quinta-feira, 22 de abril de 2010

'Alice' é um filme só para crianças

Diferentemente do livro de Lewis Carroll, "Alice no país das maravilhas" de Tim Burton é um filme só para crianças - infelizmente. Eu o li na versão bonitona da Cosac Naify, que saiu ano passado com ilustrações do Luiz Zerbini. Coisa fina. Na quarta capa, Ana Maria Machado atentava que a tradução de Nicolau Sevcenko, diferentemente de outras, como a dela mesma, conseguia atingir adultos e crianças. Verdade verdadeira. O livro tem um humor nonsense que, bem preservado, é muito saudável para qualquer idade.

O filme, entretanto, não é ruim. Tim Burton é um craque. O que ele faz, ninguém mais faz. Um filme dark, mas para os pequenos. Menos mal.

ps. Já disseram que Burton só tem dois telefones na agenda. Mas eu gosto de diretores que repetem atores.
pps. A dança final de Johnny Depp é constrangedora.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Nietzsche e o hábito olhar o outro lado

O Verissimo escreveu uma coluna semanas atrás contando sobre o poder de influência de Wagner sobre a formação do estado alemão do século xx (ver "Das weisse Band", Haneke, Michael) e como o compositor pensou que era mais que um músico em certo momento, se levando a sério demais.

Para contrabalançar esse caminho, Nietzsche, que no início de sua vida admirava fielmente Wagner, rompe relações com o compositor e profere o adjetivo que Verissimo logo transformou em verbo: "Era preciso mediterranizar a música."  Que, na interpretação do próprio Verissimo, era "evitar dramas ruidosos, megalomanias épicas e arrebatamentos místicos e nos concentrarmos nos simples prazeres possíveis." Vou além, seguindo uma tradição do próprio escritor, que é conhecido por sua leveza: é preciso rir de si mesmo.

O curioso é enunciar Nietzsche como o profeta da leveza. O filósofo alemão não era exatamente sutil em suas posições. Mas, como aconteceu em toda a sua vida, Nietzsche trafegava bem entre os extremos das suas posições, podendo oscilar entre os dois lados facilmente, exercitando o ponto-de-vista oposto ao confortável.

Deleuze escreve no capítulo sobre a vida do alemão do seu livro "Nietzsche" que a influência da doença que veio a enlouquecer o alemão, de certa forma, sempre esteve presente na filosofia nietzschiana. Porque, segundo o raciocínio de Deleuze, que faz completo sentido após ler um pouco o alemão, ele gostava de escrever sobre a doença quando estava são; e sobre a saúde, quando estava mal. Se distanciava da sua posição, para olhar o outro lado. Assim, fazia jus a sua luta contra a metafísica e se sentia completo, sem divisão. Acho uma atitude para lá de saudável.

***

ps. Entrevistei o Alexandre Vogler, que fez a obra com o cartaz da Fani e que originou toda a confusão. Ele me pareceu centrado e atinou contra um detalhe que não tinha reparado sobre esse ponto de vista: como o direito está falido, também, na hora de lidar com as obras de artes. O artista não sabe quais são os seus limites legais. Assim como não sabemos qual é o limite da própria arte. Será que estamos num período ilimitado?

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Lost filosófica: esperança renascida

Não é de hoje que Lost namora a filosofia, vide seus personagens John Locke e (Desmond) David Hume. Namora tanto que saiu até um livro sobre essa ligação direta. Até aí nada, porém, já que o doutor House também ganhou a sua "homenagem" [além disso, a filosofia, de certa forma, está bastante na pauta - talvez para substituir a agenda da psiquiatria / análise].

Mas ou eu estou junto com a moda, ou eu estou muito empolgado com a pós (Arte e filosofia) e vendo relações com tudo e todos com a filosofia - que tem, tem -, ou realmente há uma mensagem filosófica no fim desta que é a última das temporadas do seriado.

Como disse antes, o que mais me interessava na série, além de seus mistérios, mitologia, suspense e surpresas, era a ambiguidade dos personagens. Ninguém era totalmente mau nem bom. Todos são, como deveriam ser mesmo, um misto de ambas as coisas, sendo que, em determinados momentos, podemos ser mais uns que outros. Não precisa ser um gênio para perceber isso, basta ver o BBB. Se não faz o seu estilo, basta olhar para as pessoas nas ruas.

A filosofia entra agora: Nietzsche (meu atual filósofo preferido) combateu em sua obra o que ele chamava de metafísica. Para ele, metafísica seria a divisão do mundo em dois pólos, com a supremacia de um sobre o outro. Ou seja, para usar um exemplo mais próximo, o bem e o mal. Para ele, não existia essa separação (vide seu livro "Para além do bem e do mal"), simplesmente não podemos viver só com o bem ou só com o mal. E tentar evitar um dos dois (adivinha quem todo mundo tenta evitar?) é não aceitar a vida como ela é, é percebê-la menor, faltando uma metade. Ele sugere que sejamos corajosos e enfrentemos as propostas do que acontece. Não precisaríamos ir tão longe - ou melhor, tão perto, se considerarmos a questão histórica. A proposta do ying & yang não era, lá no fundo, exatamente isso?

Com o episódio de ontem, não-por-acaso [em minha opinião] protagonizado pelo broda Hume, minha esperança de que a série não seja decepcionante se reacendeu. Porque eles sugeriram - e eu interpretei dessa forma - que é melhor viver uma vida completa, com sofrimentos, alegrias e decepções, que uma perfeita, em que você tem tudo - mas não tem nada.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

'Sem título' - Capítulo 26 - Teste

Nesses tempos de ócio, estou aproveitando para reescrever o próximo livro, que já tem algumas muitas páginas. Por acaso encontrei esse trecho, que certamente - e felizmente - não é a melhor coisa escrita. Mas tem um pouco do humor atual, de tantas desgraças, internas e externas. Resolvi testar a leitura, publicamente. Vamos ver qual é a reação.

***

26

A fase era péssima. Nada dava certo. Nenhum pensamento prosperava na minha cabeça guiada por um único pensamento, que dominava por completo a atenção. Sentia um peso danado por ter feito o que fiz. Não sabia como lidar com isso. Era tão absurdo, tão inesquecível, tão chocante que desisti de fazer qualquer coisa que fosse considerada por qualquer sujeito comum simples. Em poucos meses, chegava ao lugar onde não há qualquer alternativa.

Estava definhando. Não saía de casa há dias, já tinha esquecido o que era comida, vivia num estado entre o dormir e o ficar acordado, sonâmbulo. Perdi as forças e estava me entregando. Não vislumbrava qualquer sentido, significado, possibilidade para o que se chama vida. Não decidia nada. Permanecia deitado, em qualquer pedaço do apartamento, e mais recentemente, só do quarto. Observava, no início da avalanche, a janela, a favela. Prestava a atenção nos barulhos da rua. Em seguida, olhei para a parede, num transe que mistura dia e noite na cor amarelada.

Passava pela minha cabeça apenas a ideia de que não havia motivo algum para se levantar. Ficar deitado ou desaparecer eram a mesma coisa. Sentia-me sem força. Cansado de uma luta que nem havia começado. A culpa aprisionava os meus membros num casulo, impedindo-os de se movimentar. Havia cometido um crime, era um criminoso, fora-da-lei, merecia a prisão, merecia não existir. Era a minha única oração, e eu repetia como uma ladainha, hora após hora. Só não fazia algo pior porque não tinha coragem nem para isso. Os órgãos iam se paralisando um a um, até que um dia, perdi os sentidos.

Só acordei tempos depois, talvez dias, talvez horas. E, incrivelmente, me sentia melhor. Sentia-me... Vazio. Não havia tristeza, culpa, rancor, pena, dor, fome, nem alegria, felicidade. Era o meu corpo e nada dentro. Eu era um robô, um homem sem emoções que acordava. Alguém que não tinha nada para expor e que poderia ser, por completo, preenchido.

Pela primeira vez, pude avaliar o incidente de uma distância segura, sem ser influenciado por nenhum resquício de outro sentimento. Estava à vontade comigo mesmo. E, observando o ato, analisando toda a cena, quadro a quadro, em câmera lenta, voltando e adiantando, acelerando e atrasando, mudando a ordem das ações, cheguei a uma conclusão: tinha gostado do que fizera.

Sentira um prazer, uma força, algo que nunca tinha acontecido comigo. Sentia-me poderoso. Era isso. Senhor da vida e da morte. Quem decide o destino dos outros. O que interrompe. Era um mensageiro de deus, uma espécie de anjo da morte. Eu estava seguindo por essa linha e ri, não de felicidade, mas de mim mesmo, do raciocínio que tive, megalomaníaco, infantil. Era um sentimento tão inusitado para mim. Eu não acredito em deus, menos ainda em uma religião. O que senti não tinha a ver com o divino. Também não tinha a ver com nada místico, por motivos óbvios. Decidi, então, descobrir de onde vinha essa felicidade. Nem que, para tanto, tivesse que matar mais pessoas.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Aquecimento global: a chuva e as evidências

Eu tendo a não acreditar nas notícias sobre o aquecimento global porque, como toda informação vinda da editoria de ciência, ela vem mais envolta em novidades ditadas por uma moda que por uma comprovação realmente científica. Tudo bem, os caras lá da ONU que estudam o caso ganharam o prêmio Nobel, concordo, eles fazem um trabalho realmente importante - independentemente de acreditar ou não no aquecimento, sou extremamente a favor de qualquer atitude contrário ao desperdício e a favor da auto-sustentabilidade. Portanto, não é porque não acredito exatamente na ideia do aquecimento que promovo práticas condenáveis. Pelo contrário.

Mas é que a discussão do aquecimento global geralmente fica num fla x flu que não me interessa. Os bons contra os maus. Uma questão de apontar os culpados e, principalmente, uma busca messiânica pelo líder que vai nos tirar dessa. Faço a minha parte e sugiro que os do meu entorno também o façam. Mas daí a acreditar nisso...

Entretanto, uma coisa me chamou a atenção nessa chuva de hoje no Rio. Segundo os portais, é um recorde: há muitos anos não caía tanta água quanto neste 6 de abril de 2010. É por isso que estamos sofrendo as consequências, a que todos assistimos. Se voltarmos um pouco no tempo, para o ponto mais quente do verão, também percebíamos as mais altas temperaturas em décadas. Também era um marco histórico.

Se há algo que os que defendem o aquecimento global como um efeito da ação do homem sempre dizem é: teremos situações mais extremas a partir de então. Nada de terremotos ou tsunamis - que são problemas de placas tectônicas. Mas, secas, ondas de calor e chuva. E aumento de maré e dificuldades em escoar a água. Se não for uma coincidência o que estamos vivendo, é uma evidência.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Henry James: o mais inglês dos americanos

Apesar de ter nascido numa rica e aristocrática família do nordeste americano, que incluía entre outras figuras relevantes seu irmão, o psicólogo e filósofo William, Henry James queria ser inglês. Tanto queria que se naturalizou, um ano antes de morrer. Os 40 anos que passou na Inglaterra impregnaram não apenas a sua vida, mas também os seus trabalhos, principalmente aquele que é considerado por alguns o melhor relato de terror já escrito e, provavelmente, a sua obra-prima: "A volta do parafuso", de 1898.

Numa Inglaterra ainda repleta de hierarquias entre senhores e serviçais, entre homens e mulheres etc., e lotada de regras de comportamento, James mostra uma preceptora tomando conta de duas crianças que moram numa propriedade no interior. Logo no início do relato, essa professora começa a ver vultos, que julga ser fantasmas, e não sabe bem como lidar com a situação. Se a questão por si só já é tensa, com as suas poses e diálogos escorregadios, James deixa a história ainda mais delicada, não fazendo qualquer tipo de conclusão. Como um bom gentleman, é sutil até para sugerir um eventual envolvimento amoroso entre dois personagens.

A professora, que além de protagonista é a narradora do conto em questão, até afirma que vê espíritos, além de comentar como acreditava que as crianças também os viam. Mas os leitores nunca temos a certeza disso, porque ela poderia estar fantasiando suas visões por, por exemplo, ter ficado perturbada. Fica-se na dúvida o tempo todo sobre todos os aspectos. Como aliás se fica em relação à sua vida sexual.

Mesmo quem não sabe nada sobre a sua biografia, ao ler qualquer um de seus elegantes textos, pode suspeitar de sua orientação sexual. Seus comentários são sempre recheados de ironia mordaz e destruidora, como alguns gays são caracterizados. Sobre as mulheres que tinham prometido ficar para escutar o relato, o narrador do prólogo, uma espécie de alter-ego de James solta: "As senhoras que estavam de partida, e que haviam dito que ficariam para a leitura, naturalmente - graças a Deus - não ficaram." Touché.

De qualquer forma, James é um estilista que procura suas palavras com cuidado e cria frases de efeito, mesmo nas situações mais banais. Por isso, por mais que ele tenha sido visto durante um bom tempo como um escritor para senhoras, segundo o preconceito de que não tinha uma profundidade em seus relatos - o que seria de acordo para as mulheres - sempre se encontra frases exemplares, mesmo que datadas. Por exemplo: "(...) ela era um magnífico monumento dessa benção dos céus que é a falta de imaginação" (página 207, da edição da Abril Cultural de 1972).

Entretanto esse estilo serpentinesco de dizer as verdades pode confundir os menos atentos, ou seja, todos os que não têm paciência de encarar um livro um pouco menos óbvio. Uma pena porque perde-se frases como: "A maneira de um homem prestar o seu mais alto tributo a uma mulher pode não ser outra coisa senão a festiva celebração de uma das leis sagradas da sua comodidade" (página 224).

No fundo, entretanto, talvez James quisesse apenas ver a sua obra como um conto sobre fantasmas, sem a preocupação sobre o seu estilo ou o quanto sua vida influenciava em sua obra. Talvez ele quisesse apenas contar uma história, algo tão raro nos dias de hoje.


O famoso conto de Henry James foi várias vezes adaptado para o cinema. Talvez a adaptação mais famosa seja essa de 1961, como "Os inocentes".

(Reprodução de quadro de John Singer Sargent)