sexta-feira, 11 de maio de 2012

Sotaques

Em um intervalo de poucas semanas, eu ouvi de uma brasileira que mora na Alemanha e de um espanhol que mora em Londres a mesma frase: eu tenho orgulho do meu sotaque. Curioso, isso, para mim. O assunto é recorrente nesse semiabandonado espaço, como eu pude perceber aqui, aqui e aqui. Eu gosto de línguas, não tenho como esconder isso.

Chega um momento que a linguagem não é mais algo racional, vira orgânico, parte do ambiente. Para passar para essa nova fase deve-se antes, entretanto, enfrentar no fim da anterior o monstro da falta de fluidez e da ausência de passado em comum, que nos municiaria com balas de cultura anterior, com granadas de comportamentos e informações afins, com bombas de efeito educacional. Esse monstro costuma sempre aparecer nas fases seguintes, mas, então, você já vai ter mais confiança em si mesmo para respondê-lo, já que já o enfrentou, com outra armadura, anteriormente.

Porém, o sotaque... o acento é algo que nunca - ou quase nunca - abandona o deslocado. É capaz de passar séculos aqui e continuar errando pronuncias simples, ou ficando inseguro frente a uma palavra desconhecida. Ou simplesmente, denunciando sua origem com um simples "yes, sir".

Eu nunca gostei de ter um sotaque. No Rio, me perguntam de onde sou - digo, agora, mais confiante, e em tom de pilhéria, que sou de Nova Iguaçu, o que é uma meia verdade [não pelo fato de eu ter nascido lá, porque eu nasci, mas porque isso não quer dizer absolutamente nada, não responde à pergunta que me foi feita].

Quando viajava para fora do Rio, em pouco tempo, pegava o sotaque desses lugares. Era fácil me adaptar. Não queria ser rotulado como alguém do Rio. Ou, fora do país, como alguém do Brasil. Principalmente porque não sou nada do que se espera desses lugares, que, internacionalmente, muitas vezes se confundem.

A identidade carioca e brasileira - o que o outro vê normalmente sobre o ser que nasce e vive nessas terras é geralmente meio caricata, como qualquer identidade, aliás. Cristalizou-se uma série de estereótipos do apaixonado por futebol, louco por carnaval e samba, que ama a praia e o calor, e está sempre acriticamente feliz e sorrindo. Daí a vontade de querer não ser rotulado como brasileiro ou carioca. Costumo sempre acrescentar à informação de que sou brasileiro, a que sou um "péssimo brasileiro".

Recentemente eu descobri que sei imitar razoavelmente bem o sotaque do inglês mais pernóstico. E isso, curiosamente, me passou uma segurança maior com o meu próprio acento. Saber que a mais esnobe das maneiras de falar também pode ser ridicularizada mostra o óbvio: não existe qualquer hierarquia entre as falas. Mesmo que eles tenham mais vocabulário, mais recursos, mais autoridade para se expressar, mais justificativas, não quer dizer que você não pode, também, tentar, cheio de erros, confundindo tempos verbais, trocando palavras, se esquecendo como fala o "th", também --tentar-- se comunicar. É, como dizem aqui, "fair enough".

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