Cansado e suado, depois de mais de 24 horas de viagem e algumas horas de passeios instantâneos debaixo de um sol do fim de verão pequinês que não deve nada ao carioca [com direito a uma umidade sem humildade]. Foi assim que cheguei ao imponente 23º andar de um prédio totalmente espelhado numa rua recém-construída do bairro chiquerérrimo [para padrões ocidentais]. Chiquerérrimo, mas em cuja esquina fica a loja da Adidas ao lado da do Burguer King [Nike e McDonald's são tão século XX...]. Não é, ainda, padrão Gucci ou Prada. Mas vai ser em breve, suspeito, pela quantidade de Porsches e SUVs na rua.
Foi lá que fomos recebidos por uma espécie de gerente desse tipo de apart-hotel de luxo em que fomos instalados. O sujeito chegou atrasado, vindo, ao que parece, diretamente da academia, com um short estilo adidas índio de novela [ah, a ocidentalização...] e se apresentou... por meio do celular. Ele não falava nada, absolutamente nada, de inglês. Nem "yes" ou "no". Nada.
Falava com o celular, olhava para a tela e em seguida nos mostrava. Muitas vezes, a frase não fazia qualquer sentido e olhávamos para ele com cara de quem estava escutando chinês. Mal traduzido. Pelo que entendemos, nossa reserva teve que ser mudada. Duas vezes, ao menos. Nada do que esperávamos se concretizou. E ele ficava falando lá no telefone e nos mostrando. Quando alguma frase funcionava - ou parecia funcionar - tentávamos responder na mesma "língua": apertávamos o botão e tascávamos nossa melhor entonação do Fisk nosso de cada dia, para depois perceber que o celular não tinha entendido nada. Ou, quando entendia, era a vez do gerente-malhador nos olhar com cara de que estava perdido.
Citar a barreira linguística, de como é difícil qualquer tipo de comunicação, de como se fica perdido na tradução, é a repetição do principal clichê quando se fala em China. Mas esse talvez seja o primeiro sentimento ao se chegar do outro lado do mundo. Ou melhor, o sentimento mais constante, que não nos abandona nem quando vamos ao banheiro - agachado ou sentado. Se a minha pátria é a minha língua, ou se o ser se dá na linguagem, para usar duas das frases mais batidas sobre o assunto, estamos completamente isolados dos outros.
O sentimento aumenta e se transforma em metáfora quando percebemos as barreiras que os chineses impõem [o pacote Google é bloqueado! - salvem a VPN!] e sempre impuseram ao outro - ao estrangeiro. Uma nação que foi constantemente invadida, saqueada, destruída, vilipendiada e que muito rapidamente, nos últimos anos, se transformou num dínamo que está arrastando - para o bem ou para o mal - o resto do mundo. É um tipo diferente de proteção. Parece. Tudo aqui só parece.
Talvez a língua seja a última barreira, a muralha que o Ocidente não vai conseguir ultrapassar tão facilmente. Podem invadir suas ruas, podem vestir e mudar seus hábitos. Podem criar o maior êxodo rural da história - com mais de meio bilhão de pessoas saindo do campo para as inchadas cidades, para se "modernizarem". Podem criar ou agudizar antagonismos, mas jamais vão tirar a proximidade entre os chineses que dividem, ao menos, a mesma língua. Que podem morar nessa mesma linguagem e serem os mesmos, iguais, de alguma maneira, aí.
Somos e seremos sempre estrangeiros.
ps. Vou tentar escrever sempre sobre esse período aqui.
Muralha da China é ruim de invadir... |
Falava com o celular, olhava para a tela e em seguida nos mostrava. Muitas vezes, a frase não fazia qualquer sentido e olhávamos para ele com cara de quem estava escutando chinês. Mal traduzido. Pelo que entendemos, nossa reserva teve que ser mudada. Duas vezes, ao menos. Nada do que esperávamos se concretizou. E ele ficava falando lá no telefone e nos mostrando. Quando alguma frase funcionava - ou parecia funcionar - tentávamos responder na mesma "língua": apertávamos o botão e tascávamos nossa melhor entonação do Fisk nosso de cada dia, para depois perceber que o celular não tinha entendido nada. Ou, quando entendia, era a vez do gerente-malhador nos olhar com cara de que estava perdido.
Citar a barreira linguística, de como é difícil qualquer tipo de comunicação, de como se fica perdido na tradução, é a repetição do principal clichê quando se fala em China. Mas esse talvez seja o primeiro sentimento ao se chegar do outro lado do mundo. Ou melhor, o sentimento mais constante, que não nos abandona nem quando vamos ao banheiro - agachado ou sentado. Se a minha pátria é a minha língua, ou se o ser se dá na linguagem, para usar duas das frases mais batidas sobre o assunto, estamos completamente isolados dos outros.
O sentimento aumenta e se transforma em metáfora quando percebemos as barreiras que os chineses impõem [o pacote Google é bloqueado! - salvem a VPN!] e sempre impuseram ao outro - ao estrangeiro. Uma nação que foi constantemente invadida, saqueada, destruída, vilipendiada e que muito rapidamente, nos últimos anos, se transformou num dínamo que está arrastando - para o bem ou para o mal - o resto do mundo. É um tipo diferente de proteção. Parece. Tudo aqui só parece.
Talvez a língua seja a última barreira, a muralha que o Ocidente não vai conseguir ultrapassar tão facilmente. Podem invadir suas ruas, podem vestir e mudar seus hábitos. Podem criar o maior êxodo rural da história - com mais de meio bilhão de pessoas saindo do campo para as inchadas cidades, para se "modernizarem". Podem criar ou agudizar antagonismos, mas jamais vão tirar a proximidade entre os chineses que dividem, ao menos, a mesma língua. Que podem morar nessa mesma linguagem e serem os mesmos, iguais, de alguma maneira, aí.
Somos e seremos sempre estrangeiros.
ps. Vou tentar escrever sempre sobre esse período aqui.
5 comentários:
Vc está na China????
Sim. :-)
A passeio?
trabalhando numa empresa de tecnologia por dois meses. volto em outubro.
Uauuuu!!!
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