sexta-feira, 29 de julho de 2005

Série personagens fictícios

capítulo 3: o advogado controverso

Edvaldo nasceu numa família humilde. Classe média-baixa, se quisermos usar um padrão universal. Cresceu em um bairro do subúrbio, mas mantinha-se distante dos garotos de sua idade. Agia dessa maneira involuntariamente, não se sentia superior, diferente ou melhor. Na verdade, não pensava sobre isso. Apenas gostava de ficar em casa, brincando com seus próprios bonecos e nunca suspeitou que poderia abrir a porta e ter um mundo amplo lá fora.

Com esforço de todos os parentes, se formou na advocacia, profissão que sempre achou boa. Boa mais no sentido altruísta do termo que no egoísta. Edvaldo pensa assim: todos deve ter direito aos mesmos direitos; ninguém pode ser tratado diferentemente só porque nasceu em outro lugar, tem um nariz mais abrutalhado, ou porque é pobre.

Aprendeu essas idéias igualitárias na faculdade. Repetia esses preceitos para si mesmo como mantras. Entendeu-os como por osmose. Pensava que todo advogado deveria ser humanista, acreditar no seu semelhante, defender a espécie. Escutou os melhores professores, os profissionais mais reconhecidos pelo mercado, falando exatamente isso. De alguma maneira, associou a solidariedade com o sucesso.

Já participou de discussões porque não concordava com nenhuma proposta - que ele chamava de - radical. Não via como a pena de morte pode ser produtiva, por exemplo. Para ele, era quase um contra-senso em termos. Em primeiro lugar, sempre morreria mais gente inocente que os verdadeiramente culpados. Não adiantavam falar-lhe que há alguns criminosos que não se recuperariam na cadeia. Ele repetia a mesma ladainha: os homens devem pagar vivos pelos seus crimes.

Entretanto, por mais incrível que possa parecer, lá dentro, no seu íntimo mais profundo, Edvaldo não consegue confiar em ninguém. Acha a humanidade fadada ao fracasso. É um sentimento fatalista, ele sabe, mas não deixa de pensar que somos animais gananciosos, que não nos contentamos com o que temos e podemos fazer tudo para alcançar aquilo que queremos. Era por isso que nós nos movemos. Mas o caminho a que isso está levando a humanidade é totalmente catastrófico.

Para provar suas teses, Edvaldo decidiu defender um criminoso da pior estirpe. Um deputado que fez sua fortuna com o tráfico no Norte do país e que matava com requintes de terror quem dificultasse o seu caminho. Se por um lado, Edvaldo acha que todos têm o direito à defesa, por outro, ao auxiliar o que de pior há na humanidade, ele provaria também que o homem pode fazer tudo por poder, ambição ou dinheiro. Ou para simplesmente provar uma idéia.

Pela atitude improvável, chamou a atenção da mídia que o transformou no foco da discussão das elites. Trabalhou incansavelmente, virou noites em claro para achar falhas no processo e as encontrou. Por obra de Edvaldo, o tal criminoso ganhou as ruas como um sujeito inocente.

Contudo, Edvaldo não sobreviveu muito tempo para continuar sua catequese. Mas, se pudesse, ele agradeceria o seu assassino: este também comprovava sua tese.

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