domingo, 8 de maio de 2005

Literatura como um jogo

O que é literatura? O que se pode chamar literatura? Como definir um texto como literário? Felizmente não há como responder tais questões, podemos apenas elocubrar sobre o assunto, ou criar artifícios metafóricos que querem dizer tudo e nada ao mesmo tempo - o que seria metalinguagem. A verdade, por mais curiosa que seja, é: não é possível saber à exatidão o que é feito tal arte - aliás, problema este que atinge todas as suas outras seis companheiras.

Entretanto, é possível sugerir uma forma de encarar a literatura. Talvez não toda a literatura, mas ao menos uma boa parcela dela. Seria como uma brincadeira de detetive, onde você deve encontrar o todo a partir das pistas deixadas para trás pelo escritor.

É inegável que a imensa maioria dos escritores lê absurdamente. Por conseguinte, é possível encontrar detalhes de suas próprias leituras no escritos deixados. Dito assim, pode parecer extremamente louco. E é, um pouco.

Nesse caso, a literatura não "serve" para agradar, chocar, fazer rir, chorar ou qualquer outra emoção. Mas para encontrar detalhes escondidos, frases perdidas, particularidades irreconhecíveis. Não é cair numa busca exagerada de significações, porque talvez vc vai encontrar mais sentido que aqueles propostos pelo próprio autor. Ou isso mesmo. Criar em cima do que o escritor deixou, interpretando de todas as formas possíveis um mesmo escrito. A humanidade faz isso há séculos, vide a bíblia e a quantidade de religiões que se originaram.

Decifrar os gostos de um escritor é conhecê-lo melhor. Saber que ele gosta de um tipo específico de literatura, supor como ele pensa, antecipá-lo. Pense num escritor e sempre haverá o seu mentor literário. Ou fontes de onde ele retira - mesmo sem perceber - alguns de seus mais profundos insights.

Essa idéia, como todas, não é minha. Li algo parecido numa entrevista do escritor angolano José Eduardo Agualusa para o segundo caderno. Antes, contudo, já tinha reparado que alguns escritores consagrados adoram deixar pistas por toda a sua obra. Joyce, Borges, esse povinho. Dizem, por exemplo, que para ler o "Ulisses" é aconselhável o acompanhamento de uma bula.

Tive essa comprovação - de literatura encarada como um jogo - ao comprar um livro do argentino supracitado, escrito a quatro mãos com Bioy Casares. É uma coleção de textos de um crítico fictício de arte que mete o malho na grande maioria das modas artísticas - estas também apócrifas. Apesar de ser tudo inventado, todas as crônicas - fui informado pelo prefácio - são recheadas de referências, principalmente da época. O dito cujo chama-se "Crônicas de Busto Domecq". Talvez isso explique porque o protagonista do primeiro romance do Luis Fernando Veríssimo chame-se Macieira.

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