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26
A fase era péssima. Nada dava certo. Nenhum pensamento prosperava na minha cabeça guiada por um único pensamento, que dominava por completo a atenção. Sentia um peso danado por ter feito o que fiz. Não sabia como lidar com isso. Era tão absurdo, tão inesquecível, tão chocante que desisti de fazer qualquer coisa que fosse considerada por qualquer sujeito comum simples. Em poucos meses, chegava ao lugar onde não há qualquer alternativa.
Estava definhando. Não saía de casa há dias, já tinha esquecido o que era comida, vivia num estado entre o dormir e o ficar acordado, sonâmbulo. Perdi as forças e estava me entregando. Não vislumbrava qualquer sentido, significado, possibilidade para o que se chama vida. Não decidia nada. Permanecia deitado, em qualquer pedaço do apartamento, e mais recentemente, só do quarto. Observava, no início da avalanche, a janela, a favela. Prestava a atenção nos barulhos da rua. Em seguida, olhei para a parede, num transe que mistura dia e noite na cor amarelada.
Passava pela minha cabeça apenas a ideia de que não havia motivo algum para se levantar. Ficar deitado ou desaparecer eram a mesma coisa. Sentia-me sem força. Cansado de uma luta que nem havia começado. A culpa aprisionava os meus membros num casulo, impedindo-os de se movimentar. Havia cometido um crime, era um criminoso, fora-da-lei, merecia a prisão, merecia não existir. Era a minha única oração, e eu repetia como uma ladainha, hora após hora. Só não fazia algo pior porque não tinha coragem nem para isso. Os órgãos iam se paralisando um a um, até que um dia, perdi os sentidos.
Só acordei tempos depois, talvez dias, talvez horas. E, incrivelmente, me sentia melhor. Sentia-me... Vazio. Não havia tristeza, culpa, rancor, pena, dor, fome, nem alegria, felicidade. Era o meu corpo e nada dentro. Eu era um robô, um homem sem emoções que acordava. Alguém que não tinha nada para expor e que poderia ser, por completo, preenchido.
Pela primeira vez, pude avaliar o incidente de uma distância segura, sem ser influenciado por nenhum resquício de outro sentimento. Estava à vontade comigo mesmo. E, observando o ato, analisando toda a cena, quadro a quadro, em câmera lenta, voltando e adiantando, acelerando e atrasando, mudando a ordem das ações, cheguei a uma conclusão: tinha gostado do que fizera.
Sentira um prazer, uma força, algo que nunca tinha acontecido comigo. Sentia-me poderoso. Era isso. Senhor da vida e da morte. Quem decide o destino dos outros. O que interrompe. Era um mensageiro de deus, uma espécie de anjo da morte. Eu estava seguindo por essa linha e ri, não de felicidade, mas de mim mesmo, do raciocínio que tive, megalomaníaco, infantil. Era um sentimento tão inusitado para mim. Eu não acredito em deus, menos ainda em uma religião. O que senti não tinha a ver com o divino. Também não tinha a ver com nada místico, por motivos óbvios. Decidi, então, descobrir de onde vinha essa felicidade. Nem que, para tanto, tivesse que matar mais pessoas.
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