Cometi o erro de assistir aos cinco minutos finais da entrevista do Bolsonaro ontem no JN. Fiquei com uma gastura e um sentimento de amargor na garganta, misturado com uma queimação no estômago e um riso nervoso. E é sobre o riso nervoso que queria falar.
A animosidade contra a Globo é tão grande, [auto]cavada durante tantos anos, construída de tantas formas, que mesmo um candidato fascistoide criando um curto circuito na organização de perguntas e respostas e réplicas e tréplicas do Bonner &cia. nos causa um certo prazer - um prazer culpadíssimo, que evitamos admitir, mas que aparece, sem que percebamos, nesse sorriso estranho.
Uma das razões é, inclusive e exatamente, o apoio em 1964 das Organizações Globo ao golpe militar - golpe que o Bolsonaro chama de revolução, repetindo um coro que foi engrossado exatamente pela Globo desde antes mesmo do primeiro momento, ou do primeiro de abril.
Ter admitido por meio de um editorial, há apenas cinco anos, no meio da efervescência das ruas de 2013, portanto cerca de 50 anos depois do início do apoio, que essa base de sustentação foi um equívoco, é muito pouco. Parece que não aprenderam a lição.
Quando repetimos a platitude que nós, como projeto de país, não gostamos de olhar para a História, poderíamos usar esse exemplo para nos apoiar. Não adianta simplesmente "pedir desculpas", se continuar a repetir as mesmas táticas, meio século depois. Vide o caso do apoio à derrubada da presidenta eleita sem qualquer motivo que justificasse essa virada de mesa completa. Essa ferida tem também seu preço, e estamos vivendo as consequências dele, até hoje - e vamos viver por muito tempo.
O Bolsonaro é, também, fruto de uma mentalidade que não extirpou a possibilidade do retorno a um governo profundamente autoritário, que não acabou com o ranço absolutista e feudal, que mora na psiquê da nossa pseudo-elite, que tem como uma única tática de governança propor [mais] violência para acabar com a violência. O que foi nossa lei de anistia? O que foi a nossa Comissão da Verdade?
E a Globo é parte integrante desse esquema. Não é fácil assistir ao Bonner falar do problema das balas perdidas sem quase rir de escárnio, lembrando do apoio que as OGs em geral deram à limpeza étnica promovida pelo Cabral nas favelas e periferias cariocas, na sua sanha de implantar UPPs para os "grandes eventos". Isso para citar um único exemplo.
Talvez "precisemos", nós, esse projeto de nação, retornar a um governo autoritário e sem qualquer traquejo social, para, como acontece na psicanálise, experimentar novamente os horrores da nossa mais profunda pulsão de morte. Não adianta que os iluminados e esclarecidos acendam as tochas e digam qual é o caminho, se os demais preferem seguir em direção à fogueira.
Não há nada para "ensinar" uns aos outros - temos que todos perceber o quanto é pior viver num país com suas liberdades democráticas diminuídas. Enquanto isso não for uma realidade, carnal, dolorida, para todos, inclusive aí para o Grupo Globo, nada vai mudar, mesmo.
Ou talvez para a grandessíssima maioria da população não houve, assim, significativas mudanças desde que voltamos a ir de quatro em quatro anos a uma urna escolher um entre outros nomes. Por isso, voltar ou não voltar para uma ditadura [escancarada ou envergonhada] não faria tanta diferença.
Apenas [e outro talvez aqui] por apenas um curto período de tempo, os mais pobres se sentiram olhados, cuidados, apenas em um curto período eles sentiram que havia um projeto de país que incluía eles, também. Não à toa que há um candidato com 40% das intenções de voto. E não à toa, para mostrar o quanto não aprendemos nada, que esse candidato esteja preso.
ps. Essa não é uma declaração de voto, nem um bater de ombros cínico, mas uma tentativa de pensar a política institucional além das próprias questões eleitoreiras, para evitar em mim esse sentimento generalizado de incapacidade. É lembrar de todas as nossas responsabilidades no jogo, além do simples apertar botões num computador com os números de candidatos virtuais.
A animosidade contra a Globo é tão grande, [auto]cavada durante tantos anos, construída de tantas formas, que mesmo um candidato fascistoide criando um curto circuito na organização de perguntas e respostas e réplicas e tréplicas do Bonner &cia. nos causa um certo prazer - um prazer culpadíssimo, que evitamos admitir, mas que aparece, sem que percebamos, nesse sorriso estranho.
Uma das razões é, inclusive e exatamente, o apoio em 1964 das Organizações Globo ao golpe militar - golpe que o Bolsonaro chama de revolução, repetindo um coro que foi engrossado exatamente pela Globo desde antes mesmo do primeiro momento, ou do primeiro de abril.
Ter admitido por meio de um editorial, há apenas cinco anos, no meio da efervescência das ruas de 2013, portanto cerca de 50 anos depois do início do apoio, que essa base de sustentação foi um equívoco, é muito pouco. Parece que não aprenderam a lição.
Quando repetimos a platitude que nós, como projeto de país, não gostamos de olhar para a História, poderíamos usar esse exemplo para nos apoiar. Não adianta simplesmente "pedir desculpas", se continuar a repetir as mesmas táticas, meio século depois. Vide o caso do apoio à derrubada da presidenta eleita sem qualquer motivo que justificasse essa virada de mesa completa. Essa ferida tem também seu preço, e estamos vivendo as consequências dele, até hoje - e vamos viver por muito tempo.
O Bolsonaro é, também, fruto de uma mentalidade que não extirpou a possibilidade do retorno a um governo profundamente autoritário, que não acabou com o ranço absolutista e feudal, que mora na psiquê da nossa pseudo-elite, que tem como uma única tática de governança propor [mais] violência para acabar com a violência. O que foi nossa lei de anistia? O que foi a nossa Comissão da Verdade?
E a Globo é parte integrante desse esquema. Não é fácil assistir ao Bonner falar do problema das balas perdidas sem quase rir de escárnio, lembrando do apoio que as OGs em geral deram à limpeza étnica promovida pelo Cabral nas favelas e periferias cariocas, na sua sanha de implantar UPPs para os "grandes eventos". Isso para citar um único exemplo.
Talvez "precisemos", nós, esse projeto de nação, retornar a um governo autoritário e sem qualquer traquejo social, para, como acontece na psicanálise, experimentar novamente os horrores da nossa mais profunda pulsão de morte. Não adianta que os iluminados e esclarecidos acendam as tochas e digam qual é o caminho, se os demais preferem seguir em direção à fogueira.
Não há nada para "ensinar" uns aos outros - temos que todos perceber o quanto é pior viver num país com suas liberdades democráticas diminuídas. Enquanto isso não for uma realidade, carnal, dolorida, para todos, inclusive aí para o Grupo Globo, nada vai mudar, mesmo.
Ou talvez para a grandessíssima maioria da população não houve, assim, significativas mudanças desde que voltamos a ir de quatro em quatro anos a uma urna escolher um entre outros nomes. Por isso, voltar ou não voltar para uma ditadura [escancarada ou envergonhada] não faria tanta diferença.
Apenas [e outro talvez aqui] por apenas um curto período de tempo, os mais pobres se sentiram olhados, cuidados, apenas em um curto período eles sentiram que havia um projeto de país que incluía eles, também. Não à toa que há um candidato com 40% das intenções de voto. E não à toa, para mostrar o quanto não aprendemos nada, que esse candidato esteja preso.
ps. Essa não é uma declaração de voto, nem um bater de ombros cínico, mas uma tentativa de pensar a política institucional além das próprias questões eleitoreiras, para evitar em mim esse sentimento generalizado de incapacidade. É lembrar de todas as nossas responsabilidades no jogo, além do simples apertar botões num computador com os números de candidatos virtuais.