domingo, 13 de outubro de 2002

Tiros em Columbine

Normalmente quando você tem idéia da qualidade do filme que assistirá, este perde algum brilho, alguma empolgação, alguma coisa. Geralmente você sai da sala dizendo que esperava mais, ou que tinha feito outra idéia antes, ou que ficou aquém das suas expectativas. Por isso muitos amigos meus mantém o saudável hábito de manterem-se distantes de toda e qualquer tipo de informação sobre filmes antes de assisti-los. Coisa que eu deveria fazer, mas que não consigo. Não me arrisco a dizer que o “antes” filme é tão importante quanto o durante. Mas que há um valor em saber alguma coisa antes, do que se trata, de quem dirige, atua e etc, não consigo negar. E quase nada se compara ao depois, quando, na saída dos cinemas, pequenas multidões se aglomeram para lembrar as melhores cenas ou as melhores falas. Mas não era isso que eu queria dizer.

Queria falar sobre a expectativa que muitas vezes é frustrada pelos filmes. Às vezes o filme é isso tudo sim, mas a sua idealização o transforma numa obra menor. E isso não acontece só com filmes, o hábito de premeditar atitudes faz com que você só consiga vivenciar atitudes de segunda mão, porque já as imaginaram toda, com todos os resultados possíveis na cabeça. Por isso quando acontece alguma coisa inesperada, tanto em filmes como na “vida real”, gostamos tanto.

“Bowling for Columbine” é uma dessas surpresas. E do tipo mais raro. Quando saí de casa, sabia que se tratava de um filme sobre a tara que os americanos têm com armas. E em todas as conseqüências que isso pode detonar. O filme realmente não destoa desse mote, mas a maneira como toca no assunto, e as possibilidades de pensamento que ele mexe é muito mais do que poderia supor.

A partir da premissa de um assassinato de 12 estudantes e dezenas de feridos em uma escola de segundo grau a cidade de Columbine, onde dois adolescentes tiveram acesso a armas de fogo de alto calibre, Michael Moore faz um documentário pessoal na vã tentativa de explicar o porquê dessa paixão americana pelas armas. Desde as respostas simples, como a facilidade de compra de armas de fogo no território americano, até as mais complexas, ter uma grande população abaixo da linha da pobreza, e inovadoras, como diria o presidente da NRA (associação americana de rifles), a presença de miscigenação étnica, são visitadas e nenhuma responde definitivamente a pergunta inicial.

Através de exemplos de outros países, Michael Moore destrói todos os argumentos apresentados. Disseram que os garotos de Columbine praticaram o massacre porque gostavam de Marilyn Mason, por exemplo. Ele visita o cantor e transfere a pergunta. E recebe de volta respostas concatenadas e com muito mais sentido do que de todos os outros que o acusavam e que possuem armas. Marilyn Mason até propõe uma pequena interrogação, quem influenciaria mais o povo, ele, um cantor de rock, que tem até um relativo sucesso, ou o presidente que bombardeia e mata milhares só por uma questão “defesa de interesses”?

Sobre os americanos comprarem muitas armas, Moore responde que os canadenses também compram e tem o indício de mortes por armas de fogo 20 vezes menor. Os próprios canadenses têm um maior número de desempregados, quando comparados com os americanos, logo, segundo a lógica de que os menos abastados serem mais violentos, mais propensos a usarem armas de fogo. Outra teoria desconstruída era a de que os americanos seriam violentos por terem uma história violenta, com muitas mortes por causa da colonização e guerras civis. Porém o mesmo (mortes e violência) aconteceu em outros países, como Inglaterra e Alemanha, e os europeus obtêm índices de violência bastante inferiores. Sobre o problema ser da miscigenação que Charlton Heston propôs, ele nem gastou película para responder.

Mas, o que ele ressaltou e bastante, foi a sede da mídia em retratar sempre uma violência nos noticiários. Segundo um dos entrevistados, que eu não me lembro, em determinado estado, que eu obviamente esqueci, o aumento nos últimos dez anos de veiculação de assuntos violentos em jornais cresceu 600%, mas a quantidade de ocorrência caiu 20% no mesmo período.

Com essa quantidade de informação, as pessoas se assustariam e viveriam com medo. (Pausa para dizer que semelhante caso acontece no Brasil. Podem reparar. A única diferença é que aqui o número de casos só aumentou nos últimos 500 anos. E a informação só tendeu a acompanhar. Espetacularizando toda e qualquer informação, mas lado a lado no crescimento.) Com medo, os americanos comprariam mais elementos para se defender. Não é de se assustar que o mercado de armas é um dos cinco maiores segmentos de todos eua. Eles vivem segundo uma lógica simples, são assustados, compram armas para se defender, com isso provocam mais acidentes e carnificinas como a de Columbine, e se assustam e compram mais armas...

Talvez de tudo o que ele tenha dito, nada seja novo. Mas nada é óbvio para descartarmos logo e nunca vi ninguém tentando responder a perguntas tão simples e, ao mesmo tempo, desconcertante. Principalmente um americano. É bom saber que ainda há americanos que pensam e consegue observar a ferida na tentativa de cicatriza-la.


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