O Pianista
Ainda fazem filmes sobre o holocausto? Foi o que o Zé me perguntou quando cheguei em casa depois de assistir “O Pianista”. E era exatamente isso que eu pensava antes de começar a projeção. Depois de “A lista”, do Spielberg, achei que poucas coisas poderiam ser acrescentadas. Não que a “A lista” seja um filme impecável – ele é ótimo, mas escorrega em algumas horas – mas é que o horror da segunda guerra já tinha sido revisitado muito bem pelo cineasta judeu-americano.
Porém Polanski, como o próprio disse ao vivo, ontem no Odeon, talvez seja o diretor vivo mais capacitado para narrar o cotidiano dos guetos simplesmente porque ele viveu em um. Ele não estava inventando nada, tudo aconteceu da maneira como retratado “nem mais, nem menos”, como afirmou.
No início do filme, fiquei um pouco distante por causa da língua empregada, o inglês. Polanski responde. Segundo o autor judeu-polonês, era necessário que a película falasse a mesma língua que os americanos para ajudar na distribuição. Porém, demorou um pouco para engolir aquele bando de poloneses, com cara de “leste europeu”, como ouvi de uma mulher na fileira de trás da minha e fiquei encucado para descobrir o que ela realmente queria dizer, se expressando num inglês sofrível com sotaques e mais sotaques.
Porém o filme te ganha na hora em que começa a te bater. Ele transforma “A lista” do Spielberg em programa para crianças de tão leve e bonitinho. Ele mostra situações que, provavelmente, até já vimos em outras produções, mas nunca de uma maneira tão crua e tão direta. Um senhor, com a braçadeira de Davi no braço, anda na calçada quando encontra dois soldados alemãs que, para se divertirem, batem no velho. Depois ainda o expulsam do caminho aos berros de que para judeus só a sarjeta serve.
O filme tem duas partes bem distintas. E a primeira uma hora e pouco é de uma violência física e emocional que dão quase um enjôo. Comecei a tossir e só parei quase uma hora depois de ter terminado a projeção. É mais de uma hora sem tirar de dentro. Só porrada. E você sendo empurrado para dentro da poltrona, na tentativa de sumir, desaparecer, esquecer e ele te dá mais uma porrada. Quando você acha que vai melhorar, vai dar um fôlego, entra um grupamento do exército alemão em um dos prédios do gueto e jogam um senhor da cadeira de rodas pela janela. Ou um judeu tenta roubar uma mulher na rua e o objeto do desejo cai no chão, uma panela com comida. O homem apenas abaixa e começa a comer do chão imundo, como um cachorro.
A segunda metade começa, mais ou menos, de quando o Pianista, o personagem principal, consegue fugir do gueto de Varsóvia. E o terror que impressiona muda de figura. Agora a violência se torna basicamente psicológica. Ele deve ficar confinado em apartamentos, muitos colados a quartéis alemães, a espera de ajuda para se alimentar, sem ter certeza que será descoberto pelo vizinho e sem nada para fazer além de observar a janela. Aliás, várias tomadas dessa fase são feitas de maneira subjetiva. Para mostrar talvez que fomos e somos espectadores passivos da maior carnificina que já houve na Terra.
Talvez o que mais impressiona seja mesmo o realismo empregado pelo diretor para retratar o grande pianista judeu-polonês Wladislaw Szpilman no período em que viveu no gueto de Varsóvia. Ter nas retinas que aquilo que é mostrado na tela, que os alemães realmente se sentiam parte de uma raça superior, que consideravam judeus a escória do mundo só por terem nascidos judeus, e que para isso usavam de qualquer artifício para humilha-los e extingui-los, é verdade, faz repensar a sua fé no humano.
Ps. Pensei com os meus botões com o Polanski ali em cima do palco do Odeon, conosco de pé, palmas por mais de cinco minutos, com a anfitriã tremendo, se alguém ainda se emociona depois de ganhar uma Palma de Ouro em Cannes. E fiquei na dúvida.
Ps2. Não vi nenhum outro filme nesse festival que concorreu em Cannes, mas já acho que a Palma desse ano foi bem dada. Quem vai gostar vai ser o Dapieve.
Ps3. Especulamos o que a Luana Piovanni fazia ao lado do Polanski no filme de ontem. Sabemos que ele não é conhecido por ser exatamente um anjo. E que não pode entrar nos Eua por ter tido, digamos, um envolvimento com uma menina de 17 anos. E que sua mulher foi morta por Charles Mason. E que o melhor amigo americano dele é o Jack Nicholson. E que fez “Lua de Fel”. E que ela não é exatamente uma anjinha. Mas detesto especuladores.
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