sábado, 27 de agosto de 2022

Referências para ‘Maquinação’

 3. De onde vieram suas referências e inspirações para escrever o livro?

Além das referências e inspirações mencionadas acima, da minha vida pessoal e profissional, há algumas obras clássicas que dialogam com "Maquinação", algumas direta outras indiretamente. Suspeito que a principal referência, mesmo que não explícita, é 1984, de George Orwell, com o seu mundo de repressão, com uma instância superior sempre controlando o que fazemos. Um spoiler: há um certo trecho de "Maquinação" que, para mim, é a tentativa de responder ao trecho correspondente do livro de Orwell. Ele propõe uma determinada solução talvez mais sombria, eu acho que o pessimismo deveria ficar para tempos menos complicados. Como uma espécie de complemento, há também alguma coisa de Admirável mundo novo, do Aldous Huxley, principalmente a maneira de dizer que, bem, não basta nos revoltarmos contra os poderes que querem coibir nossas vontades, nossos desejos -- ao contrário. O "sistema" (para usar um termo genérico e impreciso) não precisa mais nos reprimir, ele também pode lucrar com a nossa "liberdade". Acho que Blade runner também é uma referência forte, inclusive porque a continuação do filme foi lançada durante o processo mais duro de escrita do livro -- sobretudo na atmosfera e ambientação. Aliás, uma das epígrafes (adoro epígrafes) pega uma frase de um dos curtas feitos para lançar a sequência do longa clássico da década de 1980. Ainda na categoria filme, Branco sai, preto fica, do Adirley Queirós, tem uma ou duas coisinhas que eu roubei para o livro, acho que é fácil identificar. Por último, mas não menos importante, acho que a minha principal referência, mesmo que não necessariamente na superfície, é o argentino Jorge Luis Borges. No caso de "Maquinação", há uma certa cena, ao fim da segunda parte do livro, que, para mim, remetia diretamente ao conto "El Aleph". 

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Como foi escrever “Maquinação”?

 Já no clima de lançamento, a editora Guará me pediu para contar como foi escrever “Maquinação”.

/2. Como foi seu processo de escrever Maquinação? 

Houve várias fases. A primeira vez que eu escrevi uma linha no papel virtual da história que viria a ser "Maquinação" aconteceu em 2012, quando eu morava em Londres. Tinha trabalhado antes na saudosa Revista de História da Biblioteca Nacional e feito uma matéria sobre guerrilheiros que combateram a ditadura militar brasileira -- e o tema sobre um grupo de pessoas "comuns" que se juntam para tentar mudar um regime opressor, com as armas que tiverem nas mãos, me pareceu bem interessante. Há um heroísmo implícito, uma identificação imediata, mas também uma vocação para a tragédia, considerando que as forças em questão [no caso os militares, apoiados por caminhões de dinheiro do empresariado nacional X jovens de classe média urbana, agricultores buscando terras para trabalhar, operários querendo condições de vida mais justas, militantes de causas solidárias...] são, no mínimo, discrepantes. Voltei de Londres esse mesmo ano e o projeto foi para a gaveta, porque passei para o mestrado em Filosofia no fim de 2013 -- e é muito difícil, para mim, escrever ao mesmo tempo ficção e não-ficção. O ano de 2013 serviu, por si só, de mais inspiração, com os imensos protestos que tomaram as ruas do país inteiro. Junto a isso, pesquisei no mestrado a questão da técnica que me deu, entre outras coisas, o título "Maquinação" (é um termo associado ao filósofo que eu estudava mais de perto, Martin Heidegger). Mas só consegui me dedicar por completo ao livro, novamente, em 2016, quando acabei o mestrado e, por uma dessas coincidências, acabei indo passar dois meses em Beijing -- uma cidade com toques sci-fi. O tema dos guerrilheiros se mantinha, mas eu percebi que tinha que virar o ângulo da temporalidade e, em vez de olhar para o passado, mirar o futuro. O meu primeiro ponto final aconteceu em 2017, depois de -- outra coincidência -- passar um tempo em Paris. Essa última temporada me serviu para mostrar que a política pode e deve ser parte do nosso cotidiano, que não é algo que exercemos apenas em anos de eleição, mas que nossas decisões mais cotidianas são sempre carregadas de política, queiramos ou não. Abdicar de decidir politicamente é entregar a decisão para o status quo, para o mundo como ele já é, e nunca se esforçar para mudá-lo. Depois "Maquinação" participou e foi finalista do prêmio Rio de Literatura, e, agora, dez anos depois do seu início, vai para o mundo.

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Por que ler ficção científica?

O pessoal da editora Guará, que lança o meu livro “Maquinação”, me perguntou por que ler ficção científica, e eu arrisquei essa resposta aí embaixo:

Tenho uma suspeita de que a ficção científica cumpre uma "função" que era reservada, ali pelo século xix até a chegada dos vanguardistas no início do século xx, para o realismo. Se o realismo tinha como proposta -- como o nome sugere -- retratar a realidade, a ficção científica, de uma forma bem mais curiosa, faz o mesmo processo atualmente. Não apenas porque vivemos em um tempo e em uma sociedade que já poderia ser considerada como digna de uma história de ficção científica -- tanto do ponto-de-vista da tecnologia, quanto da relação com as nossas expectativas sobre o futuro --, mas porque outros estilos, menos "fantasiosos", mais colados ao registro puramente factual, não conseguem competir com a realidade contemporânea. Fenômenos com a dimensão da crise ecológica, que chega a mudar a era geológica em que vivemos, ou a nossa relação com algoritmos, que acabam decidindo boa parte de todas as nossas relações (sociais, comerciais, amorosas etc.), são tão complexos que o realismo parece apenas enfadonho quanto colocado ao lado. Por fim, a ficção científica, que eu classifico talvez de forma pouco ortodoxa como uma das vertentes da literatura fantástica, também pode atuar como potente fonte imaginativa num período histórico que parece que estamos sempre condenados a um determinado destino. Se o realismo retrata o presente ou o passado, tempos já consolidados (mesmo que essa consolidação esteja sempre em disputa), a ficção científica propõe (no caso da utopia) ou conjura (da distopia) um futuro, matéria essa que precisa ainda e sempre ser moldada.

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

'Maquinação': A questão da tecnologia e o título


Apesar de a primeira frase de "Maquinação" ter sido escrita ainda em 2012, o grosso do projeto foi desenvolvido principalmente em 2017. Eu tinha acabado de terminar o meu mestrado em Filosofia, e estava com a cabeça lotada de termos do sujeito [para lá de controverso] que estudei: Martin Heidegger. Controverso porque ele foi filiado ao partido nazista, mas, apesar disso, produziu algumas ideias que influenciaram boa parte do pensamento ocidental do século XX. Uma delas foi a noção de técnica que me chamou a atenção de cara. Ele estava falando lá na década de 1940 que a gente estava se especializando tanto que viraríamos supérfluos. O primeiro termo que ele usou para falar desse tema foi Machenschaft, algo como "fazeção", o ato de fazer algo. A ideia é que fazíamos as coisas no automático, sem pensar muito sobre os processos. A tradução para o termo em português tentou buscar uma sonoridade parecida, sem se afastar muito do conceito e escolheu... Maquinação.



O resto, vocês podem imaginar. Ou ler no livro.


Lançamento: dia 2/9, Travessa de Botafogo