum, tão vulgar". De certa forma, é cansativo conviver com tanta gente que sabe tudo sobre tudo. Ou que se expõe como se soubesse - o que no fundo é a mesma coisa.

Cada vez mais, repito a frase - fora de seu contexto original - da antípoda de Nietzsche, Sócrates, quando disse: "só sei que nada sei". E isso não é mais tão angustiante como costumava ser.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Vinte e cinco anos sem Borges


BORGES, JOSÉ FRANCISCO ISIDORO LUIS: Autor y autodidacta, nacido en la ciudad de Buenos Aires, a la sazón capital de la Argentina, en 1899. La fecha de su muerte se ignora, ya que los periódicos, género literario de la época, desaparecieron durante los magnos conflictos que los historiadores locales ahora compendían. Su padre era profesor de psicología. Fue hermano de Norah Borges (q. v.). Sus preferencias fueron la literatura, la filosofía y la ética. Prueba de lo primero es lo que nos ha llegado de su labor, que sin embargo deja entrever ciertas incurables limitaciones. Por ejemplo, no acabó nunca de gustar de las letras hispánicas, pese al hábito de Quevedo. Fue partidario de la tesis de su amigo Luis Rosales, que argüía que el autor de los inexplicables Trabajos de Persiles y Segismunda no pudo haber escrito el Quijote. Esta novela, por lo demás, fue una de las pocas que merecieron la indulgencia de Borges; otras fueron las de Voltaire, las de Stevenson, las de Conrad y las de Eça de Queiroz. Se complacía en los cuentos, rasgo que no recuerda el fallo de Poe, “There is no such thing as a long poem”, que confirman los usos de la poesía de ciertas naciones orientales. En lo que se refiere a la metafísica, bástenos recordar cierta Clave de Baruch Spinoza, 1975. Dictó cátedras en las universidades de Buenos Aires, de Texas y de Harvard, sin otro título oficial que un vago bachillerato ginebrino que la crítica sigue pesquisando. Fue doctor honoris causa de Cuyo y de Oxford. Una tradición repite que en los exámenes no formuló jamás una pregunta y que invitaba a los alumnos a elegir y considerar un aspecto cualquiera del tema. No exigía fecha, alegando que él mismo las ignoraba. Abominaba de la bibliografía, que aleja de las fuentes al estudiante.
“Le agradaba pertenecer a la burguesía, atestiguada por su nombre. La plebe y la aristocracia, devotas del dinero, del juego, de los deportes, del nacionalismo, del éxito y de la publicidad, le parecían casi idénticas. Hacia 1960 se afilió al Partido Conservador, por que (decía) ‘es indudablemente el único que no puede suscitar fanatismos’. “El renombre de que Borges gozó durante su vida, documentado por un cúmulo de monografías y de polémicas, no deja de asombrarnos ahora. Nos consta que el primer asombrado fue él y que siempre temió que lo declararan un impostor o un chapucero o una singular mezcla de ambos. Indagaremos las razones de ese renombre, que hoy nos resulta misterioso…

O Ariel Palacios fez um apanhado de várias histórias e causos sobre Borges, no dia em que se lembra os 25 anos de sua morte. Gostei de várias partes, mas essa parte da enciclopédia é ótima: é autobiográfica, apócrifa e contém erros [como o próprio nome], cheios de ironia. Porque ele poderia ser o inventor da "literatura ao quadrado", como se referiu a ele Ítalo Calvino, mas jamais deixou de perder o humor. O melhor ingrediente que a literatura pode ter.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Tecnoconsumismo

"Permita-me sugerir, finalmente, que o mundo do tecnoconsumismo é, portanto, incomodado pelo amor verdadeiro, restando-lhe como única escolha responder perturbando o amor." - Jonathan Frazen, o novo queridinho das letras americanas, em artigo para o "Link", do "Estadão".

Acho que Heidegger gostaria de ouvir isso.

sábado, 4 de junho de 2011

Utilitarismo e a estética

O homem se tornou aos poucos um animal fantasioso que deve preencher uma condição de existência a mais que todos os outros animais: o homem deve de tempos em tempos acreditar que sabe a razão por que existe, sua espécie não pode prosperar sem uma confiança periódica na vida! Sem a fé na razão da vida! E a espécie humana acabará sempre por decretar: "Há qualquer coisa de que não temos de forma alguma o direito de rir." E o mais malicioso dos filantropos acrescentará: "Não somente o riso e a sabedoria alegre, mas também o trágico com sua sublime sem-razão, fazem parte dos meios para conservar a espécie!" - E por conseguinte! Por conseguinte! Por conseguinte! - Nietzsche, n'"A gaia ciência".
O poeta e filósofo Antônio Cícero, em uma entrevista para uma amiga, disse uma frase, logo no início da conversa que eu achei interessante, sobre a leitura e o prazer de se ter contato com um poema: "Para ler e fruir poesia é necessário dedicar tempo, concentração, atenção, cuidado a um texto que não tem nenhuma utilidade." Nesse sábado, o "Prosa e verso" publicou um artigo dele, por conta do evento "Forma e sentido", o qual ele é o curador, em que ele fala, razoavelmente, a mesma coisa, com mais palavras: não há quaisquer motivos para se ter contato com a poesia.

Explico melhor: a poesia não tem utilidade. Num mundo em que as pessoas agem cada vez mais em prol de um objetivo, ou para aproveitar alguma coisa, a poesia é colocada de lado exatamente porque não tem uma razão - clara, explícita. Eu teria coragem de acrescentar a arte em geral, o que não é o caso de Cícero, que acredita que esse aspecto se adeque [mais ou melhor] aos poemas. Acrescentaria porque Cícero se refere à questão simplesmente temporal: é possível ter fruição com outros tipos de artes - um quadro por exemplo - instantaneamente. Ao se olhar o "As meninas" de imediato você é captado para dentro dele. Enquanto uma poesia precisa, na opinião dele, de um... tempo, para se passar apenas da reunião de palavras. Eu concordo com esse viés do tempo, claro. É inegável que é necessário um tempo para a poesia, mas eu acho que isso pode ser levado para todas as artes.

Explico melhor: É possível alguma comunicação na primeira e mais primária leitura de uma poesia - não em todas, claro, mas essa possibilidade há [vide a propósito o poema do Murilo Mendes, "Anti-elegia no. 2", publicado pelo próprio Cícero no seu blog]. Também não é em todo quadro que se pode captar sua porção estética num primeiro relance. Penso em Mondrian, por exemplo. Assim como para alcançar [as] diversas faces de uma poesia é necessário esse tempo a que o Cícero se refere, o mesmíssimo raciocínio se aplica a qualquer outra arte. Inclusive, uma de minhas definições favoritas para a arte, é aquilo que se desdobra infinitamente sobre si. Portanto, nesse sentido, arte em geral e poesia em específico estão dentro de um mesmo raciocínio - e não é necessário separá-los para chegar onde quero chegar.

Explico: Na minha interpretação, o que Cícero fala é que vivemos num tempo "utilitário", onde cada ação nossa é feita em direção a algum objetivo, com sentido [tanto sinônimo de "razão" como de "direção"]. Fazer algo sem [esse[s]] "sentido" é fugir de uma atividade automática, autômata, que cumprimos por estarmos dentro de uma sociedade que nos coloca como peças dentro de uma engrenagem. Somos inundados por necessidades pueris para cumprir uma determinada ação auto-imposta, consciente ou inconscientemente. Repetimos nossas atividades, sem autocrítica, apenas por uma espécie de ordem implícita de que devemos fazer. Ao parar, ao interromper essa série de obrigações [obrigar + ações], é como se estivéssemos despertando. Saindo dessa fila infinita em que tínhamos um espaço, porque seguíamos andando na velocidade  - no passo - que nos era ditada. Ao interromper esse caminhar, esse colocar de pé ante pé, atrapalhamos o fluxo contínuo, que havia - e seremos criticados / chamarão nossa atenção por isso. E tomamos consciência. Ou tomamos consciência de algo, que, talvez, no início, não sabemos bem o que é. Podemos olhar para o lado e perceber os demais apenas caminhando em frente, progressiva e progressistamente, podemos olhar para trás e perceber o infinito que é essa fila, podemos mirar o horizonte e não enxergar quando acaba. Não conseguiremos, provavelmente, entrar na fila incólumes, outra vez. Nem passear indiscriminadamente através dela.

Para fruir a arte, é necessário usar outro tempo, que não o utilitário: o tempo estético. Nele, não há uma certeza de quando você vai ser tocado pela produção artística, nem se você vai ser tocado por ela. Você pode, no máximo, se entregar, desligando os relógios que contém números, para o objeto em questão e esperar - no sentido de aguardar - que haja uma conexão, que haja uma interligação entre observador e observado.

E não há nada menos valorizado numa sociedade automatizada, prática, controlada pelo seu próprio excesso, que essa incerteza completa sobre o "quando", e ainda por cima, ou sobre a efetividade de uma atitude. Por isso, a arte - e a poesia apenas é um exemplo fácil de ser entendido - é tão pouco valorizada, itself. Para entrar nesse mercado utilitário, em que cada artifício deve cumprir uma função, deve ter um valor de fácil decodificação, de comunicação instantânea, ela foi binarizada, foi transformada em 0 e 1, foi - não no último século, mas ao longo de toda a existência, e aos poucos, e acompanhando a transformação social - mercadorizada.

ps. A filha do Lacan, Judith Miller, também em uma reportagem do "Prosa..." fala sobre a necessidade de cada indivíduo em manter sua loucura particular. Só assim, ele seria único, se tornaria diferente de seu par. Não poderia estar mais de acordo com essa questão.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Irônicas

Como se sabe, vivemos tempos pós-irônicos. Em defesa desse recurso tão defenestrado, que consegue evitar certos constrangimentos, e funciona como uma válvula de escape para enfrentar a crueldade, algumas definições:

a ironia é a segunda versão da história já implícita.

é chamar o interlocutor de estúpido e inteligente ao mesmo tempo.

é a bifurcação temporal.

ironia é o golpe escondido e o afago como entrada.

é saber rir sem abrir a boca.

é saber contar história pelo caminho mais longo, só por diversão.

é o oposto do oposto do oposto.

é um emoticon.

é a ausência de um sinal gráfico aceitável pela ABL.

é não se deixar levar por qualquer migalha.

é desconfiar.

é se proteger de blablablás.

é diversão solitária entre os que compartilham a lei.

é saber terminar e ficar quieto e calado, só escutando.