Quando alguém - que já conhece um pouquinho sobre cervejas - quer dizer que viu uma marca cara no supermercado, sempre fala dela. Ou melhor, Dela: DeuS. É a mais conhecida cerveja muito-cara no mercado. Normalmente seu preço passa dos R$ 200, com o argumento de que ela é uma cerveja especial, única, feita no método
champenoise, garrafa a garrafa, um fulaninho fica lá na cave em Champagne, girando o vasilhame de tempos em tempos para não acumular o sedimento, blablablá. Blá. Nunca tomei e, claro, tomaria, se alguém ma oferecesse; mas será difícil tirar esse dinheiro todo do bolso por conta de uma única garrafa - mesmo de 75 cl - de um estilo que nem é o meu preferido.
[Pausa para dizer que na última e única vez que fui lá no
Belgian Beer Paradise, em Ipanema, enquanto tomávamos belas cervejas - cujos nomes já me foram apagados da memória por esse problema que envolve o consumo de belas cervejas -, escutávamos o grupo de dentro da loja abrindo, de dez em dez minutos uma garrafa de DeuS. Deus não é justo, mesmo.]
Pouca gente repara, entretanto, que há uma espécie de disputa entre o céu e a terra pelo paladar mais aguçado dos bebedores de cerveja. Basta lembrar [e salivar] das
trapistas, feitas em monastérios dessa ordem [um dia falarei mais só sobre isso]. Além disso, monges de outras ordens também são conhecidos produtores de cerveja e um estilo heterogêneo chamado "cerveja de abadia", que uma certa [ou seria
errada?] cervejaria diz fazer a sua, é encontrado em cervejas extremamente comuns, como a Leffe, por exemplo
Além disso,
Michael Jackson, um dos maiores conhecedores de cerveja [não o cantor, por favor] sempre citava a história de que na versão "original" da bíblia, em vez de "vinho", na hora da famosa ceia, aparecia uma expressão que pode ser traduzida por "bebida alcóolica". Ele argumenta, meio de troça [claro, porque isso não tem qualquer importância] que a tal beberagem seria cerveja, que tinha sido "descoberta" [um dia também falo só sobre isso] na Mesopotâmia, ali do lado de onde Jesus viveu e morreu. É muito mais provável que ele tivesse tomado uma "bebida alcóolica" de cereais fermentados que vinho, comum na Grécia, onde aparece a primeira tradução fora do aramaico.
Do outro lado do ringue, não podemos esquecer a atração que a cerveja - e todas as bebidas alcoólicas - exercem sobre o nosso lado mais... demoníaco [no melhor sentido possível, que repete à sua acepção grega]. Se pensarmos em Dionísio e em suas festas-que-não-acabavam-nunca regadas a vinho, já é um caminho para dizer que o álcool, mais que um facilitador, ele é totalmente partidário do libera-geral. Mas não precisamos ir tão longe no tempo. Se você se lembra - se você
conseguir se lembrar - de certas beberagens excessivas da sua própria vida, aquelas que geralmente você tem, além da tradicional ressaca, uma segunda, de cunho moral, você já sabe o que quero dizer com esse lado demoníaco.
Os fabricantes de cerveja perceberam essa associação diabólica e não fizeram por menos. Não tenho números comparativos, mas chutaria que há mais rótulos dedicados ao coisa-ruim que ao cara-lá-de-cima. Numa olhada rápida no livro "
Beers of the world", só na seção belga [microcosmo perfeito, não?] contei 14 citações ao onipotente, onipresente e onisciente - entre cervejas trapistas e feitas em outros monastérios - e [apenas] quatro honrando o
esquerdo-mor. Tudo bem, perdemos, mas sabemos nos divertir mais. De qualquer forma, cervejas como Duvel [segundo consta: "diabo" em flamengo -, a língua, não o time, por favor] e Lucifer [com esse nome já vi várias] levantam a moral do time do enxofre. Claro que não dá para bater o
dreamteam formado pelas trapistas e suas companheiras - provavelmente as melhores cervejas já feitas. Mas quem disse que precisamos ganhar alguma coisa?
De qualquer forma, fiquei com uma dúvida na minha pesquisa: para que lado deveria eu ter contabilizado o voto para a cerveja
Judas?