quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O preto no branco e os muitos tons de várias cores

Existem dois tipos de pessoas: as que dividem o mundo em dois tipos de pessoas e as que acham isso uma besteira. Eu faço parte do segundo grupo.

Durante um tempo, houve uma discussão muito grande sobre se seria possível a máquina, os robôs, a tecnologia enfim, substituir os humanos. Os defensores dos humanos pensavam que o homem e a mulher seriam impreteríveis porque não poderiam ser apreendidos, englobados, encapsulados. Como os humanos sempre tivéssemos algo que fugisse de uma relação de previsibilidade, que seria o modo de operar das máquinas - repetir para aperfeiçoar.

Por conta disso, a tecnologia sempre correria atrás, perseguiria esse caminho que foge da compreensão racional, do esperado, do planejado. Até conseguiria ser melhor que o homem e a mulher nesses processos, até mesmo tornando o humano algo ultrapassado, no processo do cotidiano reprisado. Não precisamos mais de Charlie Chaplins para apertar parafusos, algum Wall-e já faz isso por nós.

Chegamos a cogitar que a tecnologia poderia, inclusive, começar a prever nossas necessidades e criar artefatos inovadores que pudessem substituir até mesmo a capacidade do humano de ser imprevisível. Mas sempre percebemos que nossas demandas, mesmo em situações que se investe bastante em futurologia, como previsão do tempo ou diagnósticos médicos, são sempre inusitadas. A imprevisibilidade é parte integrante, quase essencial, do mundo. Até hoje, não se criou qualquer matriz [matrix?] matemática que enxergue o futuro de forma clara. Os chutes são cada vez mais precisos, mas os erros milimétricos ganham mais destaque igualmente.

O futuro é tão inesperado que jamais imaginaríamos o que está acontecendo agora. Ou melhor, que está acontecendo já há muito tempo, mas cuja velocidade de transformação vem se acentuando em uma aceleração exponencial. Em vez de achar que as máquinas conseguiriam, um dia, pensar como os humanos, acabou acontecendo o inverso: nós, humanos, estamos cada vez mais pensando como máquinas.

Com frequência assustadoramente crescente, estamos respondendo aos nossos problemas utilizando uma lógica que, na falta de nome melhor, poderíamos chamar de código binário. É sempre da ordem do "ou isto ou aquilo", ou Fla ou Flu, ou Dilma ou Aécio. Não se consegue ver - ou não se quer ver - que há muito mais coisas entre o céu e a terra do que imagina as vãs matemáticas utilitárias que usam o 0 e o 1 para tentar decifrar todos os nossos problemas. Não se consegue ver - ou não se quer ver - que há muito mais times, muitos outros esportes, muitas outras formas de se entreter que não assistindo a uma partida em que 11 homens de cada lado correm atrás de uma bola. O mundo não necessariamente é, mas pode ser mais complexo que isso.

Esse é o problema. Ao complexificar essas relações, ao colocar mais dúvidas que certezas (já que com o código binário é bem mais simples: uma resposta está certa enquanto a outra está errada) perdemos velocidade de reação. Temos que avaliar cada uma das possibilidades, pensar seus prós e seus contras, perceber que nenhuma opção está isolada no mundo, que já faz parte de uma outra teia de relações, que por sua vez também está inserida em um outro mundo completamente diferente, que interfere numa série de outras vidas que nós nem imaginávamos, e assim por diante. Não é uma equação do primeiro grau que vai resolver isso. É um pensar que envolve, muito e principalmente, a sensibilidade.


Não deve ser coincidência, portanto, que estamos menos e menos afeitos ao sensível, aquilo que mexe com nossas emoções, que nos faz sonhar - até mesmo falar sobre isso parece algo uncool. Vivemos num ritmo de acumulação, de lugares visitados, de mulheres e homens com quem transamos, de dinheiro que guardamos, de status que enchem o nosso ego, de cervejas diferentes e cada vez mais esdrúxulas tomadas, e cada vez menos num humor de contemplação, de sentimentos, de mergulhar em algo um pouco abaixo da superfície. Relaxamos no fim de semana ou temos nossas obrigatoriedades festivas? Viajamos nas férias ou tentamos apenas colecionar destinos? Trabalhamos porque gostamos, porque acreditamos, ou precisamos somente ganhar o salário no fim do mês para pagar os nossos remédios antimonotonia? Em que momentos nos escutamos?

Não dá para dizer que é certo ou errado agir assim ou assado: cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, já dizia o Caê. Mas ao perdemos as nuances entre o preto e o branco, perdemos junto o caminho de qualquer tipo de diálogo - com quem quer que seja. Para qualquer diálogo, aquele em que se tenta construir algum tipo de ponte, para se chegar a outro lugar além de si, é necessário uma pequena recusa das suas próprias propostas. É preciso enxergar dentro de si uma cor que seja uma cor parecida com a do seu interlocutor. Só assim é possível escutá-lo, não para concordar com ele, nem mesmo para mudar de opinião, mas para saber que não somos os únicos no mundo, nem indivíduos solitários. Como disse dona Hannah Arendt, neste mundo, não há o homem, mas os homens. Somos, gostemos ou não, plurais.

Quando optamos por uma relação de preto no branco, estamos nos isolando e, pior, colocando o interlocutor do outro lado do tabuleiro, da praça de guerra, da vida. Quando você opta pelo código binário, eu certamente vou estar sempre do outro lado.

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