sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Semântica e ética

Ontem, o ator Francisco Cuoco foi seqüestrado por cerca de 20 minutos no Rio. Sete homens armados e em dois carros (três, dependendo da versão) abordaram o veículo de Cuoco - que ia para o teatro Miguel Falabella, em Del Castilho - para assaltá-lo, mas decidiram levar o ator para sacar dinheiro em bancos. Ao reconhecerem-no, desistiram da ação e o largaram perto da Barreira do Vasco.

Por mais que ele tenha ficado em poder dos bandidos por quase meia-hora, os jornais insistem em dizer que ele foi "levado por" ou que "ficou em poder dos". O argumento é: a palavra "seqüestro" tem uma conotação muito negativa, denotando ação com planejamento, escolha da vítima, pedido de resgate. Nem a sua modalidade fast-food, o seqüestro-relâmpago, foi citada - mesmo que o caso seja CLARAMENTE esse: bandidos pararam um carro para levar um dos ocupantes e tentar fazer saques em dinheiro em bancos. Quando perceberam que ele era uma pessoa conhecida, raciocinaram que teriam problemas e desistiram, não antes de ganhar algum (roubaram dinheiro, cartões, documentos, senhas de banco e o próprio carro de Cuoco).

Segundo o wikipédia, seqüestro, "quando se refere a uma pessoa, trata-se do ato de privar ilicitamente uma pessoa de sua liberdade, mantendo-a em local do qual ela não possa livremente sair". Mais a frente, mais explicações: "Em geral, o seqüestro de pessoas é feito com o intuito de extorsão, ou seja, de coação do próprio seqüestrado ou de outras pessoas por meio de violência ou ameaça, e com o intuito de obter qualquer tipo de vantagem, seja dinheiro, bens materiais, ou mesmo utilizar o seqüestrado como "moeda de troca" a fim de obter a libertação de um ou mais indivíduos presos, etc." O Houaiss concorda: "ato pelo qual, ilicitamente, se priva uma pessoa de sua liberdade, mantendo-a em local de onde não possa sair livremente ".

Estávamos diante de um caso em que usar a palavra ajustada (seqüestro e seus derivantes) estaria semanticamente correto, mas eticamente incorreto. Poderia criar um pânico na população ainda maior do que será criado naturalmente com o evento. É função da imprensa informar sobre acontecimentos que importam ao cidadão, e isso quer dizer um seqüestro a uma figura pública, mas não assustar um povo que anda, de maneira coletiva, com síndrome do pânico.

O mais curioso é que a imprensa em geral não quis usar nem o seu irmão-eufêmico: rapto.

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