[Resenha originalmente publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional]
Nos últimos anos, os produtores de cinema descobriram um filão para colecionar Oscar de melhor intérprete: colocar seus atores para se passar por uma grande figura inglesa do século XX. Começou com “A rainha”, e um retrato da rainha Elizabeth II no conturbado período após a eleição do primeiro-ministro trabalhista Tony Blair e, logo em seguida, a morte da ex-princesa Diana. Prêmio para Helen Mirren, como a monarca que teve que se adaptar ao tempo dos impérios midiáticos para se manter popular em seu próprio reino.
Depois veio “O discurso do rei”, que abordou a ascensão ao poder do pai de Elizabeth, George VI, após a morte de seu pai, George V, e a abdicação do seu irmão que – horror dos horrores, para os ingleses – decidiu se casar com uma mulher divorciada, e – ainda pior – americana. Estatueta para Colin Firth, que criou um rei gago, inseguro, mas deveras corajoso.
Por fim, neste ano, Meryl Streep levou mais uma das estátuas douradas para a estante de casa por interpretar a conservadora ex-primeira-ministra Margaret Tatcher, num filme que mostra o quanto a “Iron lady” era polêmica, principalmente por acreditar numa política aprendida na quitanda do pai, extremamente competitiva, que prioriza apenas o mérito.
Representação tímida
Curiosamente há um personagem que pode ser classificado como uma quase metonímia do século XX, e que ainda não se transformou em material para as produções cinematográficas de grande porte: Winston Churchill. Se fizermos um apanhado das citações ao ex-primeiro-ministro inglês em filmes diversos, via o site de dados IMDb, percebemos que Churchill é uma figura popular, aparecendo em diversas participações especiais, inclusive no próprio “O discurso do rei”, mas raramente como protagonista. Todavia, Churchill foi objeto de uma curiosa obra criada diretamente para a TV em 2009 chamada “Into the storm”, que narra em retrospectiva como foi a primeira das suas passagens pelo famoso endereço de 10 Downing Street – residência dos chefes de governo britânicos.
O filme é uma espécie de continuação da produção “Gathering the storm” de 2002, igualmente direcionada para a televisão, que fala sobre o período logo anterior da Segunda Guerra Mundial, em que Churchill era uma voz isolada contra o crescimento do nazismo na Alemanha. Na verdade, a biografia de Churchill é tão rica e variada, que diversos longas-metragens provavelmente não dariam conta dela.
Nos últimos anos, os produtores de cinema descobriram um filão para colecionar Oscar de melhor intérprete: colocar seus atores para se passar por uma grande figura inglesa do século XX. Começou com “A rainha”, e um retrato da rainha Elizabeth II no conturbado período após a eleição do primeiro-ministro trabalhista Tony Blair e, logo em seguida, a morte da ex-princesa Diana. Prêmio para Helen Mirren, como a monarca que teve que se adaptar ao tempo dos impérios midiáticos para se manter popular em seu próprio reino.
Depois veio “O discurso do rei”, que abordou a ascensão ao poder do pai de Elizabeth, George VI, após a morte de seu pai, George V, e a abdicação do seu irmão que – horror dos horrores, para os ingleses – decidiu se casar com uma mulher divorciada, e – ainda pior – americana. Estatueta para Colin Firth, que criou um rei gago, inseguro, mas deveras corajoso.
Por fim, neste ano, Meryl Streep levou mais uma das estátuas douradas para a estante de casa por interpretar a conservadora ex-primeira-ministra Margaret Tatcher, num filme que mostra o quanto a “Iron lady” era polêmica, principalmente por acreditar numa política aprendida na quitanda do pai, extremamente competitiva, que prioriza apenas o mérito.
Representação tímida
Curiosamente há um personagem que pode ser classificado como uma quase metonímia do século XX, e que ainda não se transformou em material para as produções cinematográficas de grande porte: Winston Churchill. Se fizermos um apanhado das citações ao ex-primeiro-ministro inglês em filmes diversos, via o site de dados IMDb, percebemos que Churchill é uma figura popular, aparecendo em diversas participações especiais, inclusive no próprio “O discurso do rei”, mas raramente como protagonista. Todavia, Churchill foi objeto de uma curiosa obra criada diretamente para a TV em 2009 chamada “Into the storm”, que narra em retrospectiva como foi a primeira das suas passagens pelo famoso endereço de 10 Downing Street – residência dos chefes de governo britânicos.
O filme é uma espécie de continuação da produção “Gathering the storm” de 2002, igualmente direcionada para a televisão, que fala sobre o período logo anterior da Segunda Guerra Mundial, em que Churchill era uma voz isolada contra o crescimento do nazismo na Alemanha. Na verdade, a biografia de Churchill é tão rica e variada, que diversos longas-metragens provavelmente não dariam conta dela.
Filho de uma família nobre, mas sem dinheiro, estudou em colégios internos, longe dos pais. O homem que mais tarde ganharia o prêmio Nobel de literatura, principalmente por conta de suas obras “Memórias da segunda guerra mundial” e “A history of the English-speaking peoples”, foi um aluno medíocre. Para piorar, tinha dificuldade na fala – logo ele, que seria conhecido pelos seus discursos de incentivo aos britânicos. Adulto, entrou nas Forças Armadas e participou das incursões em Cuba, Índia, Sudão, na segunda guerra dos Bôeres. Virou prisioneiro na África do Sul e conseguiu escapar de maneira espetacular, se tornando um herói nacional na Inglaterra. Entrou no parlamento em 1900. Foi na maioria do seu tempo político do partido conservador, mas quando assumiu o governo fez uma coalizão exatamente com os trabalhadores, a segunda força do congresso. Foi figura ativa na Primeira Guerra, sendo o comandante da Marinha. Foi pintor. Historiador. Foi jornalista, correspondente de guerra . Imortalizou o “v” de vitória feito com o indicador e o médio. Representou e incentivou a Inglaterra em um período dos mais complicados... Cada uma dessas facetas merecem ser exploradas em separado. Talvez por isso que em Londres há um museu inteiramente dedicado a ele, o Churchill War Rooms, exatamente no lugar onde ele se reunia com o seu gabinete para discutir os rumos do país, durante os bombardeios em Londres da Segunda Guerra Mundial.
Into the storm
O longa-metragem de 2009 é focado só no primeiro período em que ele assumiu o governo. No início, ouvimos um dos seus discursos mais famosos, pronunciados durante a guerra, quando Churchill anuncia que a Inglaterra deve lutar até o fim, nos mares, montanhas, nas ruas, que os ingleses devem defender a sua ilha a qualquer custo, e que eles nunca devem se render. É de arrepiar.
O filme começa um pouco antes, quando ele é escolhido para assumir o cargo principal, e o acompanha até o fim, quando ele perde a eleição para se manter no poder. Durante a guerra, porém, ele é uma figura indispensável. Enquanto a Europa toda está sendo invadida pelos alemães, os soviéticos se mantinham em stand-by, e os norte-americanos simplesmente ignoravam – no sentido de não se importar com – o que acontecia do outro lado do Atlântico, a Inglaterra era praticamente a única potência contra os nazistas.
A ilha, nesse período, entretanto, parecia ainda menor e mais frágil do que ela é, principalmente quando era comparada aos então aliados EUA e URSS. Churchill parecia, na intimidade, inseguro em suas decisões, cometendo erros, sendo duro e ríspido. Mas jamais perdendo sua estima e, principalmente, o que os ingleses chamam de “wit” e que é mal-traduzida como “perspicácia”. O filme nos brinda com diversas de suas frases famosas e tiradas espirituosas. Por exemplo, quando ele vai aos EUA tentar angariar o apoio de Roosevelt. Churchill recebe o colega norte-americano na banheira em seu quarto de hotel. Ao se levantar para se secar, sua toalha cai. Sem perder a presença de espírito – outra possível tradução para “wit” –, Churchill fala: como você pode ver, não tenho nada a esconder. Roosevelt e Churchill se tornariam amigos, o que não se pode dizer entre o inglês e Stálin.
Fascinado pela guerra
“Into the storm” mostra ainda que Churchill era o homem certo para aquele específico momento. Um político com ligação forte com os militares, inclusive optando por criar uma pasta de defesa durante o conflito, e se autointitulando ministro da defesa. Tinha o dom da palavra, bem comum aos líderes daquele período histórico do amadurescimento do rádio – basta pensar em Hitler, Mussolini ou mesmo em Vargas, ou em como era importante para o rei George VI fazer o seu discurso. Era um homem que lutava pelos ideais conservados pela tradição inglesa, a ponto de defender o império britânico, e reclamar da invasão japonesa em algumas de suas colônias no sudeste asiático. E, principalmente, era um líder fascinado pela guerra. Há uma cena em que Churchill desaparece do gabinete subterrâneo para assistir assombrado e ao mesmo tempo fascinado ao bombardeio de sua cidade pelos alemães.
Ao fim da guerra, pode parecer estranho que o homem conhecido por unir o Reino Unido no seu momento mais crítico em muitos anos tenha perdido a eleição. A Inglaterra e o mundo, porém, tinham mudado. O socialismo crescia, os soviéticos dominavam metade da Europa, e na outra metade os americanos injetavam dinheiro para reconstrução, e para manter o perigo vermelho controlado. A guerra, agora, era fria. As qualidades de Churchill não eram mais indispensáveis. Ele até volta ao poder em fins de 1951, poucos meses antes da morte de George VI e, consequentemente, da subida de Elizabeth II. Mas, então, o filme já era outro.
O filme começa um pouco antes, quando ele é escolhido para assumir o cargo principal, e o acompanha até o fim, quando ele perde a eleição para se manter no poder. Durante a guerra, porém, ele é uma figura indispensável. Enquanto a Europa toda está sendo invadida pelos alemães, os soviéticos se mantinham em stand-by, e os norte-americanos simplesmente ignoravam – no sentido de não se importar com – o que acontecia do outro lado do Atlântico, a Inglaterra era praticamente a única potência contra os nazistas.
A ilha, nesse período, entretanto, parecia ainda menor e mais frágil do que ela é, principalmente quando era comparada aos então aliados EUA e URSS. Churchill parecia, na intimidade, inseguro em suas decisões, cometendo erros, sendo duro e ríspido. Mas jamais perdendo sua estima e, principalmente, o que os ingleses chamam de “wit” e que é mal-traduzida como “perspicácia”. O filme nos brinda com diversas de suas frases famosas e tiradas espirituosas. Por exemplo, quando ele vai aos EUA tentar angariar o apoio de Roosevelt. Churchill recebe o colega norte-americano na banheira em seu quarto de hotel. Ao se levantar para se secar, sua toalha cai. Sem perder a presença de espírito – outra possível tradução para “wit” –, Churchill fala: como você pode ver, não tenho nada a esconder. Roosevelt e Churchill se tornariam amigos, o que não se pode dizer entre o inglês e Stálin.
Fascinado pela guerra
“Into the storm” mostra ainda que Churchill era o homem certo para aquele específico momento. Um político com ligação forte com os militares, inclusive optando por criar uma pasta de defesa durante o conflito, e se autointitulando ministro da defesa. Tinha o dom da palavra, bem comum aos líderes daquele período histórico do amadurescimento do rádio – basta pensar em Hitler, Mussolini ou mesmo em Vargas, ou em como era importante para o rei George VI fazer o seu discurso. Era um homem que lutava pelos ideais conservados pela tradição inglesa, a ponto de defender o império britânico, e reclamar da invasão japonesa em algumas de suas colônias no sudeste asiático. E, principalmente, era um líder fascinado pela guerra. Há uma cena em que Churchill desaparece do gabinete subterrâneo para assistir assombrado e ao mesmo tempo fascinado ao bombardeio de sua cidade pelos alemães.
Ao fim da guerra, pode parecer estranho que o homem conhecido por unir o Reino Unido no seu momento mais crítico em muitos anos tenha perdido a eleição. A Inglaterra e o mundo, porém, tinham mudado. O socialismo crescia, os soviéticos dominavam metade da Europa, e na outra metade os americanos injetavam dinheiro para reconstrução, e para manter o perigo vermelho controlado. A guerra, agora, era fria. As qualidades de Churchill não eram mais indispensáveis. Ele até volta ao poder em fins de 1951, poucos meses antes da morte de George VI e, consequentemente, da subida de Elizabeth II. Mas, então, o filme já era outro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário