Nota à guisa de introdução e para fornecer algum contexto histórico:
Em 2006, quando Sérgio Cabral Filho foi eleito governador do Rio de Janeiro, eu trabalhava em uma redação de um grande portal jornalístico de internet. Uma das propostas do então queridinho dos principais grupos de comunicação do estado era promover uma limpeza étnica nas favelas e periferias da capital, seguindo sua promessa de engrossar o tom das respostas contra os grupos organizados fora da lei. Ele, junto com o seu primeiro-tenente, José Mariano Beltrame, queria “recuperar os territórios” (termos usados com frequência) das mãos dos traficantes (essa alcunha genérica que se usa exageradamente como sinônimo de criminoso), para montar Unidades de Polícia Pacificadoras (sic), e proteger a maravilhosa cidade para os eventos que ocorreriam aqui (do Pan, em 2007, passando pela Copa do Mundo, em 2014, até as Olimpíadas, em 2016).
Uma das táticas da polícia sob o comando de Cabral (mas sem ser invenção dele) foi fazer incursões cotidianas em favelas de diferentes tamanhos. O resultado era um dia a dia de mortes no varejo e, frequentemente, nada menos que chacinas patrocinadas por quem deveria evitá-las: o Estado. Todos os dias, eu, como um dos primeiros filtros do site, recebia informações do assassinato de dois, três homens – sempre suspeitos, sempre armados, invariavelmente pretos – em uma operação policial. Eu tinha que decidir se essas mortes de homens de pele escura, pobres e favelados, em confronto com agentes da (in)segurança, eram passíveis de virar notícia, e entrar numa montanha de informação bastante caótica; ou não: deveríamos ignorar sua história e nem mesmo relegá-los a se tornar letras virtuais num ambiente igualmente imaterial. Opções, ambas, excepcionalmente destrutivas, para mim.
Era um exercício diário de morte, de um outro tipo de morte, que me matava aos poucos, com a desculpa de que me fornecia as possibilidades para poder sobreviver. Até que não mais.
Esse livro, escrito entre os anos de 2007 e 2008, foi a tentativa de imaginar – de um modo que, à época, pensava ser caricatural – as possíveis implicações, ou últimas consequências, da euforia coletiva em relação às decisões da política institucional, euforia que se mostrava profundamente insensível com a situação daqueles sobre quem tal política brutalmente incidia. A história descreve a gênese de uma moral perversa, psicopata, fascista até, que está sempre à espreita, principalmente quando optamos por soluções aparentemente fáceis e, por isso, inexoravelmente violentas.
Em 2006, quando Sérgio Cabral Filho foi eleito governador do Rio de Janeiro, eu trabalhava em uma redação de um grande portal jornalístico de internet. Uma das propostas do então queridinho dos principais grupos de comunicação do estado era promover uma limpeza étnica nas favelas e periferias da capital, seguindo sua promessa de engrossar o tom das respostas contra os grupos organizados fora da lei. Ele, junto com o seu primeiro-tenente, José Mariano Beltrame, queria “recuperar os territórios” (termos usados com frequência) das mãos dos traficantes (essa alcunha genérica que se usa exageradamente como sinônimo de criminoso), para montar Unidades de Polícia Pacificadoras (sic), e proteger a maravilhosa cidade para os eventos que ocorreriam aqui (do Pan, em 2007, passando pela Copa do Mundo, em 2014, até as Olimpíadas, em 2016).
Uma das táticas da polícia sob o comando de Cabral (mas sem ser invenção dele) foi fazer incursões cotidianas em favelas de diferentes tamanhos. O resultado era um dia a dia de mortes no varejo e, frequentemente, nada menos que chacinas patrocinadas por quem deveria evitá-las: o Estado. Todos os dias, eu, como um dos primeiros filtros do site, recebia informações do assassinato de dois, três homens – sempre suspeitos, sempre armados, invariavelmente pretos – em uma operação policial. Eu tinha que decidir se essas mortes de homens de pele escura, pobres e favelados, em confronto com agentes da (in)segurança, eram passíveis de virar notícia, e entrar numa montanha de informação bastante caótica; ou não: deveríamos ignorar sua história e nem mesmo relegá-los a se tornar letras virtuais num ambiente igualmente imaterial. Opções, ambas, excepcionalmente destrutivas, para mim.
Era um exercício diário de morte, de um outro tipo de morte, que me matava aos poucos, com a desculpa de que me fornecia as possibilidades para poder sobreviver. Até que não mais.
Esse livro, escrito entre os anos de 2007 e 2008, foi a tentativa de imaginar – de um modo que, à época, pensava ser caricatural – as possíveis implicações, ou últimas consequências, da euforia coletiva em relação às decisões da política institucional, euforia que se mostrava profundamente insensível com a situação daqueles sobre quem tal política brutalmente incidia. A história descreve a gênese de uma moral perversa, psicopata, fascista até, que está sempre à espreita, principalmente quando optamos por soluções aparentemente fáceis e, por isso, inexoravelmente violentas.
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