Somos tão diferentes dos chineses, assim? Se espantar com as óbvias dissimilaridades é ridiculamente fácil. Como, então, ao contrário, enxergar o que ou em que nós somos parecidos?
Me descobriram. |
Para começar, China e Brasil são países que até hoje não ditaram as regras do mundo. China, nos últimos anos, vem assumindo um papel de liderança, sim, mas isso é bem recente, principalmente se considerarmos a história dessa imensa e antiquíssima nação. É muito provável que o mundo venha se tornar cada vez mais chinês – seja lá o que isso queira dizer –, mas isso ainda não é uma realidade. Ainda assistimos a filmes americanos, comemos pizza, tomamos vinho, escutamos rock.
Como bem disse Caetano – fazendo já uma citação às avessas de Fernando Pessoa – o Brasil é o Ocidente ao ocidente do Ocidente. Não conseguimos nos encaixar perfeitamente bem nessa divisão tão simples, capitaneada pelos países ricos e famosos, em que há uma e única forma de fazer as coisas. Sempre sobra algo.
Mesmo o nosso pé europeu do tripé é torto, parece bruto demais para o clube dos ricos e famosos. Somente nossa elite acredita que pode se achar mais europeia que os próprios europeus. Ou mais norte-americana – de Miami ou Orlando, claro – que os estadunidenses. Ninguém mais, além desses deslumbrados vira-latas, consegue se olhar no espelho e dizer sem titubear que é branco puro-sangue de corpo e alma. Sempre escorregamos.
E deveríamos incentivar esses escorregões, ao invés de reprimi-los. Deveríamos mostrar que é nesses escorregões, quando saímos do julgamento, do padrão estabelecidos pelos outros, que conseguimos criar algo fora dos padrões obrigatórios. Só assim que encontramos o contraponto, o balanço, o entre que não é estático, que é sempre um movimento, em suma, sincopado.
Vejo um paralelo que é comum em outros lugares grandes e que tem uma classe média forte [como a Índia, por exemplo]: O chinês urbano vê o rural com o mesmo desprezo que o brasileiro do asfalto olha para o do morro. Não deve ser visto como coincidência como esses países lidam com as pessoas de pele mais escura. Na Índia, anunciam cremes para clareamento de pele nos pontos de ônibus. Na China, as mulheres usam roupas de manga comprida para evitar se queimar. No Brasil, bem, no Brasil nem precisamos dizer nada.
Há uma cisão que é uma ferida que nunca sara. Um lado olha para o outro de cima para baixo; o outro, de baixo para cima. O chinês urbano é um turista na zona rural, assim como o brasileiro do asfalto é um perdido em qualquer favela. É uma generalização, claro, mas a divisão está igualmente clara. Quem conseguiu participar do jogo do andar de cima, entendeu suas regras, imita os movimentos dos líderes da corrida, versus quem ainda faz a própria partida, com as próprias limitações, lutando pela sobrevivência diariamente.
No Brasil, sabemos que não somos ocidentais, mas também não somos orientais [e o que é exatamente o oriente?, pergunta há bastante tempo o Edward Said]. Se os chineses são quase o exemplo do extremo outro, do completo diferente, nós podemos nos contentar em dizer que somos algo que está além, que verga o Ocidente até ele se transformar em outra coisa. Um Ocidente que, para seguir a citação do Caetano, dá uma volta completa no globo para se reencontrar no mesmo lugar de antes, mas com um sentido diferente. Não uma oposição ao ocidente, porque carregamos também esse DNA, mas uma opção, um refresco, uma respirada, por assim dizer, que confunde a cabeça de quem tenta nos entender, com a régua fixa e imutável do pessoal lá de cima.
Assim, podemos tentar ser, em vez de europeus ou americanos – nunca seremos –, talvez mais orientais, no sentido de aceitar, de corpo e alma, ser esse outro – que ao mesmo tempo, sem deixar de ser, é, desde sempre, o mesmo. Por isso Ocidente ao ocidente do Ocidente. Pensando assim, talvez sejamos mais orientais do que nós imaginamos – ou queremos aceitar.
ps. Esse texto nasceu após eu ouvir a versão do Paulinho da Viola do hino nacional.
Como bem disse Caetano – fazendo já uma citação às avessas de Fernando Pessoa – o Brasil é o Ocidente ao ocidente do Ocidente. Não conseguimos nos encaixar perfeitamente bem nessa divisão tão simples, capitaneada pelos países ricos e famosos, em que há uma e única forma de fazer as coisas. Sempre sobra algo.
Mesmo o nosso pé europeu do tripé é torto, parece bruto demais para o clube dos ricos e famosos. Somente nossa elite acredita que pode se achar mais europeia que os próprios europeus. Ou mais norte-americana – de Miami ou Orlando, claro – que os estadunidenses. Ninguém mais, além desses deslumbrados vira-latas, consegue se olhar no espelho e dizer sem titubear que é branco puro-sangue de corpo e alma. Sempre escorregamos.
E deveríamos incentivar esses escorregões, ao invés de reprimi-los. Deveríamos mostrar que é nesses escorregões, quando saímos do julgamento, do padrão estabelecidos pelos outros, que conseguimos criar algo fora dos padrões obrigatórios. Só assim que encontramos o contraponto, o balanço, o entre que não é estático, que é sempre um movimento, em suma, sincopado.
Vejo um paralelo que é comum em outros lugares grandes e que tem uma classe média forte [como a Índia, por exemplo]: O chinês urbano vê o rural com o mesmo desprezo que o brasileiro do asfalto olha para o do morro. Não deve ser visto como coincidência como esses países lidam com as pessoas de pele mais escura. Na Índia, anunciam cremes para clareamento de pele nos pontos de ônibus. Na China, as mulheres usam roupas de manga comprida para evitar se queimar. No Brasil, bem, no Brasil nem precisamos dizer nada.
Há uma cisão que é uma ferida que nunca sara. Um lado olha para o outro de cima para baixo; o outro, de baixo para cima. O chinês urbano é um turista na zona rural, assim como o brasileiro do asfalto é um perdido em qualquer favela. É uma generalização, claro, mas a divisão está igualmente clara. Quem conseguiu participar do jogo do andar de cima, entendeu suas regras, imita os movimentos dos líderes da corrida, versus quem ainda faz a própria partida, com as próprias limitações, lutando pela sobrevivência diariamente.
No Brasil, sabemos que não somos ocidentais, mas também não somos orientais [e o que é exatamente o oriente?, pergunta há bastante tempo o Edward Said]. Se os chineses são quase o exemplo do extremo outro, do completo diferente, nós podemos nos contentar em dizer que somos algo que está além, que verga o Ocidente até ele se transformar em outra coisa. Um Ocidente que, para seguir a citação do Caetano, dá uma volta completa no globo para se reencontrar no mesmo lugar de antes, mas com um sentido diferente. Não uma oposição ao ocidente, porque carregamos também esse DNA, mas uma opção, um refresco, uma respirada, por assim dizer, que confunde a cabeça de quem tenta nos entender, com a régua fixa e imutável do pessoal lá de cima.
Assim, podemos tentar ser, em vez de europeus ou americanos – nunca seremos –, talvez mais orientais, no sentido de aceitar, de corpo e alma, ser esse outro – que ao mesmo tempo, sem deixar de ser, é, desde sempre, o mesmo. Por isso Ocidente ao ocidente do Ocidente. Pensando assim, talvez sejamos mais orientais do que nós imaginamos – ou queremos aceitar.
ps. Esse texto nasceu após eu ouvir a versão do Paulinho da Viola do hino nacional.
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