quarta-feira, 1 de agosto de 2018

A felicidade que vence o medo

Vejo muitos amigos profundamente preocupados com a aparente solidez de uma campanha de extrema-direita para a presidência e fico absolutamente aflito com essa angústia. Esse texto aí foi para tentar acalmar - a mim e aos meus próximos.

Política não pode ser o futebol dos escolarizados, dos "intelectuais", com suas disputas ferrenhas e debates acalorados sobre única e exclusivamente o "vencedor", o "melhor". Nada contra o futebol - ao contrário - mas os dois seguem caminhos diferentes. E não estou me referindo à batida disputa metafísica entre coração x mente - porque nesse aspecto futebol e política são muito parecidos: ambos são "quentes", absolutamente "emotivos". Aliás, como todos os problemas que enfrentamos cotidianamente e que nos [co]movem.

Mas não podemos pensar que a vitória ou a derrota do nosso candidato tem alguma coisa a ver conosco - seja por nossa influência, seja nos influenciando. Em outras palavras, a política institucional é apenas um dos formatos da política - pensada aqui como a arte de dividirmos o mesmo espaço público-comunitário. Não nos deixemos aprisionar pelo ideal de que a política é apenas votar de dois em dois anos. É desse tipo de pensamento que nossos medos se nutrem. Ficamos presos apenas no voto e se o perdemos não temos mais nada. Não pode ser assim. Não deve ser assim. É melhor não ser assim.

Além disso, seria bom admitir de cara: o tal candidato fascistoide já levou. Não estou dizendo a eleição, porque previsão do tempo é algo que nem meteorologista nem feiticeiro acerta com precisão - e só alguns homens, achando ter razão acima de tudo, se arriscam. E não quero repetir o erro de sugerir uma série de atitudes como profilaxia para nos salvar - não tenho qualquer sugestão relevante para o assunto, nem se devemos atacar os indecisos, nem uma lista de perguntas possíveis para o tal candidato [cujo nome evito por pura superstição]. Mas pensando em como está cada vez mais presente em nosso cotidiano a pauta de a violência ser combatida por apenas mais violência; ou como o moralismo explícito tentou, com frequência crescente, censurar movimentos de alargamento de horizontes; ou como se alastrou a epidemia de medo, mesmo em classes sociais bem seguras, economicamente falando.

Lembremos, para comprovar, de como a intervenção militar foi usada também para abocanhar um naco dos eleitores do deputado ex-capitão, ou do endurecimento [ainda maior] do discurso do candidato sabor chuchu; ou como o MBL surfa em guerras contra exposições de artes plásticas; ou como os telejornais sangram diariamente, parecendo que vamos ser atacados ao cruzar a esquina mesmo das ruas mais ricas do país.

Também podemos pensar em nossa "derrota" em todas as vezes que esse senhor povoa nossas conversas, sequestra nossas atenções. Ele representa tudo o que "nós" - esquerdistas, esclarecidos, liberais - mais abominamos. Não é, então, de se espantar o susto. Mas o medo, o pavor, o desespero? Não exageremos, não exageremos muito. O que ele pode fazer de tão assustadoramente mortífero - que outros já não fazem, não fizeram - para nos paralisar assim? Vide, inclusive, os exemplos para mostrar como ele  ganhou.

Por que não virar a chave, então? Sair das cordas e partir para o ataque?

Não seria esse espanto uma ótima oportunidade para nós pensarmos em outras soluções políticas que não incluam o caminho da política institucional? Evitarmos focar todas as nossas forças nesse processo de voto para que evitemos depositar numa urna todas as nossas esperanças? Para não termos pavor de um sujeito claramente incapaz de ocupar qualquer cargo eletivo - vide a sua incapacidade de aprovar projetos em seu nome, nas quase três décadas de congresso?

O que nós podemos fazer para nos nutrir de sentimentos opostos ao pavor? Como sair da posição de acuado e ser mais dono da própria vida? Como redescobrir, não o que nos deixe eufórico e some, mas aquilo que nos torna mais felizes, mais autônomos, mais independentes?

Bolsonaro não é um fenômeno isolado. Ele não apareceu ontem. É produto de uma série de sentimentos tristes que se encontraram em uma encruzilhada histórica, que vão desde a crônica política de insegurança pública, passando pelas fobias e ódios generalizados, que ficaram fermentando debaixo do tecido social por gerações e puderam sair do armário recentemente, chegando à desagregação geral pela política institucional, cujo cume foi a destituição política de uma presidenta eleita sem que ela tenha cometido um crime digno do nome. Ele é um símbolo de nossa época. Mas não é o único. Podemos nos alimentar de outros caminhos.

Deixar que ele colonize nossos pensamentos, drene nossas forças, nos acue no canto é perder o jogo - o verdadeiro jogo - antes mesmo de ele começar.

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