segunda-feira, 5 de abril de 2010

Henry James: o mais inglês dos americanos

Apesar de ter nascido numa rica e aristocrática família do nordeste americano, que incluía entre outras figuras relevantes seu irmão, o psicólogo e filósofo William, Henry James queria ser inglês. Tanto queria que se naturalizou, um ano antes de morrer. Os 40 anos que passou na Inglaterra impregnaram não apenas a sua vida, mas também os seus trabalhos, principalmente aquele que é considerado por alguns o melhor relato de terror já escrito e, provavelmente, a sua obra-prima: "A volta do parafuso", de 1898.

Numa Inglaterra ainda repleta de hierarquias entre senhores e serviçais, entre homens e mulheres etc., e lotada de regras de comportamento, James mostra uma preceptora tomando conta de duas crianças que moram numa propriedade no interior. Logo no início do relato, essa professora começa a ver vultos, que julga ser fantasmas, e não sabe bem como lidar com a situação. Se a questão por si só já é tensa, com as suas poses e diálogos escorregadios, James deixa a história ainda mais delicada, não fazendo qualquer tipo de conclusão. Como um bom gentleman, é sutil até para sugerir um eventual envolvimento amoroso entre dois personagens.

A professora, que além de protagonista é a narradora do conto em questão, até afirma que vê espíritos, além de comentar como acreditava que as crianças também os viam. Mas os leitores nunca temos a certeza disso, porque ela poderia estar fantasiando suas visões por, por exemplo, ter ficado perturbada. Fica-se na dúvida o tempo todo sobre todos os aspectos. Como aliás se fica em relação à sua vida sexual.

Mesmo quem não sabe nada sobre a sua biografia, ao ler qualquer um de seus elegantes textos, pode suspeitar de sua orientação sexual. Seus comentários são sempre recheados de ironia mordaz e destruidora, como alguns gays são caracterizados. Sobre as mulheres que tinham prometido ficar para escutar o relato, o narrador do prólogo, uma espécie de alter-ego de James solta: "As senhoras que estavam de partida, e que haviam dito que ficariam para a leitura, naturalmente - graças a Deus - não ficaram." Touché.

De qualquer forma, James é um estilista que procura suas palavras com cuidado e cria frases de efeito, mesmo nas situações mais banais. Por isso, por mais que ele tenha sido visto durante um bom tempo como um escritor para senhoras, segundo o preconceito de que não tinha uma profundidade em seus relatos - o que seria de acordo para as mulheres - sempre se encontra frases exemplares, mesmo que datadas. Por exemplo: "(...) ela era um magnífico monumento dessa benção dos céus que é a falta de imaginação" (página 207, da edição da Abril Cultural de 1972).

Entretanto esse estilo serpentinesco de dizer as verdades pode confundir os menos atentos, ou seja, todos os que não têm paciência de encarar um livro um pouco menos óbvio. Uma pena porque perde-se frases como: "A maneira de um homem prestar o seu mais alto tributo a uma mulher pode não ser outra coisa senão a festiva celebração de uma das leis sagradas da sua comodidade" (página 224).

No fundo, entretanto, talvez James quisesse apenas ver a sua obra como um conto sobre fantasmas, sem a preocupação sobre o seu estilo ou o quanto sua vida influenciava em sua obra. Talvez ele quisesse apenas contar uma história, algo tão raro nos dias de hoje.


O famoso conto de Henry James foi várias vezes adaptado para o cinema. Talvez a adaptação mais famosa seja essa de 1961, como "Os inocentes".

(Reprodução de quadro de John Singer Sargent)

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