segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Lua de mel com o mundo

Os EUA estão em lua de mel com o mundo. Primeiro é a campanha presidencial que está levando os terráqueos a prestar a atenção, ainda mais que nos anos anteriores, em um negro filho de nigeriano cujo sobrenome é Hussein e que estudou numa escola muçulmana na Indonésia. Agora foi essa cerimônia do Oscar - que eu não vi em protesto contra a Globo que a transmitiu pela metade - que premiou todos os meus preferidos - com a exceção da Cate Blanchett.

Talvez tenha uma ligação entre o cinema e a situação política americana. Os filmes - e a sua receptividade por parte da tradicional academia - seria o medidor (me recuso a usar a expressão batida "termômetro") de como anda a percepção geral sobre o país e o mundo. Um exemplo do "liberalismo" deste ano são os vencedores de ator / atriz / e coadjuvantes. Nenhum é americano, sendo que dois não são nem anglófilos e uma interpretou um papel falando em francês. O clima anda multicultural.

Entretanto, os meus preferidos são:



Diablo Cody, roteirista de "Juno". Assim como Obama, ela foge do estereótipo de sua categoria. Tudo bem que os roteiristas são os mais loucos entre os loucos, vide a indicação do irmão gêmeo inexistente de Charlie Kaufman, por "Adaptação". Mas ela está um passo além.

O meu segundo favorito é:




"Once" é um filme pequeno até para os padrões de pequeno. Pequeno é "Juno", aí de cima, o longa irlandês, sobrinho do "The Commitments" é minúsculo. Filmado entre amigos, em três semanas, com uma grana ínfima... e é bom. Divertido, interessante e as músicas são ótimas. Assisti-lo só uma vez é impossível.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

I beg your pardon?

É inegável a minha empolgação com Barack Hussein Obama, na corrida pela presidência americana. Claro que isso não vai me afetar em nada, diretamente. Mas, saber que um sujeito filho de queniano, negro, que estudou numa escola de muçulmanos, ex-morador da Indonésia, que já admitiu ter usado drogas, que tem 90% das contribuições de campanha de eleitores que deram US$ 100, pode ser o presidente dos EUA é muito inusitado para me deixar inerte. O que demonstra que, em termos de igualdade entre os diferentes, estamos ainda muito atrás deles.

A questão é outra. Já ouvi dizer que, por causa das prévias, os americanos demonstram que o sistema de escolha de candidatos é muito mais democrático que o nosso. Bem, isso é inegável. No Brasil, os partidos são chefiados por caciques desde Pedro Álvares Cabral. A negação fica ao quererem generalizar a questão da democracia.

Se disserem que os EUA são o país mais democrático do mundo, desconfie. Não é porque eles tiveram líderes respeitáveis - Lincoln, Washington, Franklin D. Roosevelt, até o Kennedy, por que não? - que eles podem se gabar por completo. A primeira eleição de Bush filho está aí para nos lembrar que o sujeito subiu ao poder tendo menos votos que o adversário, Al Gore.

Obviamente o sistema de correção de votos, nos EUA, funciona principalmente porque o sufrágio é universal, mas não obrigatório. Eles optam por compensar a importância dos estados, sem que o Iowa tenha mais importância que a Flórida, por exemplo. Mas, na minha cabeça de ignorante, democracia é o poder do povo, e se o povo não quis opinar, estava aceitando qualquer coisa. Quem ganhou, deveria levar o trono. O resultado, todo mundo sabe.

Portanto, americanos, votem no Obama. E mostrem que são democratas, ainda.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Tráfico de dengue

Qual a diferença entre o traficante de drogas e o cara que deixa água parada em casa transformando o local em criadouro de dengue? Os dois sujeitos são vetores das suas respectivas doenças. Então, de um ponto de vista de política pública, os dois causam basicamente os mesmo prejuízos.

O traficante vende drogas de propósito; o criadouro, muitas vezes, age sem pensar. É a mesma diferença entre o homicídio doloso e o culposo. Um ganha a pena menor, mas o fim, em si, é o mesmo e causa a mesma dor.

Claro que o traficante, com o dinheiro do seu comércio, compra armas pesadas e o dono do pneu velho ou da garrafa vazia ou ainda do pratinho de plantas não tem nenhum "lucro" ao empoçar água limpa. Mas o comércio, em si, não deveria ser um argumento, salvo para aqueles ligados ao marxismo.

Já a compra da arma é conseqüência da subdivisão das gangues em morros. Dizem por aí que incentivada pela própria polícia. O curioso, porém, é que, em tese, o comerciante não gosta de guerra, gosta de ganhar dinheiro. Ou estou errado - o que é 50% possível? Ou seja, se fosse apenas uma grande facção, haveria menos violência.

Ou, heresia das heresias, se legalizássemos a venda de drogas, não haveria como substituir, a curto prazo, os valores arrecadados com o comércio de entorpecentes - para usar uma expressão burocrática.

Mas, argumentam alguns, com a legalização das drogas, haveria uma demanda grande dos serviços públicos de saúde, pelo menos na fase de desbunde. Ou seja, teríamos uma epidemia de viciados.

E, então, voltamos a dengue. Se essa hipótese acontecer - o que eu duvido, visto o que aconteceu em outros países que abrandaram as medidas de coerção - teríamos tanto ou mais problemas com o que estamos tendo com a dengue. O que torna, na essência, o produtor de água parada tão nocivo à sociedade quanto o traficante.

Mas essa idéia é idéia é por demais exótica para ser defendida em voz alta por aí. Não aconselho nem a reprodução.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Épocas

Jonathan Swift nas suas "Viagens de Gulliver" afirma que as teorias de atrações dos corpos de Newton seria apenas uma das muitas teorias sobre o caso na evolução da ciência. O irlandês cita outras, de Aristóteles a Descartes, que explicaram o mundo nas suas épocas.

Além de demonstrar que o passo de Newton, seu desafeto oficial, era um arremate para uma longa caminhada, diferentemente do que aprendemos nas aulas de física, Swift avisa de algo mais interessante. Nem mesmo as ciências naturais estão a salvo do revisionismo histórico. Está aí a física quântica que não me deixa mentir.

Mais que uma visão, a picuinha pessoal de Swift demonstrou que devemos crer descrendo até da mais sólida realidade. Que uma conclusão final é apenas a metade do caminho para outra. Ou, como dizia o próprio Newton, "o que sabemos é uma gota, o que ignoramos, um oceano".

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Espaço ideal para Day-Lewis

"Sangue Negro" é um veículo para Daniel Day-Lewis que, por durante duas horas e quarenta minutos, é transformado na pele de um self-made man americano da área de petróleo na virada do século XIX para o XX.

Isso não quer dizer que vemos o estereótipo do capitalista sem escrúpulos que tenta de todas as maneiras que conhece enriquecer. Ou melhor, não vemos SÓ isso. O filme do ex-independente Paul Thomas Anderson (conhecido por "Boogie Nights", "Magnólia" e "Embriagado de Amor") foge do lugar-comum. À medida que o épico avança, vamos conhecendo mais facetas de Daniel Plainview (Lewis).

De mineiro que trabalha sem ninguém a um magnata petroleiro. Além de negociador de terras, pai amoroso, irmão vingativo, empresário interesseiro e ambicioso, homem de negócios que não enxerga rival e, principalmente, sujeito sozinho e rancoroso. Alguém que não tem vínculos com familiares ou amigos e que não sabe lidar com essa falta. Vive isolado e quer se isolar ainda mais – o que acaba acontecendo.

Nunca acontece
Mesmo com a duração acima dos padrões atuais, os créditos pegam o espectador de surpresa. Primeiro, porque nunca sabemos exatamente o que acontecerá na tela no momento seguinte. Segundo, porque o fim é, de certa forma, inesperado. Poderia ser o início de uma nova fase do filme. Terceiro, e principal fator, porque o filme nunca "acontece".

Apesar de imprevisível, as mudanças de rumo de "There Will Be Blood" (no título original) são sutis, quase imperceptíveis. Os conflitos são constantes e não marcam grandes transformações na trama. Talvez a mais marcante aconteça logo no início do épico, quando Plainview é avisado da existência de uma cidade que praticamente bóia sobre petróleo.

Esses conflitos constantes, bem distantes dos padrões hollywoodianos de marcar três grandes atos com duas reviravoltas do roteiro, podem ser encarados como um diferencial ou como um exotismo aos paladares mais conservadores. O espectador decide.

PT Anderson, entretanto, parece não se preocupar com tradições. Ele quer desvendar a personalidade de seu personagem e nos mostrar, camada por camada, quem é esse Daniel Plainview. Fazer com que pensemos que cada uma de suas ações tem uma motivação por trás e que aquele sujeito que enxergamos tem múltiplas faces que podem ser interpretadas de diversas formas. Sorte a dele, e a nossa, que Anderson contou com Day-Lewis para o papel.

Os memoriosos

"Segundo a revista, os cientistas da Universidade da Califórnia em Irvine, nos Estados Unidos, começaram a pesquisar sobre a habilidade da memória de AJ há sete anos, quando ela procurou os acadêmicos dizendo que se sentia "exausta" e que as lembranças eram como um "fardo" que ela tinha que carregar." Daqui.

"Ireneo começou por enumerar, em latim e espanhol, os casos de memória prodigiosa registrados pela Naturalis historia: Ciro, rei dos persas, que sabia chamar pelo nome todos os soldados de seus exércitos; Metríadates e Eupator, que administrava a justiça dos 22 idiomas de seu império; Simónides, inventor da mnemotecnia; Metrodoro, que professava a arte de repetir com fidelidade o escutado de uma só vez. Com evidente boa fé maravilhou-se de que tais casos maravilharam." Dali.

E ainda diziam que Borges era um escritor fantástico.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

O país dos fortes

Um homem encontra uma pequena fortuna junto a corpos de criminosos. Começa a ser perseguido por um assassino obstinado em conseguir atingir a sua meta, que vai muito além de recuperar o dinheiro. Para impedi-lo, apenas um xerife interiorano e em fim de carreira. Podemos estar em qualquer época da História, mas, com certeza, estamos nos EUA.

A premissa básica do novo filme dos Coen ("No country for old man") parece simples. O desenrolar, entretanto, é surpreendente. Não porque situações inusitadas acontecerão, mas porque o significado dos símbolos exibidos tornam o filme muito maior que um faroeste deslocado de seu tempo.

Os personagens são atemporais exatamente porque no cerne americano mora este tipo de caubói, que quer resolver as diferenças com as próprias mãos. É o homem que foi para o Oeste idílico à procura de ouro, petróleo (tema do filme de PT Anderson: "There will be blood"), ou terra para começar uma nova vida.

Enquanto no Leste, os EUA eram formados seguindo uma lógica européia, tanto no Norte industrializado quanto no Sul escravista, o Oeste foi conquistado matando índios, expulsando os mexicanos, guerreando com espanhóis.

Homens como Anton Chigurh (um Javier Bardem numa atuação histórica) foram importantes e, às vezes, necessários como capangas de magnatas que queriam comprar, explorar, destruir terras. Enquanto que sujeitos comuns, que têm o seu trailer ou rancho, vão para o exército, caçam nos fins de semana, se casam com a namorado do colégio, como Llewelyn Moss (Josh Brolin), aparecem para reclamar da invasão de sua propriedade, da oportunidade perdida, a possibilidade de um sentido para a vida.

Senão por todos estes motivos, "Onde os fracos não têm vez" ficará eternizado pela dupla Tommy Lee Jones, como o xerife Ed Tom Bell, e Bardem. Se o primeiro consegue criar um experiente policial assustado com a violência, fragilizado pelo desconhecido que pode matá-lo a qualquer momento, Bardem institui um personagem único. Para entrar para a galeria dos melhores vilões de todos os tempos. Ao lado de Hannibal Lecter.

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A cena em que Chigurh explode um carro para entrar na farmácia e roubar medicamentos é, simplesmente, antológica.