dois atos
A música escapava um pouco. A frente da casa tinha um jardim, um belo jardim de grama chinesa, com um caminho de pedras talhadas. Ela havia me dito, Siga o caminho de pedras. Toquei a campainha e a porta se abriu logo depois. Segui o som.
Desde que havia começado a trabalhar na loja, tinha me impressionado com a mulher dele. Uma loira alta, de cabelos encaracolados até o meio das costas e os olhos claros. Acho que são azuis, mas, às vezes parecem verdes.
Ela estava sentada ao lado da piscina, numa mesa com mais três cadeiras vazias, ao seu lado. Abriu um sorriso, mas não se levantou. Beijei-a no rosto, educadamente, e sentei-me ao seu lado esquerdo, de costas para a piscina. Onde ele está, perguntei.
Ele havia me contratado para ser uma espécie de gerente da loja. Ele deixou toda a responsabilidade para mim. Iria de quando em quando apenas para pegar dinheiro, ou me salvar de algo. Normalmente ia com ela. Outras, ela ia sozinha.
Bebia algo escuro. Parecia coca, mas tinha álcool, com certeza. Já está vindo, me respondeu, Você quer algo para beber, perguntou, Aceito cerveja. Ela não se moveu, não tirou o sorriso do rosto, apenas continuou na minha direção com um olhar perdido.
Devemos marcar para fazermos algo junto, um dia ela disse, uns três meses após eu ter começado a trabalhar na loja. Eu não sabia como me portar com ela, quando ia sozinha. Sempre foi muito simpática comigo. Simpática demais.
Tome, ele chegou por trás de mim, silenciosamente, e me ofereceu a cerveja. Ele, me parecia, bebia uísque, ou algo da mesma cor. Sentou do meu lado esquerdo, de frente para a ela, e segurou a sua mão. Os dois olhavam para mim, sem pronunciar nenhuma palavra.
Um dia qualquer ela foi, mais uma vez, sozinha para a loja. Sempre gostei de você, disse. Sempre achei que você seria um ótimo funcionário. Obrigado, respondi apenas. Eu estava atrás do balcão e ela, atrás de mim. Por mais que eu tentasse me virar, ela ficava fora do meu raio de visão.
Após alguns segundos de silêncio, disse, Boa música. Que bom que você gostou, ele falou, sem se mexer na cadeira nem tirar o sorriso do rosto. Ela se aproximou dele e cochichou algo perto do seu ouvido. Ele não tinha mais que 30, 32 anos. Ela, no máximo 28. Ele levantou a cabeça, Portishead, uma banda inglesa.
Já era tarde da noite. Só sentia o calor da sua respiração a cada palavra. Virei-me de costas para o balcão, e ela não estava mais ali. Vi que a porta do depósito tinha acabado de ser fechada. Fechei o caixa. Segurei a maçaneta, Devo, me perguntei em voz baixa.
Dizem que é ótimo para fazer sexo, disse e provocou um silêncio. Você quer outra, ela perguntou com o dedo apontado para a minha lata, O que você bebe, devolvi, Vou fazer uma para você, sugeriu. Você fuma, ele me perguntou, Às vezes, respondi, Hoje, você fumaria conosco, Sim, claro. Ele pegou um charuto, sentiu o aroma, puxou um cortador, tirou a ponta, acendeu um isqueiro prateado e começou a puxar a fumaça. Esse é uma produção caseira, deu uma pequena risada e passou o charuto.
Uma nuvem de fumaça impedia de visualiza-la bem. Fechei o caixa, disse em tom baixo, Você me acha bonita, perguntou. Titubeei. Ela se levantou, veio na minha direção, saiu da fumaça e perguntou novamente, Você me acha bonita, Acho. Rapidamente. Ela estava muito próxima a mim. Pegou a minha mão, colocou logo acima dos seios, Sinta meu coração, ele ainda bate.
A bebida era muito forte. Tossi um pouco. Você tem namorada, ele perguntou. Não tinha. Um garoto tão bonito, e não tem namorada, ela completa, que pena. Elas não me querem, arrisquei. Você deve aproveitar a sua idade para fazer o que quiser, ele, Quantos anos você tem, ela inquiriu, 20, respondi. Com 20 anos tudo é esquecido, tudo é perdoado, tudo é fácil, ele.
Me abraça, ela pediu, e eu a abracei. Quando tentei falar alguma coisa, ela colocou o indicador no meio da minha boca para silenciar-me. Passou a mão pelo meu rosto, Eu queria que o mundo acabasse nesse momento. Tentei falar, mas ela sussurrou silêncio.
Você quer mais um desses, ele me perguntou, Aceito. Estava um pouco bêbado e queria mais bebida. Ele acendeu outro charuto e passou novamente para mim. Ela levantou-se para pegar outro drinque para mim, ele foi trocar de música. Voltou antes dele, abaixou-se atrás de mim e mordiscou o lóbulo da minha orelha, Eu quero você.
Ela se afastou um pouco e olhou fixamente nos meus olhos. Vá para a minha casa, hoje, disse. Mas, comecei e fui interrompido pelo dedo dela na minha boca. Primeiro, vá para sua, tome um bom banho, descanse um pouco, e depois vá para a minha. E o seu marido, Não se importe com ele, Ele vai estar em casa, perguntei, Não se importe com ele, ele gosta muito de você.
Eu acho a minha mulher maravilhosa, você não acha, a pergunta estourou no ar. A sua mulher é muito bonita, respondi encabulado. Ela estava sentada ao lado dele, os dois estavam de mãos dadas. Ele soltou a mão dela, se aproximou de mim, Você tem vontade de come-la, perguntou. Eu me encostei à cadeira, gaguejei, Não, não. Pode dizer a verdade, não se acanhe, ele se levantou e começou a caminhar para um bar que havia atrás de onde ele estava sentado. Ela se sentou atrás de mim e começou a beijar a minha orelha, meu pescoço, meu queixo, até que eu a beijei.
Só quero uma coisa, ele enfiou a mão entre nós e segurou minha cabeça pelo queixo. Já não conseguia fixar meus olhos nele ou nela, já não conseguia pensar direito, me sentia cansado, confuso, desconexo. Fui eu que te contratei, você deve saber, ele disse. Sim, senhor, respondi. Você foi uma grata surpresa, garoto de 20 anos, bonito e até inteligente. O que mais eu iria querer, ele perguntou em voz alta, com os olhos em mim. Ela continuava a me dar pequenos beijos pelo meu rosto e pescoço e orelha. Sua mão corria todo o meu corpo, abria me cinto, meu zíper, puxava minha camisa. Ele se aproximou, colocou o rosto a um palmo do meu, Para passar a noite com ela, tem de passar comigo.
Abri os olhos assustados. Pulei da cadeira numa trombada com os dois. Espere, pude escutar. Parei na saída, Não é a hora nem o lugar, e fui embora.
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